Europa, os refugiados e a súbita humanização de Angela Merkel

A onda de refugiados que atinge a Europa causou estupefação. Mortos em caminhões, crianças de colo mortas em praias, cercas construídas na Hungria fizeram com que milhares de pessoas se mobilizassem a favor – e poucos contra – os refugiados. No último fim de semana, condoídas pela situação dos refugiados, torcidas de vários clubes da Alemanha e da Europa se manifestaram a favor. A chanceler alemã Angela Merkel adotou a mesma posição. Entretanto, não há sinceridade nela.

Por Humberto Alencar


A chanceler Angela MerkelA chanceler Angela Merkel
Angela diz que a Europa precisa ajudar os refugiados da mesma forma que salvou os bancos da falência. A opção de salvar bancos da falência levou países como a Grécia a adotar medidas econômicas que arruinaram a vida de milhões de pessoas. Embora as declarações, favoráveis a receber os refugiados, sejam louváveis, a chanceler alemã não tem planos para recebê-los, nem para o que fazer com eles.

Parte do noticiário destaca as palavras de Angela como uma maneira de a Alemanha enfrentar a crise como uma "oportunidade". Oportunidade de quê, não dizem. Talvez de reforçar o comando que a Alemanha tem sobre as outras nações da cada vez mais desunida União Europeia.



Segundo dados da ONU, 3,2% dos habitantes do planeta – mais de 232 milhões de pessoas – estão em situação de mobilidade internacional. Deixaram seus lares de origem por diversos motivos, o principal deles é a guerra ou conflito armado. Isto tende a converter-se num dos grandes problemas da humanidade.


O deslocamento dessas pessoas é predominantemente Sul/Sul, já que o Norte está cada vez mais fechado, com milhares de esperançosos à espreita de alguma brecha que se abra nas muralhas dos países europeus, como Espanha, França, Itália, os desenvolvidos mais meridionais do continente.

A clandestinidade trouxe de volta o tráfico humano, comandado por máfias, um "negócio" calculado em US$ 40 bilhões à escala mundial. A política da Fortaleza Europa, a intransponível, aumenta o tráfico.

Voltando às declarações de Angela, fica evidente que ela não sabe o que fazer com o problema. Ela cobra as outras nações pela partilha dos refugiados e diz em entrevistas que a chamada Convenção de Dublin da UE não funciona mais. Essa convenção estabelece que todo refugiado tem de pedir asilo, primeiramente, no primeiro país em que ingressou.

Horas depois, em outro evento, exige que Hungria, Grécia e Itália cumpram a legislação disfuncional. Alemanha, Áustria e outros países que recebem a maior parte dos requerentes de asilo, exigem uma divisão "justa" dos refugiados por todos os 28 países-membros da União Europeia. A maior parte deles, porém, não está sendo atingida pela atual crise e, por isso, não tem interesse algum numa reforma.

Enquanto os requerentes de asilo tiverem como destino a Alemanha, Suécia e Áustria, os outros dirigentes da União Europeia estarão tranquilos em suas cadeiras. Angela quer reparti-los, não recebê-los.

O sistema jurídico atual sucumbe diante da realidade e o resto dos países da "Comunidade" Europeia vê de braços cruzados as tragédias cotidianas. O governo da Hungria tenta lidar com as condições caóticas erguendo uma cerca na divisa com a Sérvia e enviando os requerentes de asilo à Áustria ou à Alemanha. Áustria e Alemanha, por sua vez, se defendem com um controle reforçado – algo que vai contra o que Angela tem dito. Viena ameaça multar os membros da UE que não demonstrarem solidariedade, já que estes têm se beneficiado dos contribuintes austríacos.

A realidade é outra e é dura

O discurso recente de Angela a favor dos refugiados deve-se ao receio de a Alemanha converter-se no principal destino dos milhares de pessoas que agora se deslocam para o norte. Ela não pode assumir o discurso da direita de seu país, o que poria em risco a hegemonia de seu partido.

Em meados de julho, Angela foi severamente criticada por ter sido extremamente fria – na verdade, sincera – em relação a uma criança palestina que estava prestes a ser deportada.

Angela respondia questões feitas por uma menina palestina sobre política de asilo e uma de suas respostas levou a criança às lágrimas.

Reem, de 13 anos, perguntara: “Nós vivemos tempos difíceis recentemente por quê estamos próximos de ser deportados. Eu estava me sentindo muito mal na escola e os professores e estudantes estavam comentando isso.”, disse ela em alemão fluente. Ela vive na Alemanha há quatro anos. O debate aconteceu na cidade de Rostock, no norte da Alemanha, antigo território da RDA.

Merkel então pergunta: “Falaram que você deve voltar para o Líbano?”. Reem responde afirmativamente e a chanceler alemã replica: “Eu entendo. Porém, a política às vezes é dura. Você é uma menina muito simpática, mas nos campos de refugiados palestinos no Líbano existem milhares de pessoas. Então se eu disser ‘todos [imigrantes] podem vir, podem vir da África, podem vir todos’ nós não vamos conseguir gerir tudo isso.”

Angela continuou: “Estamos nesta situação e a única resposta que eu tenho é: não deixe isso ir muito longe antes de ser decidido. Algumas pessoas vão ter que ir embora.”

Reem começa a chorar e Angela, querendo remediar a situação, faz uma fria carícia na menina, seguida do comentário “mas você fez um grande trabalho”, a fim de tentar remediar a tristeza da criança.

Atentados nas cercanias de Dresden

Casas que abrigam refugiados nas cercanias de Dresden, cidade da antiga RDA, foram alvo de protestos violentos de centenas de pessoas.

A maior parte dos atos de xenofobia contra os refugiados foi realizada no território da antiga Alemanha Democrática, o que levou a apressadas conclusões por parte da mídia conservadora. Após 25 anos da anexação da RDA e do fim do socialismo naquela região, o comunismo ainda é culpado pelos problemas vividos pela gente que habita o leste alemão.

"Especialistas" alegam que o suposto "isolamento" ao qual foi submetida a Alemanha "comunista" levou seus habitantes a demonstrarem reações xenófobas em maior quantidade que na parte ocidental do país.

Mas é um cientista político da própria Dresden que desmente essa conclusões da mídia. Werner Patzelt afirma de forma peremptória que a xenofobia não foi algo herdado do passado "comunista" da região.

"A grande maioria dos que cometem atos violentos nas ruas é feita de pessoas jovens, que foram influenciadas pelos acontecimentos ocorridos após o fim do socialismo na Alemanha Oriental", explica.

Precisamos explorar as correlações culturais, sociais, políticas e estruturas para acharmos uma resposta para isso", afirma. Os extremistas, de fato, têm menos de 30 anos, em média, de acordo com dados da polícia alemã sobre os grupos neonazistas.



Do Portal Vermelho

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