André Barrocal: Prestes a ser pego, ocultador de capital no exterior pediu anistia

                                                                                                       Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Cunha é um especialista em defender patrões e endinheirados e a última palavra será da Câmara

Quando acordos globais dificultam esconder dinheiro, Fazenda e Senado acertam lei de regularização; por obra de Cunha, Câmara terá palavra final

O Brasil vai aceitar a legalização de bens e dinheiro escondidos no exterior por pessoas e empresas. A regularização seguirá uma fórmula já testada em alguns países. O dono dos recursos declara-os às autoridades e paga o imposto de renda devido e uma multa.
Em troca, será anistido dos crimes que provavelmente cometeu ao ocultar o patrimônio, como sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A ideia ganhou força nas últimas semanas graças ao ajuste fiscal, a empurrar governo e Congresso atrás de fontes de arrecadação. Uma dádiva para os ocultadores neste momento.

Agora em setembro, Brasil e Estados Unidos começam a compartilhar as primeiras informações financeiras sobre seus contribuintes. O intercâmbio nasceu de um acordo bilateral, conhecido como Fatca.
Funciona assim: um banco nos EUA terá de fazer relatórios anuais sobre os brasileiros correntistas de suas agências, entregar o balanço ao fisco norte-americano e este repassará o material à Receita Federal do Brasil. O mesmo acontecerá no caminho Brasil-EUA.
A partir de 2018, um acordo similar permitirá ao Brasil realizar a mesma troca de informações com cerca de 90 nações já signatárias de um entendimento global redigido nos moldes do Fatca. Entre elas, alguns famosos paraísos fiscais, como Suíça, Ilhas Cayman, Ilhas Jersey e Luxemburgo.
Com os relatórios recebidos do estrangeiro, o fisco poderá conferir se as declarações anuais de imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas dizem a verdade. No caso do acordo com os EUA, a checagem será possível já nas declarações de IR do ano que vem.
Na iminência de serem descobertos, os ocultadores de capital fizeram chegar ao Congresso e ao governo pedidos de uma solução. “O Fatca e outros mecanismos de exigência de regularidade dos recursos nos principais bancos do mundo criaram uma demanda de que se regularizassem os recursos brasileiros no exterior”, disse o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao anunciar na quinta-feira 10 o envio de uma proposta do governo ao Congresso. 
Pelo projeto, os ocultadores de capital terão 180 dias para se acertarem com as autoridades. Terão de entregar ao fisco 35% do valor escondido, sendo metade a título de imposto de renda e metade a título de multa.
Em contrapartida, estarão a salvo de processos por sonegação (de dois a cinco anos de cadeia), evasão de divisas (de dois a seis anos), lavagem de dinheiro (de três a dez anos), falsificação de documento público (de dois a seis anos) ou privado (de um a cinco anos) e falsidade ideológica (de um a cinco anos).
Nos últimos anos, vários países adotaram programas de regularização do gênero. A Alemanha o fez entre 2004 e 2005, com multa de 25% a 35%. O México, de 2005 a 2006, ao cobrar 25%. O Canadá em 2005, com juros, multas e alíquotas normais de IR. Os EUA, de 2003 a 2009, com cobrança de tributos, juros e multa. O Reino Unido, em 2007, com alíquotas normais e multa reduzida em 10%. A Espanha, em 2012, com alíquotas normais.
A legalização mais recente ocorreu na Itália, neste ano, com pagamento de 1% a 43% do valor ocultado. O país recuperou 100 bilhões de euros, segundo o Ministério da Fazenda brasileiro. Aqui, a Fazenda estima arrecadar de 100 bilhões de reais a 150 bilhões de reais, caso a lei seja aprovada nos termos propostos. O órgão trabalha com dados a indicar a existência no exterior de 400 bilhões de dólares não-declarados.
Pelo projeto, só poderão ser regularizados capitais de origem lícita. Não vale para tráfico de drogas, terrorismo ou corrupção, por exemplo. De acordo com a Fazenda, há muitos casos de brasileiros que mandaram dinheiro para o estrangeiro durante planos econômicos como Cruzado I e II (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I e II (1990 e 1991) e Real (1994). O motivo seriam as incertezas cambiais e políticas locais ou crises internacionais.
Levy diz ter uma “expectativa de votação rápida” da lei no Congresso. Os parlamentares estavam prestes a votar um projeto de regularização de capitais escondidos, quando o governo mandou uma proposta nova ao Legislativo.
O projeto era do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e previa multa de 30% de regularização, em troca de anistia penal. Havia recebido parecer favorável do líder do governo na Casa, Delcídio Amaral (PT-MS), nos termos agora propostos pela Fazenda.
O envio do novo texto foi uma exigência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em meio ao ajuste fiscal. Caso o projeto de Rodrigues fosse aprovado, ele iria aos deputados e, em caso de alterações, voltaria ao Senado.
Em suma, a última palavra seria do Senado. Com o envio de um projeto pelo Executivo, o texto começará a tramitar entre os deputados, irá aos senadores e, em caso de mudanças, regressará à Câmara. Ou seja, a palavra final será dos deputados.
Rodrigues protestou, classificando o acordo Cunha-Levy de “pirataria legislativa”. Lamenta o fato de agora ser mais difícil ele ter a paternidade de uma lei a enquadrar ocultadores de patrimônio, bandeira de interesse do eleitorado progressista do senador do PSOL.
Há mais razões para protestar. Cunha é um especialista em defender patrões e endinheirados. No ano passado, o governo mandou ao Congresso uma medida provisória (MP) com regras sobre a tributação de multinacionais brasileiras no exterior.
O relator era Cunha. O peemedebista deixou um texto na medida para empresas financiadoras de campanha. Esticou prazos de pagamento e reduziu multas. Pior para o Tesouro Nacional. Fará o mesmo agora?

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