PML: Além do pugilato tucano durante a CPI do Carf

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Por Paulo Moreira Leite - 28/08/2015

Num Congresso que abriu 22 CPIs em 2015, a audiência de ontem à tarde na CPI que investiga denúncias de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) prometia encerrar-se com uma encenação igual a todas as outras.

Chamado para dar seu testemunho, um ex-conselheiro do CARF apresentou um habeas corpus obtido no Supremo que lhe garantia o direito de permanecer calado. Até aí, nada de novo. A reação do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), presidente da CPI, também ocorreu dentro do roteiro já esperado nessas horas. Ataídes mostrou-se irritado, indignado e agressivo. Sem medir palavras, disse que a CPI "vai continuar a persegui-lo de perto."


A novidade ficou por conta do senador Cássio Cunha Lima, líder do PSDB. Presente à cena, ele passou um corretivo público no colega. Entre outras afirmações, o líder tucano disse que o presidente da CPI deveria "perseguir os fatos, não as pessoas." Disse ainda que os resultados da investigação "não devem ser construídos com constrangimento." Obrigado a se defender numa situação que poderia evoluir para uma humilhação pública, Ataídes devolveu a crítica. Primeiro, reclamou que o líder tucano não costuma dar as caras com muita frequência nos trabalhos. "Vossa excelência não tem participado da nossa comissão", disse. Ataídes ainda completou a insinuação de que Cunha Lima agira de caso pensado: "Hoje aparece aqui. Acho que o senhor veio para fazer isso."

Aos brados, Cunha Lima rebateu, lembrando, mais uma vez, a importância de se assegurar uma postura civilizada perante os depoentes: "Vossa excelência me respeite. Respeite a mim e respeite quem é investigado." Não adiantou muito. Ao ser lembrado que, entre outras coisas, devia a presidência da CPI à liderança do PSDB -- ou seja, ao próprio Cássio Cunha Lima --, Ataídes retrucou: "Vossa excelência é meu líder lá fora. Não vai determinar o que faço aqui."



O diálogo de ontem, que reproduzo com base numa reportagem de Vandson Lima, do Valor Econômico, tem muito a ensinar sobre bons e maus modos nas CPIs. Não se trata de uma questão de etiqueta.

O desrespeito é uma atitude política, de quem aceita métodos truculentos para fazer avançar seus interesses políticos -- e nós sabemos muito bem até onde se quer chegar com esse tipo de exemplo. A postura de Cunha chama a atenção porque não tem sido comum nos dias atuais, em particular nas audiências onde aliados do governo Dilma prestam depoimento.

O PSDB, o DEM, o PMDB-Cunha e seus aliados têm uma tropa de choque ocupada em usar a liberdade de expressão assegurada aos parlamentares para tentar humilhar, agredir e ameaçar depoentes. Eles não costumam respeitar o habeas corpus obtido no STF e promovem cenas de execração pública de testemunhas que têm o direito consticucional ao silêncio e deveriam ser dispensadas sem muita demora. Assistiram com um sorriso cúmplice a montagem de um circo fascista -- inclusive com ratos -- durante o depoimento de João Vaccari Neto à CPI da Petrobrás. Nenhum abriu a boca para exigir um tratamento digno com a testemunha, atitude que ajuda a dar uma postura de violência e ódio incompatível com os valores democráticos. 

Não é preciso procurar nenhuma motivação oculta para explicar a postura do líder do PSDB ontem, de confrontar um colega de partido que agia de acordo com um manual de mau comportamento típico para a ocasião. Ao pedir um tratamento civilizado diante de uma testemunha, por mais negras que possam ser as suspeitas lançadas contra ela, Cunha Lima agiu corretamente.  

O futuro dirá se foi um gesto específico, num caso particular, ou se envolve uma postura de responsabilidade e respeito pelo Congresso. 

Alguns fatos merecem uma reflexão maior, porém. Alimentada pela Operação Zelotes, da Polícia Federal, a CPI do Carf não está focalizada no PT, alvo político que uma oposição derrotada quatro vezes nas urnas pretende destruir de qualquer maneira. Seu objeto é uma máquina que movimenta 6 bilhões de reais a cada três meses entre grandes empresas com dívidas pesadas junto a Receita, escritórios de consultoria, pagamentos legítimos por serviços prestados e um imenso esquema de suborno, como fica demonstrado, inclusive, por grampos telefônicos explícitos, envolvendo as partes interessadas, onde pode-se ouvir combinações sobre o favor a ser prestado e o preço a ser cobrado.

Se você somar todos os débitos acumulados com a receita, em todos os níveis administrativos, chegará a R$ 2,2 trilhões. O PIB brasileiro, que é a soma de toda a riqueza do país, é de R$ 5,5 trilhões.

Na mesma linha da jurisprudência Cássio Cunha Lima ("respeite a mim e respeite quem é investigado"), você não vai ler aqui os nomes dos casos mais chamativos, já que a investigação não foi concluída. Mas para ter uma idéia, é bom saber que uma multinacional de automóveis havia recebido uma multa de R$ 269 milhões. Após investir R$ 20 milhões numa firma de consultoria, conseguiu um desconto de 99,5%, pagando apenas R$ 900 000. Um dos maiores grupos regionais de comunicação do país livrou-se de uma multa de meio bi com quatro pagamentos que totalizaram R$ 12 milhões. Em dinheiro vivo, sacado na boca do caixa.

  

Do ponto de vista político, a CPI caminha sobre areia movediça, na qual é grande o risco de atirar em quem se vê, acertar quem não se esperava -- e afundar junto. Num país onde grandes empresas privadas -- que têm tem seus "problemas com a Receita" -- também são grandes financiadoras de campanha, todo cuidado é pouco.

Num levantamento precioso, o jurista Heleno Torres, professor da Universidade de São Paulo, demonstra que uma causa bem defendida contra a Receita leva 20 anos para terminar. A etapa no CARF leva oito anos. É importante porque é ali que se julga o mérito das partes, que irá definir quem ganhou, quem perdeu.


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