Janio de Freitas: Um outro consenso

Da Folha
Janio de Freitas
Ter o presidente da Câmara, terceiro na linha de ocupação da Presidência da República, sob processo criminal por extorsão de US$ 5 milhões, seja consumada ou suspeitada, não é para qualquer país que esteja entre as maiores economias do mundo, entre os de maior dimensão, entre os mais populosos e entre os que encabeçam as suas regiões. Reunir todas essas condições é para um só.
Mas, se não serve de consolo ao momento do país único, um fato novo pode ao menos sugerir que a conjugação de lucidez e decência não se tornou impossível, apesar dos erráticos do PSDB.
A OAB e as Confederações da Indústria, dos Transportes e da Saúde tiveram ontem uma iniciativa exemplar. Lançaram sua Carta à Nação, a partir da qual "formam um fórum permanente para apresentação de propostas para que a sociedade civil tenha um papel ativo na construção de um Brasil democrático e próspero".

Com isso, fazem lembrar e parecem retomar um movimento que foi dos mais influentes para demonstrar à ditadura, que estava apodrecida, que não adiantava persistir na estupidez. Foi quando, em 1983/4, uma corrente de empresários, a grande maioria de São Paulo, ou percebeu estar esgotada sua relação com o regime, ou anteviu as possibilidades que, no estágio alcançado por seus empreendimentos, a melhor perspectiva estava no retorno à democracia. Sem fazer opção partidária, mas aliados às ideias e ações pela mudança, solaparam à sua maneira o autoritarismo e o continuísmo. Um belo episódio, à espera, como sempre, de registro histórico.
A Carta faz citações ligeiras das propostas a serem formalizadas, nada muito diferente do que se menciona em vão há décadas –reformas política e tarifária, racionalização do Estado, combate à corrupção, por aí vai. Mas enfatiza a concepção que antecede as propostas de agora e as futuras:
"Independentemente de posições partidárias, a nação não pode parar nem ter sua população e seu setor produtivo prejudicados por disputas ou por dificuldades de condução de um percurso político que recoloque o país no caminho do crescimento". Ao que o presidente da OAB, Marcus Vinicius Coêlho, completou: "Isso é um consenso desse fórum: qualquer saída política para o país não pode descumprir a Constituição".
Se levado adiante, esse fórum tem a percorrer um caminho diferente daquele de seus antecessores. Os contrários à ditadura tinham ao seu lado os meios de comunicação, também cansados. Marca dos dias atuais: às 16h30 de ontem, os sites dos principais jornais não tinham nem a simples notícia da iniciativa de OAB e Confederações, conhecida já de manhã.
O desinteresse poderia ser ocasional. Não fosse o que acabara de se passar com o editorial do "The New York Times", convicto de que "a solução [da crise aqui] não deve ser o enfraquecimento das instituições democráticas que garantem a estabilidade, a credibilidade e o governo honesto". E ainda a defesa rigorosa da própria Dilma: "Não há delito que justifique o impeachment de Dilma", como "não há evidências de que qualquer outro no poder faria trabalho melhor na economia". Na imprensa, quem não sonegou a notícia e o teor do editorial, foi discreto.

Comentários