Fernando Brito: Um pacto de conveniências?

10 de agosto de 2015 | 06:56 Autor: Fernando Brito
xadrez
Não me arrisco, por falta de informações próprias, a cravar se é verdadeira ou não a ideia de que a Globo, à frente da mídia e da nata do empresariado nacional, possa ter sinalizado um pacto pela sobrevivência do Governo Dilma.
Mas acredito, ao contrário de outras visões expostas aqui,  na solidez das informações que se veiculam de que, sim, se teriam, ao menos, feito sinais de que poderia arrefecer a “onda” do “derrubem a Dilma” assumida, há muito tempo, pelo, como chamava Brizola, “Comando Marrom” da mídia brasileira.
Daí, como manda o bom raciocínio sobre as duas possibilidades da história do chinês, temos uma primeira pergunta: acontecerá ou não o controle da crise?

Essa é a primeira questão a se esclarecer e, talvez, a mais difícil de ser colocada em prática, de ambos os lados.
Como quem açula cães e depois terá dificuldades para contê-los, o comando empresarial da mídia vem há tempos gritando à sua matilha: “isca, pega, mata”, e transformando-a em panzerdivisionen de sua ofensiva para retomar o controle integral do que considera parte de seu lebensraun, seu espaço vital: o governo do país.
Lembremo-nos sempre que o pacto colonial tem um fundamento econômico, essencialmente, do qual o controle político da colônia é parte. E que este controle tanto se pode fazer com quem a ele tenha submissão mental, pela cooptação à ideologia colonial ou por quem lhe tenha medo reverencial.
Algum medo, aliás, sempre se tem. Mesmo quando se possui muito mais condições de enfrentar os grandes da feitoria.
O próprio Lula, quando chegou ao Governo, na crista da rejeição do povo brasileiro ao fracasso neoliberal, um dos seus primeiros gestos foi o de oferecer à Globo sinais de que não estava disposto a se servir de seu momento especialmente difícil – o grupo estava tecnicamente quebrado, em default – indicando um interlocutor do qual não se podia acreditar que lhe viesse confronto, como foi o primeiro Ministro das Comunicações, Miro Teixeira.
E só um tolo não dá valor ao que, à custa de “acordos de leniência”, o  país e o povo ganharam em seus mandatos, embora à custa de feridas, baixas e arrefecimento de vontades.
Feita a digressão, vote-se à pergunta. A mídia pode mudar de atitude, o quanto pode e o quanto isso surtirá efeito?
Sim, pode, mas não talvez com a rapidez e a explicitude que a crise política talvez já esteja a exigir.
Como diz a Veja ao se desculpar à ombudsman da Folha sobre o  extrato bancário falso de Romário – assunto de um próximo post –  ela criou pernas e teima em andar sozinha.
Moderar-se, a esta altura, e algo difícil, pois de tal maneira insuflou-se ódio que, agora, a retomada de um clima de convivência não é simples.
Envolve elementos sobre os quais se tem controle ideológico, mas não controle político, uma lista deles: o Judiciário – especificamente Moro e o STF – o Ministério Público, a Polícia Federal, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, os ministros do Tribunal de Contas, e por aí vai…
Um deles, porém, é mais difícil ainda: o segmento de opinião pública que assumiu a intolerância, o horror à política, o udenismo babujante e o desejo de sangue como o arroz e feijão de seu dia a dia.
O Governo Dilma, por sua vez, terá dificuldades em entregar mais que já entregou, porque os seus movimentos foram barrados pela completa falta de comando da política.
O próprio ajuste fiscal só encontrou espaço para avançar na redução da ação e dos investimentos do Estado e nas distorções de políticas trabalhistas e previdenciárias, devidamente “compensados” pelas “bondades” providenciadas pelo Congresso.
Em matéria de impostos, zero.
Restam situações onde os recuos são complicados e simbólicos demais, embora possíveis sem estardalhaço, como é na Petrobras.
Estamos, assim, metidos num complicado jogo de xadrez, onde os movimentos das peças são limitados e  complicados.
É difícil que não se esteja assistindo a Dama a proteger o Rei, que não pode se mover senão uma casa por vez. Mas a Dama tem sua própria liberdade de movimentos errática e erroneamente aproveitadas. Ainda assim, jogador algum daria de ombros à possibilidade de que tombasse a Rainha e se deixasse a peça sem a qual não há mais jogo dependendo apenas de movimentos heróicos e e isolados.
É de lembrar que Lula é odiado pela elite financeira deste país muito mais como “pessoa física” do povão  do que como “pessoa jurídica” que não lhe é, de forma alguma, mortal no curto prazo, embora a ideia de que o povo possa estar na mente dos governantes seja intolerável a essa gente.
E a presença do povo em Lula passa do político, é atávica, intrínseca.
Há fatores demais em jogo  – e bispos e cavalos em polvorosa- para que se possa assegurar a estabilidade do tabuleiro e o próprio acordo de cavalheiros entre os contendores, até porque há que administrar um PSDB que, tal como a UDN em outras épocas, já saboreava (e o gosto segue-lhe à boca) o poder sem voto.
Assistiremos, porque aos peões pouca reação nos é possível no quadro de desmobilização que se instalou na esquerda após as eleições, os próximos movimentos.
Desinflar o dia 16 é o primeiro passo – o mais fácil – para o conservadorismo, mas que trará uivos de dor, após o PSDB ter assinado ao lado de coisas como os “Revoltados Online” a sua convocação.
Os mais difíceis virão, porque vai se tratar do “quem vai morrer” judicial e político e do quanto estejam dispostos a morrer em silêncio.
Collor, Dirceu, e a “compensação”, talvez, de Eduardo Cunha – este com as bênçãos de Renan Calheiros – e outros personagens estão aí para isso.
Por isso, antes de discutir se há ou não tal pacto, é melhor que vejamos se lhe sucedem os atos correspondentes e, sobretudo, quanto estes ainda podem ser eficazes.
E podem funcionar , porque manter as situações institucionalmente normais é sempre mais fácil que rompê-las, o que só se faz com barulho e agitação. As grandes bocas, devidamente amamentadas, podem e talvez queiram sossegar. As pequenas, excluídas, farão sua algazarra.
Toda a questão resume-se a uma paradoxal e triste equação: sobreviver por sua própria fraqueza, à espera do tempo e não a tecê-lo.

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