Fernando Brito: Ajuste que nasce torto, nunca se endireita

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O ministro Joaquim Levy não é um incapaz, muito menos parece ser uma pessoa de fraco caráter, ao contrário.
Mas é, e veio para o Governo por isso, um homem cuja mentalidade econômica é a do convencionalismo.

“Ajuste”, para ele, é essencialmente corte na despesa, não criação de receita.
E corte nas despesas é absolutamente necessário, de fato.

Sozinho, porém, é veneno em lugar de remédio, porque não apenas o que se ode cortar sem colapso são algumas gotas d’água no oceano como, sobretudo, porque repercute fortemente no consumo, na atividade econômica e na retração dos investimentos privados.


Agora, premido pela queda da arrecadação que já seria de esperar, com a paralisia de grandes projetos provocada pelo tufão “Lava Jato” nas maiores empresas brasileiras, volta-se à ideia de restabelecer a CPMF, que é positiva, num momento de completa incapacidade política de fazê-lo, o que é extremamente negativo.

Na esteira da vitória eleitoral, o restabelecimento da CPMF em novas bases, com uma isenção no piso de incidência – que deixasse fora dela a movimentação, por exemplo, abaixo de 10 salários-mínimos, das contas-salário, das cadernetas de poupança, das operações de compra e venda de imóveis já gravadas pelo ITBI e outras – teria sido viável.

Não o é dentro de um quadro de fraqueza política e econômica, a primeira visível a todos e mal-remendada com as complicações de Eduardo Cunha e a segunda expressa nos números do PIB revelados hoje.

Mas não foi feita quando era apenas difícil e quase certamente não será mais feita agora, quando é virtualmente impossível, porque estabeleceu-se a ideia de que as empresas e os mais ricos não têm condições de suportar cota alguma nos sacrifícios que se pede ao povo.

E será verdade?

O resultado dos lucros das 341 maiores companhias abertas (com ações em bolsa) no Brasil aumentou em 15% no segundo trimestre de 2015. Separadamente, a elevação dos lucros dos bancos foi de 43% no mesmo período.

Desprezou-se, no início do “ajuste” a clara e simples verdade enunciada por Pepe Mujica, ontem, em sua palestra:
— Que pague mais aquele que tem mais.
Mas, para os que têm mais, a conta é a seguinte: se o governo não tem superávit e precisa endividar-se para cobrir o déficit, é “justo” que eu lhe cobre mais em juros.

A conta do ajuste, por isso, não fecha, porque as despesas financeiras do Estado brasileiro, representadas pela dívida pública, não cessam de crescer em volume e em custo, pela elevação dos juros.

Que só nas “cabeças de planilha” representam aqui a causa da inflação.

A crise mundial não exatamente nos destrói, mas certamente nos impede uma recuperação no horizonte visível, porque o fetiche do dólar baixo debilitou a capacidade industrial e a queda do preço  das commodities tenha anulado parte dos ganhos com a exportação de nossos produtos primários.

(a ver, aliás, o que significa a alta, hoje, de mais de 10% dos preços do petróleo, se apenas um ajuste em quem acreditou nas profecias de que ele cairia a uma bagatela)

Não se considerou, também, que o principal objetivo político de uma direita tresloucada, ansiosa por ver cair-lhe no colo o poder que pelas urnas não lhe vem há uma década e meia não exclui a chacina da economia.

Não é a crise brasileira que não será superada com raciocínios convencionais, “dentro da caixa”.

Lugar onde, certamente, está o pensamento de Joaquim Levy, que começa a sentir que lhe falta o apoio conservador que era, afinal, seu principal capital, o que justificava sua exótica presença num governo eleito para ser transformador, não para aplicar a receita conservadora.

Se Guido Mantega saiu da condição de mais longevo Ministro da Fazenda brasileiro por ter hesitado em aplicar alguma dose do remédio de contenção dos ortodoxos, Levy já sente formar-se uma instabilidade capaz de fazê-lo breve – como quase sempre foram os Ministros da Fazenda conservadores – por ter o Governo sido levado a uma situação em que a ortodoxia não é capaz de resolver.

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