É realmente muito simples: A velha ordem mundial foi a óbito
26/7/2015, Dmitry Leikin,(*) Blog Club Orlov
Tradução Vila Vudu
Há momentos em que um grito alto de “O imperador está nu!” pode ser muito satisfatório. Assim sendo, permitam-me destacar detalhe bem simples, mas importante.
Há momentos em que um grito alto de “O imperador está nu!” pode ser muito satisfatório. Assim sendo, permitam-me destacar detalhe bem simples, mas importante.
A velha ordem mundial, à qual nos acostumamos ao longo dos anos 1990s e 2000s, suas crises e seus problemas detalhados em inúmeros artigos de autoridades comprovadas dos dois lados – it is no more, já era. Não é que esteja em licença-hospital, nem saiu em férias. Faleceu. Foi-se, bateu as botas, foi encontrar o Criador, partiu dessa para melhor, foi a óbito, entrou na sala com os pés à frente, deu-p’rá ela. Virou “ordem ex-mundial”.
Se rebobinamos a fita para o início dos anos 1980s, lembramos facilmente como a URSS ainda mandava em metade da Europa e exercia grande influência sobre fatia considerável do mundo. A revolução socialista mundial ainda eclodia aqui e ali, com governos pró-sovietes chegando ao poder em diferentes partes do mundo, o coro dos pronunciamentos oficiais daqueles governantes soando mais ou menos em uníssono. Governantes iam em peregrinação até Moscou, como se fosse Meca, e mandavam para lá os jovens mais promissores para aprenderem a fazer as coisas à maneira soviética. A tecnologia soviética continuou a obter avanços impressionantes: em meados dos anos 1980s, os soviéticos puseram em órbita um milagre de tecnologia – a estação espacial Mir, e as sondas espaciais Vega eram lançadas para estudar Vênus.
Mas simultaneamente, todas as regras e princípios segundo os quais operava a metade “vermelha” do mundo estavam em adiantado estado de putrefação, e outro sistema completamente diferente estava começando a emergir simultaneamente no centro e pela periferia. Sete anos depois, a URSS foi desconstituída, e a ordem mundial mudou, mas muita gente simplesmente não conseguiu acreditar na realidade dessa mudança. No início dos anos 1990s muitos cientistas políticos afirmavam com toda a segurança que o que estava acontecendo era a concretização de um esperto plano do Kremlin para modernizar o sistema soviético e que, depois de rápida reformatação, ele voltaria a ganhar o mundo. As pessoas gostam de falar sobre o que acham que compreendiam, não importa se ainda existe ou não.
E o que vemos hoje? O reino que se autoidentifica como “O Ocidente” ainda acredita que continue a liderar economicamente, tecnologicamente e a ser militarmente dominante; mas sofreu uma derrota moral; e estritamente como consequência dessa derrota moral, sofreu também profunda derrota ideológica.
É simples.
1. Como podem falar da inviolabilidade da propriedade privada, ao mesmo tempo em que confiscam depósitos de correntistas em bancos cipriotas?
2. Como podem falar de salvaguardar o território dos países, ao mesmo tempo em que vão destruindo a Iugoslávia, o Iraque, a Líbia, a Síria e a Ucrânia [e o Iêmen]?
3. Como podem falar de livre empresa e assinar contratos para construir navios, mas recusar-se a entregar a encomenda aos compradores por causa da pressão de Washington, como fizeram com os navios Mistral que a Rússia encomendou à França?
4. Como podem falar de democracia, e depois ameaçar descaradamente o primeiro-ministro grego – e bem no berço da democracia europeia – forçando-o a ignorar os não lucrativos resultados do referendum nacional grego?
5. Como podem falar de combater o racismo, ao mesmo tempo em que, nos EUA, todos os dias eles matam a tiros quantidades escandalosas de negros desarmados, e sempre proibindo que se pronuncie a palavra “negros”?
6. Como podem acusar os sérvios de genocídio, ao mesmo tempo em que se recusam a reconhecer o que fizeram no supostamente “independente” Kosovo, que foi convertido em enclave europeu dedicado ao crime, especializado na produção e distribuição de narcóticos?
7. Como podem dizer que se opõem ao extremismo e terrorismo, ao mesmo tempo em que treinam, armam e financiam o ISIS e os neonazistas ucranianos?
8. Como podem falar de justiça, ao mesmo tempo em que os EUA mantêm a maior população encarcerada de toda a história do mundo, e vivem a executar pessoas que, adiante, se comprova que eram inocentes?
9. Como podem falar de liberdade religiosa, depois que o governo federal dos EUA exterminou os crentes do Ramo Davidiano em Waco, Texas, e depois encarcerou os sobreviventes, mesmo depois de se saber que as acusações que o governo fizera contra a seita sempre foram comprovadamente falsas?
10. Como podem acusar outros de corrupção, depois do colossal escândalo financeiro de 2008, ao final do qual bolhas financeiras que estavam claramente a ponto de explodir foram classificadas no ponto de honra dos ‘rankings‘ de ‘avaliação de crédito’?
O que aconteceu é o pior de quanto poderia ter acontecido: aí, bem à vista do mundo inteiro, os ditos “valores ocidentais” foram desmascarados, provado e comprovado que são vazios e nulos.
Se você está pensando que esses não passam de exemplos específicos de dificuldades ou erros que podem vir a ser superados em algum futuro pálido, nebuloso, você está errado: isso aí são TODOS os “valores ocidentais” que vale a pena relembrar, e TODOS esses já foram desmentidos e invalidados. Resta algum “valor ocidental” deixado intacto? Ah, sim, há, só um: o direito ao sexo, das minorias sexuais. Problema é que é impossível manter toda a civilização ocidental apoiada exclusivamente no casamento gay.
Haveria alguma surpresa em o resto do mundo tentar afastar-se o mais possível desse “ocidente” da bancarrota moral, e o mais rapidamente possível?! A China trabalha para desenvolver seu próprio modelo, a Rússia luta para alcançar a autossuficiência e a independência das importações e das finanças do ocidente. E até a América Latina, que um dia foi considerada “o quintal” dos EUA, já caminha por vias cada vez mais autônomas.
As fileiras de tolos que ainda caem no conto do “Ocidente” estão encolhendo, e as fileiras de rebeldes só aumentam. Há Edward Snowden, noticiador de verdades, que teve de fugir para Moscou para escapar da perseguição em seu próprio país. Há a Comissão de deputados europeus que recentemente fizeram valer o próprio cargo e foram visitar a Crimeia. Há militares franceses e alemães que se apresentaram como voluntários e lutam para defender o leste da Ucrânia contra o ataque do “ocidente”. Há muitos empresários europeus que vieram ao Fórum Econômico Internacional em São Petersburgo, para assinar acordos comerciais com a Rússia – e pouco importa o que os políticos de seus países pensem deles e do que fizeram.
Por outro lado, a nova ordem mundial que está em rápida emergência, deixou-se ver muito claramente em Ufá, capital da República do Bascortostão, de população majoritariamente muçulmana, no sul dos Urais, da Federação Russa. Líderes de países onde vive mais da metade da população do planeta lá estiveram, para fazer negócios, assinar contratos, integrar suas economias, coordenar arranjos para a segurança comum. Índia e Paquistão superaram as diferenças e entraram na sala lado a lado, logo na sequência, entrou o Irã. “O Ocidente” não apareceu por lá, nem em pessoa nem representado.
Agora que todos os valores ocidentais (exceto a importância do sexo das minorias) já foram desmascarados como exercícios cínicos de hipocrisia, não há como voltar atrás.
Vejam, é questão de reputação, e reputação só se perde exatamente uma vez. Há um caminho à frente, mas é muito assustador. Há a total perda de controle: as instituições ocidentais já não podem controlar a situação em grandes porções do mundo, inclusive, é claro, no seu próprio território “ocidental”. Há a descrença na narrativa “ocidental”: pontificantes ocidentais, especialistas, ‘professores de pensamento’ logo verão que seus itens de discussão ‘para o público’ foram descartados para longe e serão reduzidos ou a resmungos apologéticos ou a longos, embaraçosos silêncios. Por fim, há a perda da identidade: já não é possível, para o cidadão não delirante, identificar-se com algo (o dito “O Ocidente”) que não existe mais.
Mas o mais assustador é o seguinte: por trás de uma civilização moralmente fracassada, em bancarrota moral, há gente moralmente falida, também em bancarrota moral – são muitos, é muita gente. Os filhos dessa gente, que terão de ganhar a vida ainda nesse mundo “ocidental” – seja o mundo que for – também desrespeitarão, exatamente como os pais e mães deles desrespeitaram e ensinaram a desrespeitar os próprios tão alardeados valores civilizacionais. *****
* NOTA DO AUTOR: “Estou soltando esse artigo com dois dias de antecedência porqueZeroHedge, não sei como, passou a mão no meu arquivo e publicou antes de mim. Nem preciso dizer que não gostei. Não gostei mesmo. Os créditos desse artigo devem ser dados a Dmitry Leikin, cujo breve postado em post at d3.ru (em russo) serviu de fonte e inspiração para essa peça. Doravante, se alguém quiser repostar postados desse blog, não tem autorização para fazê-lo. Mas todos podem publicar traduções dos meus escritos. [Do autor, em msg de e-mail].
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