A “cambalhota” da Folha: juro baixo do BNDES é a fonte dos juros altos da economia?

9 de agosto de 2015 | 09:24 Autor: Fernando Brito
bndes
A reportagem de capa da Folha sobre o “custo” dos empréstimos do BNDES não é uma “pedalada fiscal”, mas é certamente uma “cambalhota financeira”.
Primeiro, porque apresenta uma informação de que eles consumirão 184 bilhões de reais.
Só lá dentro da matéria diz-se que isso vai acontecer  ao longo das ” próximas décadas” e, à frente, lê-se que seriam 40 anos.
Vejam que maravilha! Posso dizer, então, que aquele pobre coitado que tem um  emprego de salário mínimo, ganhará, neste mesmo período, cerca de meio milhão de reais,  e sem considerar as correções…

Bem, tirando esta “cambalhota”, é fato que os empréstimos do BNDES são, de fato, subsidiados pelo Tesouro e, se não o fossem, a política suicida de juros públicos que se pratica no Brasil impediria que se fizesse aqui uma usina, uma fábrica de grande porte, estradas, portos, aeroportos. A rigor, não se faria nada estruturante.
Isso foi, qualquer um sabe, a origem do financiamento de grandes obras estruturais, desde que Vargas pretendeu criar a siderurgia nacional, com a CSN, em Volta Redonda. Aliás, nas negociações com os norte-americanos – havia forte resistência da indústria do aço para que se fizesse siderurgia moderna em grande escala no Brasil – foi que surgiu o antigo BNDS, na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.
O BNDES não é uma criação comunista”, “bolivariana”. É capitalista. E dá “lucro” ao seu “dono”, o Estado brasileiro, algo em torno de R$ 9 bilhões ao ano.
Quase toda a grande indústria – estatal e privada – no Brasil, em algum momento, dependeu dos créditos de longo prazo, mais barato, do BNDES para se desenvolver.
Também não se diz que aquilo que está elevando este custo – a diferença entre a Taxa de Juros de Longo Prazo e a Taxa Selic, com a qual o Governo capta recursos – é exatamente a política de elevação de juros que o mercado exige, com a faca de ponta da imprensa. É obvio que se a Selic flutua para cima – e muito – aumenta o “gap” para os juros fixos de um contrato e, logo, o valor daquela diferença.
Lá, se diz que não é verdadeiro que o dinheiro do BNDES não é essencial porque ” financia investimentos, cria empregos e fomenta a produção”, porque, se não houvesse, seria substituído por financiamento privado, em razão do capital disponível pela não aquisição de títulos públicos.
“Os bancos, fundos de investimento ou poupadores que compravam títulos públicos agora precisam buscar outros destinos para esses R$ 10 milhões que não os cofres do governo (…) Afinal, ninguém quer deixar o dinheiro parado. Assim, esses recursos chegam às mãos da padaria que estava com dificuldades para conseguir empréstimo e do cidadão que buscava financiamento para comprar sua máquina de lavar”.
Pausa para gargalhar.
Teria o ilustre “analista” aí apenas uns três ou quatro exemplos de investimento de longo prazo financiado pelo Itaú ou pelo Bradesco,  a não ser aqueles do crédito direcionado, de aplicação compulsória? Será que não tem ideia de que, para obter crédito a taxas que viabilizem investimentos pesados, sem o BNDES, só há dinheiro no mercado de crédito internacional – onde as taxas são até menores, algumas vezes, que a do Banco, mas que embutem riscos cambiais e, por consequência, custos pesados com a formação de “hedge” (proteção de câmbio)?
Dois terços dos desembolsos do BNDES em empréstimos vão para infraestrutura e para a indústria.
Quando o capital privado se retraiu com a crise de 2008/2009, indo para o porto seguro – e nem tanto – do dólar, foi o BNDES que conseguiu manter a expansão da economia do país, e só por isso precisou de aportes significativos do Tesouro, porque não havia recursos privados.
Pior ainda é a conclusão de “cabo de esquadra” de que “por causa do BNDES, o dinheiro que financiaria a compra da máquina de lavar pelo cidadão e a reforma da padaria é emprestado ao governo, que o repassa ao BNDES, que empresta a quem tem a sorte de ter acesso ao crédito subsidiado”.
Aí já é o caso de riso convulso.
Então os bancos, só por causa disso,  preferem emprestar ao Tesouro a 15% ao ano que ao dono da padaria a 60%? Prefere 15% aos 120, 130% da máquina de lavar, para o infeliz que depende de um crediário?
Chega a ser doloroso que se faça escândalo sobre estes RS$ 184 bilhões de reais em 40 anos quando, nos sete primeiros meses do ano, o Brasil já pagou mais de R$ 260 bilhões de juros, segundo o “Jurômetro” da insuspeita Fiesp.
Subsidiar o desenvolvimento da infraestrutura, da indústria, do emprego, da produção é um desperdício. Bom mesmo é subsidiar o capital financeiro.
Qie, aliás, vai sendo subsidiado muito bem, obrigado.

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