A América Latina em sua hora decisiva
Os meios de comunicação estão se comportando como uma arma de guerra. É no campo comunicacional que se trava uma das batalhas decisivas
Carta Maior - 28/08/2015
Ricardo Arturo Salgado Bonilla* - Em seu blog, no portal TeleSur
Casos claros de que os eventos que estamos vendo na Venezuela, no Equador, no Brasil, em El Salvador e, em outro sentido, na Guatemala e Honduras – países que, estando controlados pela direita mais conservadora, estão sendo utilizados para gerar a impressão coletiva de que a luta contra a corrupção é a chave para a felicidade. Essa imagem está mais oculta, mas presente nos países mencionados, onde grupos sociais descarregam sua ira irracional contra os governos progressistas sem se importar com o que conquistaram e o que podem perder.
Os meios de comunicação estão se comportando como uma arma de guerra, em nome da liberdade de expressão, um valor transformado, hoje em dia, numa camisa de força que impede a livre expressão dos povos. É no campo comunicacional que se trava uma das batalhas decisivas, pois é daí que surge, unidirecionalmente, as ideias que prevalecem nos movimentos lançados contra a esquerda continental. Parece mentira, mas até mesmo alguns grupos revolucionários caem ingenuamente nos discursos elaborados pelas forças de direita.
Na Venezuela, a guerra contrarrevolucionaria já dura alguns anos, e vem escalando dramaticamente durante 2015. Nenhum país latino-americano, a exceção de Cuba, avançou tanto em suas políticas sociais, e nenhum povo deste continente tem as vantagens que o povo venezuelano tem hoje. Dezesseis anos de revolução permitiram criar uma estrutura social que tem este país. Entretanto, muita coisa ainda está em jogo, especialmente em termos ideológicos, uma disputa na qual o inimigo da revolução insiste em enfocar o consumismo desenfrenado de toda a sociedade, auxiliando o discurso que abre caminho à agressão econômica, que hoje, sem nenhuma dúvida, está sendo imposta a este país sul-americano.
A escassez planejada pelos grupos de interesse, a falta de rendimento produtivo, a gigantesca e desproporcionada agressão no setor cambiário e a necessidade governamental de manter sua política social, são uma combinação explosiva, que o governo bolivariano não parece controlar ainda. O fato é que a imagem da revolução é questionada hoje até mesmo por setores sociais outrora simpáticos, que parecem não ter mais a claridade necessária para entender o que está em jogo e tudo o que se pode perder. Seria catastrófico para todo o continente, e especialmente para o povo de Bolívar, um retrocesso político neste momento, que terminaria em imposições, a guinada a um neoliberalismo mil vezes mais danoso que aquele que levou a sociedade às crises sociais em Caracas no início dos Anos 90.
No Equador, a manipulação de alguns grupos se disfarça de descontentamento e desacordo, agressão que tem claramente uma forte inclinação a uma saída violenta. Essa atitude de cidadãos “cegados” pela ira contra o governo, e as expressões violentas que se multiplicam por momentos, são uma mostra da incapacidade da direita para apresentar a imagem de instabilidade e crise, que é imprescindível para ativar os mecanismos capazes de derrubar o governo e destruir todas as conquistas alcançadas até agora. Embora exista uma tendência a chamá-los de “golpes brancos”, não parece que, tanto na Venezuela quanto no Equador, a direita possa – e tampouco pensa em – avançar sem utilizar a violência como recurso – pelo contrário, é algo ao que provavelmente jamais renunciará.
Na Guatemala, a prisão da ex-vice-presidenta, e a solicitação de um juízo político para permitir a prisão do presidente Otto Pérez Molina, a duas semanas do processo eleitoral, nos apresenta uma realidade crua: o sistema neoliberal e a classe dominante chegaram a um consenso com a direita internacional, para uma mudança política aparente, que levará algumas figuras a serem “sacrificadas”, enquanto outras terão suas culpas relativizadas. Um triunfo do status quo, que evidencia essa suposta limpeza típica das cruzadas contra a corrupção, e que termina por definir a política como o mal que destrói as sociedades. Uma grande mobilização social, com um público furioso, morrendo de vontade de ver alguns personagens presos, enquanto perdem de vista os grandes problemas, e no final não são capazes de transformar nada.
Em Honduras a situação é um pouco mais complicada, por diversos fatores. O governo de Juan Orlando Hernández, o mais troglodita dos mandatários de direita do continente, enfiou o país num terrível estado de calamidade. Nada é mais cômodo para os donos do poder do que os protestos que partem de grupos de indignados despolitizados e incoerentes, sem vocação social alguma. Está claro que a ideia é implantar um novo ator político no imaginário coletivo, capaz de substituir a resistência popular, destruir a Frente Nacional de Resistência Popular e o Partido LIBRE, além de impor como verdade histórica a versão caricaturesca do golpe de Estado de 2009.
Não seria estranho uma intensificação da campanha de desprestigio e perseguição política contra aqueles que participam do projeto constituinte, especialmente aqueles que apoiaram a ideia da consulta popular, em 2009.
Agora, os meios corporativos começaram a repercutir com força o chamado “ultimato” dos indignados contra o governo de Juan Orlando Hernández, lhe deram três semanas para que cumpra com as suas demandas. Essa é uma ação aventureira, reflexo da falta absoluta de sentido de limite e que não terá o menor efeito favorável ao povo hondurenho. Contudo, as consequências negativas poderiam ser incalculáveis: o governo atual está desenhado para ser absolutamente repressivo, possui o aparato legal necessário para fazer muitos estragos, assim como os grupos paramilitares, essa é uma realidade que não se pode ignorar.
É importante se peguntar: por que nem na Guatemala nem em Honduras, com as estruturas repressivas mais ferozes do continente, não houve repressão às marchas dos indignados? Será porque, agora, somos mais civilizados? Por que o governo norte-americano reconheceu imediatamente os movimentos antigovernamentais, algo que jamais havia feito em sua história?
As características da turbulência social nesses países mantém o mesmo padrão, tão idêntico que custa acreditar que seja mera casualidade. A manipulação das massas, a explosão das emoções, a distorção da realidade, o distanciamento da política, a satanização da ideologia, a ação intensiva de ONG e grupos religiosos, tudo é tão consistente que a tese do efeito dominó se torna absolutamente questionável.
Honduras e Guatemala estão sendo utilizadas como “exemplo” que se invocará para justificar e legitimar as ações que se propagarão pelos demais países da região a curto prazo. Isso já é, em si mesmo, um desafio para todos. É preciso entender que agora não só buscam destruir os nossos processos revolucionários, mas também impor projetos inócuos, com uma nova história, com novos heróis, e nos preparam para os horrores desse neoliberalismo que hoje é mais feroz e audaz que nunca.
* Ricardo Arturo Salgado Bonilla é licenciado em Matemática pela Universidade Autônoma de Honduras e pós-graduado em Sociologia pela Universidade de Berlim. Membro da Frente Nacional de Resistência Popular. Secretário de Relações Internacionais do Partido Liberdade e Refundação (LIBRE).
Tradução: Victor Farinelli
Os países latino-americanos vivem hoje um momento que definirá sua história nos próximos 50 anos, pelo menos. A continuidade dos processos de liberação nacional, a construção de sociedades mais livres e países mais soberanos, dependerá, em grande medida, destes últimos quatro meses de 2015. Não se trata de una premonição, mas sim das posições que serão tomadas em virtude das agressões da direita continental – e não há dúvida de que elas são dirigidas desde centros de inteligência públicos e privados do império, e embora muitos critiquem a utilização desta palavra, não é possível deixá-la de lado enquanto o inimigo da humanidade seja sempre o mesmo, e tenha sempre a mesma predisposição contra nós.
É mais que evidente que chegamos a um ponto onde os processos de integração se encontram francamente numa defensiva, e o que é pior, sem uma resposta continental orgânica contra as agressões, que incluem uma monstruosa guerra psicológica de última geração, através das grandes máquinas propagandísticas da direita, que manipulam amplos setores das nossas sociedades. Os meios de comunicação impõem uma agenda de saturação, que leva a opinião pública a se identificar com fatos isolados, sem deixá-las passar à etapa dos acontecimentos.
É mais que evidente que chegamos a um ponto onde os processos de integração se encontram francamente numa defensiva, e o que é pior, sem uma resposta continental orgânica contra as agressões, que incluem uma monstruosa guerra psicológica de última geração, através das grandes máquinas propagandísticas da direita, que manipulam amplos setores das nossas sociedades. Os meios de comunicação impõem uma agenda de saturação, que leva a opinião pública a se identificar com fatos isolados, sem deixá-las passar à etapa dos acontecimentos.
Casos claros de que os eventos que estamos vendo na Venezuela, no Equador, no Brasil, em El Salvador e, em outro sentido, na Guatemala e Honduras – países que, estando controlados pela direita mais conservadora, estão sendo utilizados para gerar a impressão coletiva de que a luta contra a corrupção é a chave para a felicidade. Essa imagem está mais oculta, mas presente nos países mencionados, onde grupos sociais descarregam sua ira irracional contra os governos progressistas sem se importar com o que conquistaram e o que podem perder.
Os meios de comunicação estão se comportando como uma arma de guerra, em nome da liberdade de expressão, um valor transformado, hoje em dia, numa camisa de força que impede a livre expressão dos povos. É no campo comunicacional que se trava uma das batalhas decisivas, pois é daí que surge, unidirecionalmente, as ideias que prevalecem nos movimentos lançados contra a esquerda continental. Parece mentira, mas até mesmo alguns grupos revolucionários caem ingenuamente nos discursos elaborados pelas forças de direita.
Na Venezuela, a guerra contrarrevolucionaria já dura alguns anos, e vem escalando dramaticamente durante 2015. Nenhum país latino-americano, a exceção de Cuba, avançou tanto em suas políticas sociais, e nenhum povo deste continente tem as vantagens que o povo venezuelano tem hoje. Dezesseis anos de revolução permitiram criar uma estrutura social que tem este país. Entretanto, muita coisa ainda está em jogo, especialmente em termos ideológicos, uma disputa na qual o inimigo da revolução insiste em enfocar o consumismo desenfrenado de toda a sociedade, auxiliando o discurso que abre caminho à agressão econômica, que hoje, sem nenhuma dúvida, está sendo imposta a este país sul-americano.
A escassez planejada pelos grupos de interesse, a falta de rendimento produtivo, a gigantesca e desproporcionada agressão no setor cambiário e a necessidade governamental de manter sua política social, são uma combinação explosiva, que o governo bolivariano não parece controlar ainda. O fato é que a imagem da revolução é questionada hoje até mesmo por setores sociais outrora simpáticos, que parecem não ter mais a claridade necessária para entender o que está em jogo e tudo o que se pode perder. Seria catastrófico para todo o continente, e especialmente para o povo de Bolívar, um retrocesso político neste momento, que terminaria em imposições, a guinada a um neoliberalismo mil vezes mais danoso que aquele que levou a sociedade às crises sociais em Caracas no início dos Anos 90.
No Equador, a manipulação de alguns grupos se disfarça de descontentamento e desacordo, agressão que tem claramente uma forte inclinação a uma saída violenta. Essa atitude de cidadãos “cegados” pela ira contra o governo, e as expressões violentas que se multiplicam por momentos, são uma mostra da incapacidade da direita para apresentar a imagem de instabilidade e crise, que é imprescindível para ativar os mecanismos capazes de derrubar o governo e destruir todas as conquistas alcançadas até agora. Embora exista uma tendência a chamá-los de “golpes brancos”, não parece que, tanto na Venezuela quanto no Equador, a direita possa – e tampouco pensa em – avançar sem utilizar a violência como recurso – pelo contrário, é algo ao que provavelmente jamais renunciará.
Na Guatemala, a prisão da ex-vice-presidenta, e a solicitação de um juízo político para permitir a prisão do presidente Otto Pérez Molina, a duas semanas do processo eleitoral, nos apresenta uma realidade crua: o sistema neoliberal e a classe dominante chegaram a um consenso com a direita internacional, para uma mudança política aparente, que levará algumas figuras a serem “sacrificadas”, enquanto outras terão suas culpas relativizadas. Um triunfo do status quo, que evidencia essa suposta limpeza típica das cruzadas contra a corrupção, e que termina por definir a política como o mal que destrói as sociedades. Uma grande mobilização social, com um público furioso, morrendo de vontade de ver alguns personagens presos, enquanto perdem de vista os grandes problemas, e no final não são capazes de transformar nada.
Em Honduras a situação é um pouco mais complicada, por diversos fatores. O governo de Juan Orlando Hernández, o mais troglodita dos mandatários de direita do continente, enfiou o país num terrível estado de calamidade. Nada é mais cômodo para os donos do poder do que os protestos que partem de grupos de indignados despolitizados e incoerentes, sem vocação social alguma. Está claro que a ideia é implantar um novo ator político no imaginário coletivo, capaz de substituir a resistência popular, destruir a Frente Nacional de Resistência Popular e o Partido LIBRE, além de impor como verdade histórica a versão caricaturesca do golpe de Estado de 2009.
Não seria estranho uma intensificação da campanha de desprestigio e perseguição política contra aqueles que participam do projeto constituinte, especialmente aqueles que apoiaram a ideia da consulta popular, em 2009.
Agora, os meios corporativos começaram a repercutir com força o chamado “ultimato” dos indignados contra o governo de Juan Orlando Hernández, lhe deram três semanas para que cumpra com as suas demandas. Essa é uma ação aventureira, reflexo da falta absoluta de sentido de limite e que não terá o menor efeito favorável ao povo hondurenho. Contudo, as consequências negativas poderiam ser incalculáveis: o governo atual está desenhado para ser absolutamente repressivo, possui o aparato legal necessário para fazer muitos estragos, assim como os grupos paramilitares, essa é uma realidade que não se pode ignorar.
É importante se peguntar: por que nem na Guatemala nem em Honduras, com as estruturas repressivas mais ferozes do continente, não houve repressão às marchas dos indignados? Será porque, agora, somos mais civilizados? Por que o governo norte-americano reconheceu imediatamente os movimentos antigovernamentais, algo que jamais havia feito em sua história?
As características da turbulência social nesses países mantém o mesmo padrão, tão idêntico que custa acreditar que seja mera casualidade. A manipulação das massas, a explosão das emoções, a distorção da realidade, o distanciamento da política, a satanização da ideologia, a ação intensiva de ONG e grupos religiosos, tudo é tão consistente que a tese do efeito dominó se torna absolutamente questionável.
Honduras e Guatemala estão sendo utilizadas como “exemplo” que se invocará para justificar e legitimar as ações que se propagarão pelos demais países da região a curto prazo. Isso já é, em si mesmo, um desafio para todos. É preciso entender que agora não só buscam destruir os nossos processos revolucionários, mas também impor projetos inócuos, com uma nova história, com novos heróis, e nos preparam para os horrores desse neoliberalismo que hoje é mais feroz e audaz que nunca.
* Ricardo Arturo Salgado Bonilla é licenciado em Matemática pela Universidade Autônoma de Honduras e pós-graduado em Sociologia pela Universidade de Berlim. Membro da Frente Nacional de Resistência Popular. Secretário de Relações Internacionais do Partido Liberdade e Refundação (LIBRE).
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Comentários