Sócio oculto de Cunha convocou o delator. Manobra?



Ou a defesa de Fernando Baiano esperava outro tipo de depoimento e deu tudo errado, ou o próprio advogado de Baiano agiu para tornar pública a delação envolvendo Eduardo Cunha
por Helena Sthephanowitz publicado 17/07/2015 13:23, última modificação 17/07/2015 13:28
ANTONIO CRUZ/ AGÊNCIA BRASIL
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Delator na Operação Lava Jato disse que pagou US$ 5 milhões de propina a Eduardo Cunha
A esta altura quase todo mundo já viu o depoimento do executivo da Toyo Setal Júlio Camargo, delator na operação Lava Jato, na tarde de ontem (16), em que ele desvenda – bem ao estilo das pautas bomba de Cunha –,  os bastidores do pagamento de propina de US$ 5 milhões ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por empresas que tinham contratos de aluguel de sondas da Petrobras. Uma reportagem aqui na Rede Brasil Atual descreve os fatos, para quem ainda não se inteirou.
O mais curioso no depoimento devastador para o deputados Eduardo Cunha, é que Júlio Camargo depôs na condição de testemunha, convocado  pela defesa de Fernando Antonio Falcão Soares, conhecido como Fernando Baiano. Logo ele que é apontado pelos investigadores da operação Lava Jato como operador do PMDB, e apontado por Júlio Camargo como sócio oculto de Cunha.
Em vídeo da audiência disponibilizado pela Justiça Federal do Paraná, o advogado Nélio Machado, defensor de Fernando Baiano que pediu o testemunho de Camargo, se manifesta no final da audiência atacando veementemente o delator. Chega a bater boca, levantar a voz, exigindo a intervenção do juiz Sérgio Moro para que mantenham a urbanidade e a ordem.

Ou a defesa de  Fernando Baiano esperava outro tipo de depoimento e deu tudo errado - surpresa difícil de acontecer com advogados experientes - ou o próprio advogado de Baiano, indiretamente, agiu para trazer ao conhecimento público a delação envolvendo Eduardo Cunha que se encontra em sigilo de justiça no Supremo Tribunal Federal (STF).
Intrigante que no mesmo dia, diante do mesmo juiz, no mesmo processo, Fernando Baiano também prestou depoimento como réu, e exerceu o direito de manter em silêncio, não respondendo nenhuma pergunta, a maioria sobre movimentações bancárias em contas no estrangeiro.
Talvez trazer a público o teor da delação atingindo Cunha seja estratégia de defesa para tentar anular depoimentos e provas, talvez para tentar arrastar o processo de seu cliente para o STF, talvez seja para dividir as responsabilidades com o deputado, já que Baiano está preso desde novembro de 2014. 
Reconstituindo em ordem cronológica, de acordo com o depoimento de Camargo:
Primeiro, ele havia omitido esses fatos nos depoimentos abertos ao público prestados na Vara Federal de Curitiba do juiz Sérgio Moro.
Depois ele narrou a pressão e o pagamento para Cunha na delação premiada, feita em sigilo, no inquérito que corre no STF há cerca de três meses. 
O motivo da omissão na Vara Federal de Curitiba, segundo Camargo, era o compromisso de sigilo de justiça sobre o processo que corria no STF, e a orientação do próprio juiz Sérgio Moro de não citar nas audiências anteriores nomes de parlamentares, com foro privilegiado.
Em entrevista ontem (16), o próprio Cunha afirmou que desconfiava desde maio que estaria sendo delatado, pois leu uma nota em que disse: "Após ameaças publicadas em órgãos da imprensa, atribuídas ao Procurador Geral da República, de anular a sua delação caso não mudasse a versão sobre mim, meus advogados protocolaram petição no STF alertando sobre isso. Isso foi em 25 de maio, e a cópia está sendo distribuída para vocês (jornalistas) com a petição detalhada".
Nesta semana, na terça-feira (14), por pedido da Procuradoria-Geral da República, com ordem judicial do ministro Teori Zavascki, do STF, foi realizada a Operação Politeia, como a Polícia Federal cumprindo os mandados de busca e apreensão em endereços residenciais e comerciais de senadores e deputados. Cunha não foi alvo desta operação, mas deu declarações dizendo que esperava ser o próximo, ironizando que sua casa estava aberta para a Polícia Federal a partir das 6hs, hora em que acorda. No noticiário correu a notícia de que já havia um depoimento devastador contra Cunha dado por Júlio Camargo, em sigilo de justiça.
Em seguida, o advogado de Fernando Baiano pede a nova oitiva de Júlio Camargo na Justiça Federal do Paraná, onde Camargo coloca Eduardo Cunha digamos, na "cena do crime", enquanto o próprio Baiano ficou em silêncio. Muito estranho.
Dependendo do ângulo que se olhe, o depoimento pode ter sido até uma manobra interessante para o próprio Eduardo Cunha, dentro do conceito de redução de danos. Já sabendo que estava delatado há cerca de três meses, e antevendo buscas e apreensões em sua casa, o depoimento de Camargo apenas antecipa em alguns dias ou semanas o que iria ser revelado de qualquer jeito. Porém, desta forma, criou-se um enredo que permite a Cunha tentar reduzir danos. Ele está se apresentando como "vítima" de perseguição do procurador-geral da República.
O humorista José Simão fez até uma piada: "Cunha exige nova delação", ironizando as manobras de Cunha para colocar em votação de novo na Câmara matérias em que ele perde a votação, até que consiga vencer.
Do ponto de vista jurídico cria a confusão necessária para justificar recursos nos tribunais contestando a investigação contra si. No mínimo, pode retardar processos.
Do ponto de vista político, o desgaste da palavra de um delator é menor do que vir junto com uma sentença de busca e apreensão contendo outros indícios materiais, e cenas de apreensão de carros de luxo e outros bens. Também funciona, segundo a ótica dele, como motivação para ele tentar seguir seu caminho de estripulias políticas e conspiratórias na Câmara  contra o governo da presidenta Dilma. É uma manobra ousada, mas talvez seja a última carta que ele tenha na manga. Resta saber se a maioria seus seguidores na Câmara até hoje vão abandonar o navio ou colocarão seu pescoço na mesma corda de Cunha.
Do ponto de vista popular, não faz muita diferença. Exposição agora via delator, ou pouco tempo depois via buscas e apreensões ou denúncias, traz prejuízos a seu projeto político de qualquer jeito. Aliás, o próprio pronunciamento em rede de rádio e televisão na noite de hoje foi planejado menos para buscar agradar telespectadores – que andam com ojeriza de ver políticos na TV, seja na propaganda partidária, seja nos pronunciamentos – e mais para demonstrar poder aos deputados e outros políticos, para ampliar sua liderança sobre eles. 
Resta saber se, a esta altura do campeonato, o pronunciamento na TV não se revelará um tiro no pé. Ou se Cunha usará o horário pago com dinheiro do contribuinte, para se defender. Afinal, Cunha se apresentará não como pessoa física, mas como chefe do Poder Legislativo.
Não é o melhor garoto-propaganda para a imagem da Câmara, neste momento. Inclusive, antes mesmo do episódio da delação, ativistas nas redes sociais convocaram protestos contra Cunha na hora do pronunciamento por seus métodos forçados para aprovar matérias de seu interesse, tais como a terceirização ilimitada – que é uma punhalada nas costas dos trabalhadores –, a chamada PEC da corrupção, que constitucionaliza o nefasto financiamento empresarial de partidos e de campanhas eleitorais, a redução da maioridade penal demagoga, reprovada e colocada em votação de novo até aprovar, a antirreforma política, e outras coisas que os ativistas chamam patifarias contra o povo.

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