PML: A ESPANTOSA HISTÓRIA DO GRAMPO NA CELA DE YOUSSEFF

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por Paulo Moreira Leite - 3 de julho de 2015
 Numa sessão fechada na CPI, um agente da Polícia Federal de Curitiba contou que seus chefes mandaram instalar uma escuta ilegal para ouvir as conversas entre o doleiro e o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa
A CPI que apura a Operação Lava Jato ouviu um depoimento estarrecedor na tarde desta quinta-feira. Falando para os parlamentares reunidos numa sessão fechada, o agente da Polícia Federal Dalney Fernando Werlan contou que:

a) no início do ano passado foi chamado por seus superiores, que determinaram que instalasse um grampo eletrônico numa cela da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, reservada para abrigar um determinado prisioneiro;
b) Werlan fez o serviço e, dias depois, apareceram dois prisioneiros: o doleiro Alberto Yousseff e Paulo Roberto Costa, diretor da Petrobras, os principais delatores da Lava Jato.
c) orientado pelos superiores, todos os dias o agente recolhia um arquivo eletrônico do equipamento, para entregar à chefia;
d) duas semanas depois, Alberto Yousseff fez um pequeno escândalo na carceragem: apareceu com o grampo na mão, dizendo que havia encontrado no teto da cela.
e) Yousseff disse , mais tarde, que começou a desconfiar do grampo durante os interrogatórios. Contou que tinha a impressão que os policiais perguntavam coisas que ele tinha conversado com Paulo Roberto Costa na cela.
O caso prometia permanecer como um pequeno segredo entre os agentes e delegados da Polícia Federal que investigam a Lava Jato até que a VEJA publicou uma reportagem a respeito do grampo. A revista não conhecia a história inteira mas a notícia obrigou a abertura de uma sindicância interna. O resultado, explicou Werlan, foi uma história de cobertura, falsa como uma nota de 3 reais. Foi a partir de então, contou o agente, que ele descobriu que havia sido convocado para cumprir uma ordem ilegal — e percebeu que não era a única vez. Na mesma época, lhe pediram para montar um grampo ambiental numa área de convivência da PF de Curitiba, conhecida como “fumódromo.”
A historinha dizia que o grampo era muito antigo, e fora instalado quando a mesma cela abrigou outro prisioneiro célebre, o traficante Fernandinho Beira-Mar. Chegaram a dizer que era um equipamento anacrônico, imprestável para ouvir urros e gritos, quanto mais conversa entre prisioneiros.
Tudo cascata, explicou o agente Werlan. Ele conhecia o equipamento usado, que funcionava perfeitamente. Também conhecia o equipamento levado a carceragem para substituir o primeiro — era novo em folha, e também funcionava muito bem.
Mas a confusão estava armada porque logo depois apareceu um segundo grampo instalado pelo mesmo agente Werlan. Desta vez, o equipamento de escuta fora colocado numa área de convivência do local, conhecido como fumódromo.
Após a sindicância que deu em Fernandinho Beirda-Mar, abriu-se um inquérito para apurar as responsabilidades dos envolvidos, que até agora não chegou a parte alguma.
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que não assistiu ao depoimento do agente mas ouviu um relato detalhado, “trata-se uma ilegalidade grave, que deve ser apurada cuidadosamente,” afirma o deputado Paulo Teixeira (PT). “Os fatos devem ser checados e, se forem verdadeiros, os responsáveis devem ser investigados e punidos.”
O deputado tem razão. Espera-se, agora, que o responsável pela Policia Federal — o chefe hierárquico é o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo — tome as providências cabíveis ao caso, determinando uma investigação imediata e rigorosa.
A escuta ambiental — como se fez na cela de Paulo Roberto e Alberto Yousseff é permitida por lei desde que autorizada por um juiz.
Caso contrário, fere um direito elementar de toda pessoa acusada — que é o direito de permanecer calada e nada declarar que possa ser usado contra ela.
Esta é uma garantia fundamental do Direito brasileiro — está prevista no artigo 5o, da Constituição — e inspirou uma célebre decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Miranda x Arizona.
Acusado de raptar e estuprar uma adolescente, Ernesto Miranda foi libertado pela Suprema Corte quando se comprovou que, embora tivesse até confessado o crime durante o interrogatório, não fora devidamente protegido de pressões de um interrogatório policial que pretendia “minar sua vontade de resistir.” Lembrando que uma confissão só tem valor quando inteiramente voluntária, quando o acusado tem plena consciência do que está fazendo, os juízes mandaram que Ernesto Miranda fosse solto imediatamente.
Durante o depoimento do agente Werlan, que compareceu ao Congresso em companhia de um delegado da PF de Curitiba, José Alberto de Freitas, os parlamentares da oposição chegaram a fazer uma pergunta curiosa. Quiseram saber se o agente não achava que os chefes que haviam determinado que instalasse a escuta não estavam interessados em provocar um incidente para comprometer a Lava Jato com um ato ilegal, capaz de atrapalhar o andamento dos trabalhos. Werlan disse que não.
O esforço da oposição para minimizar um episódio muito mais grave do que parece é compreensível. Conforme o agente, um dos delegados que determinou que instalasse a escuta foi o delegado Igor Romário de Paula, que costuma dar entrevistas coletivas após as operações da Lava Jato. Outro foi Márcio Ancelmo, também delegado.Na reta final da campanha de 2014, os dois se destacaram por manifestações contra o governo Dilma no Facebook, conforme revelou Julia Duailibi em reportagem do Estado de S. Paulo. Ela contou que o delegado Igor Romário participava de um grupo no Facebook chamado Organização de Combate a Corrupção, cujo símbolo é uma imagem distorcida da presidente Dilma, com dentes de vampiro e uma faixa “Fora PT.”Soube-se pela reportagem que, comentando uma notícia que dizia que Lula havia comparado o PT a Jesus Cristo, o delegado Anselmo fez um apelo: “alguém segura essa anta, por favor.”
Embora a Constituição brasileira assegure a todo cidadão o direito a liberdade de expressão, o regimento da Polícia Federal proíbe, por motivos óbvios, manifestações desrespeitosas em relação a autoridades. Sabe-se que o caso provocou a abertura de uma investigação interna mas não há noticia de punição.
O caso relatado pelo agente Werlan envolve uma situação muito mais grave que um ato de desobediência ao regulamento. A escuta não-autorizada é crime, uma violação da intimidade que muitos juristas consideram até mais grave do que grampo telefônico não autorizado, pois envolve a liberdade de uma pessoa comunicar-se com outra, sem uso de qualquer aparelho ou instrumento.
Não custa lembrar que o relato sobre o grampo na carceragem de Curitiba narra uma história bastante conhecida sobre a cadeia de ilegalidades que sempre se produz quando policiais cometem atos a margem da lei e não são investigados corretamente. Ao primeiro crime, que já é grave, segue-se outro — a fabricação de um inquérito fajuto — destinado a esconder o que aconteceu, numa sequência que pode prolongar-se indefinidamente, como sabem todos aqueles que não perderam a memória sobre fatos muito mais graves que marcaram a ações policial-militares do regime de 64, e que ninguém quer que se repitam.
Ninguém quer que se repitam?
Depois do impressionante relato do agente da Polícia Federal, a CPI ouviu um empresário adversários do PT, de Lula, de Dilma — e da democracia — que, depois de pronunciar um discurso raivoso contra o governo, pediu uma intervenção militar no país.

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