No Brasil, delações premiadas vazaram todas; nos EUA, no caso FIFA, ainda não sabemos o que disse ou fez J. Hawilla
publicado em 24 de julho de 2015 às 21:02
O juiz Dearie ainda não saiu na capa de revista
por Luiz Carlos Azenha
A grande maioria dos brasileiros apoia a Operação Lava Jato, dizem as pesquisas. De fato, as empreiteiras, algumas das quais enriqueceram sob a ditadura militar, sempre pairaram impunes nos bastidores de nossa política.
Demonstraram seu poder na Justiça, com a anulação da Operação Castelo de Areia, restrita à Camargo Corrêa. Comprometia gente de praticamente todos os partidos, mas tinha ênfase nas obras paulistas do Rodoanel e do Metrô. Neste caso, a PF teve acesso simplesmente ao livro da contabilidade paralela da empresa! Sobre o assunto, Conceição Lemes escreveu Mídia concentra foco na Lava Jato, mas ignora empreiteiras na Castelo de Areia e no trensalão.
Sempre é bom lembrar que não se trata apenas de corrupção: o poder das empreiteiras é responsável pelo “obrismo”, pela ênfase dos administradores em governar fazendo obras vistosas que dêem retorno eleitoral e garantam financiamento de campanha. Quanto mais cara a obra, maior o retorno.
Neste momento o assunto parece não interessar muito à nossa mídia, mas um olhar sobre a expulsão dos moradores da Vila Autódromo para a construção do Parque Olímpico, no Rio, seria suficiente para demonstrar o escandaloso conluio entre políticos e empreiteiros, em benefício próprio e em detrimento do interesse público.
A consequência natural da Operação Lava Jato deveria ser a aprovação do financiamento público de campanhas. Na mais recente pesquisa da CNT, 78,1% se disseram contra o financiamento por empresas. Porém, como isso não interessa aos conservadores, cujos interesses coincidem com os do setor privado, o assunto não recebe na mídia cobertura equivalente à que recebem as delações premiadas.
Acompanho à distância, através de um blog recomendado pelo repórter investigativo Tony Chastinet, o desenvolvimento da ação do FBI e do Ministério Público dos Estados Unidos no caso FIFA. Nele, uma pessoa não identificada coloca todos os documentos públicos sobre o caso.
Até agora, o juiz federal Raymond Dearie, do tribunal do Brooklyn, só atendeu oficialmente a um pedido da imprensa, tornando público um depoimento do ex-cartola Chuck Blazer, que colabora com as autoridades.
Um grupo de repórteres queria que ele fizesse o mesmo em relação a um dos delatores mais importantes do esquema, o empresário brasileiro J. Hawilla:
Porém, até agora o juiz não os atendeu. Por que?
Porque ao FBI e à Promotoria dos Estados Unidos os vazamentos não interessam. E eles argumentam neste sentido junto ao juiz do caso.
Motivos:
1. Os vazamentos têm o potencial de atrapalhar as investigações, ao permitir que os investigados destruam provas ou “convençam” testemunhas durante o desenrolar das apurações;
2. Os vazamentos têm o potencial de cometer injustiças, ao divulgar nomes de pessoas e empresas que ficam imediatamente sob suspeita, mesmo que sejam inocentes.
Logo depois dos indiciamentos no caso FIFA, a procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta Lynch, deu uma entrevista coletiva ao lado de autoridades que investigam o caso.
O Departamento de Justiça, o FBI e a Promotoria de Nova York divulgaram notas oficiais. E só.
Não há um espetáculo em torno do caso FIFA nos Estados Unidos — e, como mostra a carta acima, não é por falta de vontade dos jornalistas.
J. Hawilla fez uma aparição no tribunal de Nova York no dia 12 de dezembro de 2014 e até hoje não sabemos detalhadamente o que ele disse! Não sabemos o conteúdo das gravações clandestinas que ele fez com outros investigados, que só serão reveladas — se forem — durante o julgamento.
Enquanto isso, no Brasil, seja pela mão de policiais federais, seja pela mão de procuradores, vaza absolutamente tudo: depoimentos, relatórios e bastidores da operação, não por acaso batizada por alguém nas redes sociais de Vaza Jato.
É o que permite à mídia — e aos delegados e promotores — fazer uma leitura seletiva das denúncias, inclusive de acordo com preferências empresariais ou mesmo pessoais.
Já nos Estados Unidos, Ricardo Teixeira não sabe até agora oficialmente se é alvo ou não do FBI. Numa entrevista ao Terra, ele presume que sim e ataca o ex-parceiro J. Hawilla.
Na denúncia dos promotores norte-americanos, aqueles que ainda não foram indiciados foram identificados nos documentos apenas como “co-conspiradores”. Por um lado, os suspeitos são preservados. Por outro, sem conhecer detalhes do que foi dito por delatores, fica mais difícil tentar obstruir a investigação. Por exemplo, chegando primeiro que a polícia às testemunhas-chave. Nesse sentido, deixar os suspeitos no escuro é a melhor estratégia policial.
Já no Brasil, os vazamentos politizam as operações da PF. Documentos oficiais viram moeda de troca na mão de jornalistas e de políticos.
A única tentativa da Polícia Federal de supostamente proteger investigados foi um desastre, no famoso caso da tarja preta. Segundo informou o Estadão, a PF assim agiu para proteger acusados que têm direito a foro privilegiado. Curiosamente, o nome de ECunha aparece nos registros recolhidos nos celulares do empresário Marcelo Odebrecht. Não recebeu a tarja preta, mas JS recebeu.
“Adiantar 15 p/ JS”, está escrito lá. JS é José Serra.
No mais, é um vale-tudo.
O objetivo de policiais e promotores é óbvio. Acusações gravíssimas replicadas como se fossem verdade factual pela mídia podem mais tarde justificar uma condenação sem que haja a necessária robustez de provas: é o clamor da opinião publicada. A mídia a serviço da Justiça e a Justiça a serviço da mídia são uma deformação institucional gravíssima. Há repórteres com promotores e delegados literalmente de bolso — e vice-versa. Ao fim e ao cabo, são os barões midiáticos a decidir se a Lava Jato interessa mais ao público que a Operação Zelotes e o caso do HSBC.
Na Suiça, mesmo depois do acordo pelo qual Ricardo Teixeira e João Havelange devolveram parte do dinheiro recebido como propina, o promotor-juiz Thomas Hildbrand teve o cuidado de usar códigos para não associar pessoas e empresas inocentes aos crimes dos quais foram acusados os cartolas. Isso depois de terminado o processo!
Curiosamente, o procurador Deltan Dallagnol, ao fazer um balanço da Lava Jato nesta sexta-feira, parece ter se incomodado com o fato de a Odebrecht se defender publicamente, através de notas na imprensa. Ele disse: “Nós nos aproximamos da verdade por meio de provas e documentos, e não por meio de notas à imprensa”. Ou seja, ele nega interesse na batalha da informação ao mesmo tempo em que dá uma entrevista coletiva com grande estardalhaço!
Dallagnol também disse: “Ninguém está acima da lei”.
Repete, assim, a capa da revista Época, que poderia ter usado a frase abaixo perfeitamente com as fotos dos irmãos Marinho, pegos em flagrante pela Receita Federal em milionária sonegação. Mas, para a mídia, só existe corrupção na ou por causa da esfera pública.
O Ministério Público e a Polícia Federal deveriam ser os primeiros a combater os vazamentos da Lava Jato, pois são eles que abrem espaço ao justiçamento midiático e às consequências políticas dele.
Na pesquisa da CNT a que me referi no topo — aquela que deu 7,7% de aprovação a Dilma e 4,8% à imprensa –, um detalhe curioso chamou a atenção.
Dos entrevistados, 69,2% consideraram a presidente Dilma culpada pela corrupção na Petrobras, 65% atribuiram a culpa ao ex-presidente Lula e apenas 3,5% às construtoras.
Isso mesmo: os corruptores privados, muitos dos quais estão presos, escapam praticamente impunes no tribunal da opinião pública. Resultado óbvio de uma cobertura distorcida, quando não partidarizada, abastecida 24 horas por dia por vazamentos seletivos que atropelam a presunção da inocência.
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