Luis Nassif: Os cabeças de planilha e as metas de superávit

Não há limites para o grau de irracionalidade do debate econômico brasileiro.
O governo reduziu a meta de superávit fiscal primário de 1,1% para 0,15% do PIB este ano. Foi uma decisão racional pelo relevante fato de que a queda da economia, acentuada pelo ajuste fiscal e pela política monetária, produziu uma queda de arrecadação muito maior do que os cortes fiscais empreendidos.
Não haveria forma racional de compensar a perda de receita com mais cortes, pois mais cortes produziriam mais recessão e mais perda de receita.

Essa falácia do ajuste fiscal neutro já foi banido até do pensamento binário das agências de risco. Hoje se sabe que a partir de determinado nível de corte nas despesas, produz-se uma queda de arrecadação mais que proporcional ao valor economizado.
Está aí a Grécia para confirmar agora, a Argentina de Cavallo para confirmar o passado e, em nível menos drástico, o Brasil de Joaquim Levy.
O mercado já tinha assimilado essa queda da meta.
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Daí não se entende o terrorismo que se sucedeu ao anúncio.
A colunista Mirian Leitão recorreu a um estudo do Banco Itaú para mostrar a nova progressão da relação dívida bruta / PIB com a mudança da meta e concluir que “reduzir a meta parece ter sido um tiro no pé do governo. O Ministro Joaquim Levy era contrário à ideia”. Ora, Levy sabia que a meta não seria alcançada. Pretendia mantê-la unicamente para ganhar poder de barganha com o Congresso.
Se aumentar ou reduzir meta é apenas uma questão de vontade – sem as limitações impostas pela realidade – então que se aumente a meta para 5% do PIB. A planilha aceita tudo e o pensamento monofásico endossa.
Dias antes do anúncio da redução da meta fiscal, a própria equipe do Itaú já revira suas projeções de superávit primário para 0,5% do PIB este ano em função da queda da atividade econômica e “principalmente no consumo e no mercado de trabalho, em que a carga tributária no Brasil é maios concentrada”.
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Conclusões óbvias:
  1. A meta do superávit primário foi reduzida simplesmente porque não seria alcançada, dado o grau de recessão da economia.
  2. Mesmo que fosse alcançada, não reduziria a dinâmica de crescimento da dívida bruta, porque ela é turbinada pelos juros do Banco Central. Segundo o mesmo estudo do Itaú, só se conseguiria estabilizar a relação dívida bruta / PIB com um superávit primário de 5%, sem aumento da recessão e da queda de receita fiscal. Ou seja, uma conta impossível de fechar.
  3. Segundo o Itaú, mesmo na hipótese impossível de manter as metas de superávit (1,1% em 2015 e 2% de 2016 em diante) a divida bruta aumentaria mais de 6 pontos percentuais do PIB nos próximos anos.
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Fazenda e Banco Central montaram uma roleta russa com 4 balas no tambor de 5 balas.
Sua aposta é que somando queda do PIB com ajuste fiscal com Selic descomunal, a inflação cairá tão rapidamente que permitirá, em um ponto qualquer do futuro, baixar rapidamente a Selic e, com a baixa, sinalizar a volta do investimento.
Em um ponto qualquer do futuro, a relação dívida/PIB alimentará significativamente em função da queda do PIB e da arrecadação. E os cabeças de planilha dirão que a culpa é do Congresso que não permitiu superávits fiscais impossíveis de serem alcançados.

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