A burguesia industrial brasileira faz o jogo de seu algoz financeiro, por medo do povo
25 de julho de 2015 | 21:09 Autor: Fernando Brito
Do economista Paulo Lyra, da Unicamp, em seu blog, uma exposição didática, que ajuda muito a compreender as forças profundas em jogo na política brasileira, além da espuma das acusações e do moralismo, quase sempre hipócrita:
“Numa sociedade capitalista, o natural seria que a classe capitalista, a quem pertence o comando das decisões empresariais, assumisse a hegemonia no plano ideológico e liderasse o processo de industrialização.
No Brasil, não foi assim, pois sem forte participação autônoma do governo e da burocracia estatal, em aliança com o setor privado, especialmente depois da Revolução de 1930, é pouco provável que houvéssemos atingido o nível de industrialização alcançado.
A estagnação econômica dos anos 90, deu os primeiros sinais de que a burguesia industrial não era capaz de liderar o processo de desenvolvimento, pois, fraturada entre o capital nacional e o capital estrangeiro, não possuía a coesão necessária para fazer a industrialização avançar na direção da maior autonomia requerida para sustentar um projeto de desenvolvimento nacional.
A partir dos anos iniciais da década de noventa, com as reformas neoliberais e a entrada em ação do processo de desmonte do aparelho estatal, incluindo as empresas estatais — que culminou com o intenso processo de privatização nos governos de FHC, sob a pressão externa dos organismos multilaterais, especialmente FMI e Banco Mundial, comandados pelas grandes potências industriais — fragilizou-se ainda mais a capacidade da burguesia industrial de liderar o processo de industrialização.
A realidade não se compadeceu com as “boas intenções” declaradas dos empresários privados, nem dos dirigentes políticos do PSDB responsáveis pela política econômica, sob a batuta do FMI e do Banco Mundial, de que a abertura econômica e as privatizações produziriam um surto de desenvolvimento.
Muito pelo contrário, a falta do apoio estatal levou a indústria a ingressar num processo continuado de perda de competitividade — muito além do que se justificaria pela experiência histórica dos países industrializados — e de queda em sua contribuição para a sustentação do processo de desenvolvimento.
Entrava, assim, em marcha forçada, em pleno funcionamento a estratégia de integração-dependente na economia internacional, sob a égide das grandes corporações privadas internacionais, cada vez mais dominadas pela financeirização de suas atividades.
A assunção ao poder do PT, em 2003, reabriu a possiblidade de que as lideranças da classe trabalhadora, através de seus representantes no governo, fossem capazes de recuperar a dinâmica da industrialização do país, desta vez sob a hegemonia da classe trabalhadora, mas em estreita aliança com a burguesia industrial nacional, liderada por grandes empresas privadas constituídas para aproveitar o mercado interno de obras públicas e pelas poucas empresas estatais que restaram do processo de privatização, especialmente a Petrobras.
Já nas vésperas de assumir o governo, o presidente vitorioso, entretanto, premido pelas ameaças internas e dos organismos internacionais que davam as cartas na rolagem da elevada dívida externa contraída no governo de FHC, teve de fazer fortes concessões e a comprometer-se a não alterar a política econômica, nitidamente desfavorável à recuperação do processo de industrialização.
Essa política mantinha a taxa de câmbio apreciada, desestimulando as exportações e favorecendo a penetração dos produtos importados no mercado interno. Mantinha as taxas de juros da dívida pública elevadas em nome do combate à inflação e gerava superávits fiscais elevados para pagar os serviços da dívida, restringindo a capacidade do Estado para realizar investimentos na infraestrutura econômica.
Desde os governos militares já havia surgido no cenário econômico um novo e poderoso ator econômico, um setor financeiro altamente concentrado e com fortes articulações internacionais, com grande poder não apenas de estabelecer as regras do jogo no mercado financeiro, como também de influenciar o processo político em seu favor.
Esse novo ator patrocinou desde o início as reformas neoliberais, pois estas vinham ao encontro de sua lógica de funcionamento, vinculada ao favorecimento do aumento da acumulação financeira, no contexto do que tem sido denominado de “financeirização”, em detrimento da acumulação produtiva.
A burguesia industrial nacional, em nenhum momento, se mostrou interessada em articular-se com as forças políticas vinculadas à classe trabalhadora, que chegavam ao poder, para resistir às investidas do setor financeiro na captação dos recursos financeiros para uso não produtivos ligados à pura acumulação financeira. Prevaleceu, assim, o temor de contribuir para o fortalecimento das forças populares que subiam ao Poder e de submeter-se a sua hegemonia.
Com a entrada da China no comércio internacional de produtos primários, aumentando substancialmente as exportações e algumas mudanças introduzidas pelo novo governo na política econômica, especialmente no campo social e na retomada dos investimentos produtivos, sob a liderança do BNDES, e das empresas estatais, desfrutou-se de um período de aceleração do crescimento econômico, até pouco depois da crise financeira internacional de 2008.
Tanto a burguesia industrial, quanto a classe trabalhadora se beneficiaram do soerguimento da atividade econômica, mas a primeira jamais disfarçou sua antipatia frente ao governo popular e nunca se interessou em enveredar, de modo decisivo, por uma aliança estratégica para a criação de um bloco de poder que possibilitasse a conformação de um novo modelo de política econômica assentado em maior participação estatal na atividade econômica e em mais autonomia em relação aos mercados.
Posteriormente, já no primeiro governo de Dilma, quando foi feita uma tentativa de fugir à rigidez da política econômica voltada para a acumulação financeira e a integração-internacional- dependente, a burguesia industrial colocou-se ao lado do sistema financeiro para boicotar sua continuação.
A burguesia industrial durante todo o período concentrou seu poder em reivindicações de redução da carga tributária e no combate às políticas que aumentavam os gastos sociais e os salários reais, deixando de lado qualquer articulação contrária ao controle da ação predatória do sistema financeiro, que permanecia extraindo capacidade financeira da sociedade, para esterilizá-la em aplicações financeiras recorrentes, num círculo vicioso e perverso contra o aumento da formação de capital produtivo e a reindustrialização.
A campanha de desestabilização dos governos vinculados à classe trabalhadora começou desde meados do primeiro mandato de Lula, com denúncias de corrupção, orquestradas pela imprensa e, certamente, vistas com bons olhos pela burguesia industrial, cuja representação política vislumbrava no resultado dessa ação o retorno ao poder, sob a liderança do PSDB.
Com a desaceleração do crescimento econômico e o aparecimento de desequilíbrios importantes nas contas fiscais, no balanço de pagamentos e o aparecimento de pressões inflacionárias, como consequência da inadequação do modelo de política econômica voltado para a acumulação financeira e a integração-dependente na economia internacional, criou-se o clima favorável para a exacerbação das pressões contra a permanência no Poder dos representantes da classe trabalhadora.
A campanha contra a corrupção, sob a liderança da grande imprensa, com o apoio da burguesia industrial, do capital estrangeiro e, principalmente, do setor financeiro, sob o comando político do PSDB — contando com a mobilização de setores da burocracia estatal instalada na Poder Judiciário, e na Polícia Federal — intensificou a crise econômica que já vinha tomando forma em decorrência da mudança na conjuntura internacional e da incapacidade do modelo de política econômica em lidar com o problema da desaceleração do crescimento econômico.
Vive o país nestes dias um período crucial para os rumos que tomará seu processo de desenvolvimento econômico e político nos próximos anos, o da disputa feroz entre duas ideologias de desenvolvimento: a ideologia, dominante, da integração-internacional- dependente, que entregará definitivamente aos mercados a direção do processo de desenvolvimento; e a ideologia social-desenvolvimentista, ainda em etapa de consolidação, que propugna pela participação decisiva do Estado na condução do processo de desenvolvimento e na sustentação de políticas sociais em benefício da classe trabalhadora.
A fragilidade política em que se encontra o governo e a incapacidade revelada pelo PT, ao longo de seus governos, para consolidar junto à sociedade e sua própria base social, a ideologia social-desenvolvimentista, já determinaram uma primeira derrota frente ao modelo de política econômica adotado pela ideologia de integração-internacional dependente, com a adoção das medidas de reajuste fiscal e monetário vigentes.
As pressões externas, cujas manifestações através das agências de “rating”, ameaçando o rebaixamento do “grau de investimento”, são apenas a ponta do iceberg dos interesses das corporações internacionais privadas, que atuam ao lado das pressões internas lideradas pelo PSDB e apoiadas pelo sistema financeiro, sob a orquestração da grande imprensa, em favor de uma rendição total à ideologia da integração internacional-dependente.
Restam, entretanto, alguns baluartes, que a duras penas o governo vem tentando preservar, como é o caso, no campo econômico, da consolidação do complexo minero-industrial e de construção naval, que gira em torno da Petrobras e dos recursos do Pré-Sal, e a preservação dos bancos estatais; e no, campo social, a política de aumentos reais do salário mínimo e as políticas de universalização dos serviços de saúde e previdência social.
A preservação das chances de consolidar um bloco do poder que dê sustentação a ideologia social-desenvolvimentista está na dependência da capacidade e sensibilidade das lideranças políticas e empresariais para articularem um pacto de resistência às pressões internas e internacionais, mormente as do capital financeiro para uma rendição total à política econômica de corte neoliberal ainda dominante.
No campo político, a preservação da democracia é indispensável para manter a classe trabalhadora com chances de se manter no Poder e abrir espaço para, num futuro ainda distante, consolidar sua hegemonia na sociedade e tornar viável uma alternativa ideológica pós-capitalista, cuja etapa preliminar consiste na consolidação da ideologia social-desenvolvimentista.
Comentários