Pepe Escobar: Sonhos norte-americanos, do G1 a Bilderberg


11/6/2015, [*] Pepe Escobar, Russia Today – RT
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Obama discursa na reunião de Kruen, Alemanha
Qual a conexão entre a reunião do G7 na Alemanha, a visita do presidente Putin à Itália, o clube Bilderberg reunido na Áustria e as negociações do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) [Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] – o acordo de livre comércio entre EUA e União Europeia – em Washington?
Comecemos pelo G7 nos Alpes da Bavária – de fato, um G1 cercado de uma leva de “parceiros juniores” – com o Presidente Barack Obama a regozijar-se nesse festim neoconservador induzido – arregimentando a União Europeia para ampliar sanções contra a Rússia, mesmo que provavelmente as sanções firam mais a União Europeia varrida pela austeridade [1] pelo ARROCHO, que a Rússia.
Como se podia prever, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês também caíram lá – depois de a realpolitik tê-los obrigado a conversar com a Rússia e a montar, juntos, o acordo Minsk-2.
O hipocrisiômetro já havia explodido pela tampa sobre os Alpes Bávaros, logo no discurso pré-jantar, do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, ex-Primeiro Ministro da Polônia e russófobo de carteirinha/pró-guerra:
Todos nós preferiríamos ter a Rússia à mesa do G7. Mas nosso grupo não é simples grupo que partilha interesses políticos e econômicos. Antes de qualquer outra coisa, somos uma comunidade de valores. E é por isso que a Rússia não está entre nós.
Quer dizer que o negócio foi “valores” civilizados versus “agressão russa”.
O “civilizado” G1 + parceiros juniores não poderia jamais declarar lá que todos, coletivamente, se ariscam a pôr uma guerra nuclear em solo europeu, por causa de um “Banderastão” criado por Kiev, desculpe, é “agressão russa”.
Em vez disso, a parte realmente engraçada acontecia por trás das cortinas. Em Washington, grupos culpavam a Alemanha por o ocidente ter perdido a Rússia para a China; enquanto os adultos na União Europeia – bem longe dos Alpes Bávaros – culpavam Washington.
Ainda mais sumarenta é a visão contrária que circula entre os poderosos Masters of the Universe no mundo empresarial norte-americano sem política. Eles temem que nos próximos dois ou três anos, a França acabe por realinhar-se ao lado da Rússia (precedentes históricos abundam). E eles – mais uma vez – identificam a Alemanha como o problema-chave (com Berlim forçando Washington a envolver-se numa Mitteleuropa prussiana, que os norte-americanos guerrearam duas guerras para impedir que se formasse).
Quanto aos russos – do Presidente Putin e do Ministro Lavrov de Relações Exteriores, para baixo – já emergiu um consenso: não faz sentido algum discutir qualquer coisa substancial, se se considera o lastimável pedigree intelectual – ou absoluta imbecilidade neoconservadora – dos políticos e conselheiros do governo Obama que se autoapresentam como a turma do “Não faça merda coisa estúpida”. Quanto aos “parceiros juniores” – a maioria, gente da União Europeia – são irrelevantes, meros vassalos de Washington.
Seria delírio esperar que a gangue dos “valores civilizados” propusesse qualquer alternativa que ajudasse a vasta maioria dos cidadãos das nações G7 a conseguir coisa melhor que Mac-empregos, os mesmos que já mal sobrevivem, reféns que são do turbo-capitalismo dependente-viciado em finanças, que só beneficia o 1%. Muito mais fácil apontar o dedo para o bode expiatório proverbial – a Rússia – e tocar adiante com retórica da OTAN de distribuir medo e pregar guerra e guerra.
A Lady de Ferro Merkel também achou tempo para pontificar sobre mudança climática – pregando a todos por lá que invistam numa “economia global de baixo-carbono”. Poucos perceberam que o prazo para a total “descarbonização” ficou combinado para o final do século XXI, quando esse planeta estará em fundas, profundíssimas dificuldades.
Achtung! [Atenção!] Bilderberg!
A novilíngua soprada pelos neocons de Obama continua a pregar que a Rússia sonha com recriar o império soviético. Agora comparem com o que o Presidente Putin explica na Europa.
G1 e parceiros júniors em Kruen - Alemanha
Semana passada, o presidente Putin achou tempo para uma entrevista ao Corriere della Sera de Milão, às 2h da manhã. A entrevista foi publicada enquanto rolava a festa nos Alpes Bávaros, e antes da visita de Putin à Itália, dia 10/6/2015. Os interesses geopolíticos de EUA e Rússia foram expostos nos mais atrozes detalhes.
Quer dizer que Putin era persona non grata naquele G1 + parceiros juniores? OK. Na Itália ele visitou a Milan Expo;encontrou-se com o Primeiro-Ministro Renzi e com o Papa Francisco (vídeo no fim do parágrafo); fez com que todos recordassem os “laços econômicos e políticos privilegiados que unem Itália e Rússia”; e falou das 400 empresas italianas ativas na Rússia e no milhão de turistas russos que visitam a Itália anualmente.
Mais importante que tudo isso, Putin evocou também o tal dito consenso: a Rússia sempre representou visão alternativa como membro do G8. Agora, parece que “as outras potências” supõem que já não precisem disso. Em resumo: é impossível manter conversa de adultos com Obama e seus amiguinhos.
E na sequência, de Berlim – por onde andava exibindo suas impressionantes credenciais de política externa, Jeb Bush, irmão do destruidor do Iraque, Dábliu Bush, integralmente adestrado e “brifado” pelos seus conselheiros neoconservadores, declarou Putin “um agitador”; e seguiu pela Europa em luta contra (e o que mais seria?!) a “agressão russa”.
O véu retórico que encobriu o que realmente se discutiu nos Alpes Bávaros só começa a dissipar-se aos primeiros acordes dos verdadeiros nada-noviços nada-rebeldes: a reunião do Bilderberg Group que começa nessa 5ª-feira (11/6/2015), no Interalpen-Hotel Tyrol na Áustria, apenas três dias depois da reunião do G1+parceiros juniores.
Conspiracionismos possíveis à parte, Bilderberg pode ser definida como uma gangue ultrassecreta de lobbyistas de elite – políticos, chefões norte-americanos corporativos, funcionários da União Europeia, grandes industriais, chefes de agências de inteligência, cabeças europeias coroadas – anualmente organizada numa espécie de think-tank informal/formato lançador-de-políticas, para fazer avançar a globalização e todos os assuntos cruciais relacionados à agenda geral atlanticista. Pode chamar de Festival Mundial dos Masters of the Universe Atlanticistas.
Para lançar alguma luz sobre aquela escuridão – não que o pessoal lá seja adepto de alguma transparência – conhece-se a composição da comissão que dirige os trabalhos. E também a pauta da reunião na Áustria.
Naturalmente falarão sobre “agressão russa” (na linha de “e quem liga para Ucrânia falida? Queremos é impedir que a Rússia faça negócios com a Europa”).
Naturalmente falarão sobre a Síria (na linha da partilha do país, com o Califato já aceito como fato da vida-pós-Sykes-Picot).
Naturalmente falarão sobre o Irã (na linha do vamos-negociar: compramos a energia deles e os subornamos para que venham para nosso clube).
Mas o negócio realmente quente por lá é o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) [Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] – suposto acordo “de livre comércio” entre EUA e UE.Pode-se dizer que todos os lobbyistas do big business/big finança lá estarão, praticamente todos eles, sob o mesmo teto austríaco.
Putin e o Papa Francisco em 10/6/2015
Não por acaso, Bilderberg começa exatamente na véspera do dia em que o Congresso dos EUA inicia o debate sobre a “tramitação de urgência” [orig. fast track”, lit. “trilha rápida”] para a lei que dá autoridade ao presidente para negociar a coisa.
WikiLeaks e muitos BRICS
Entra em cena WikiLeaks, com material que, num mundo justo, seria elemento crucial para emperrar toda a máquina de destruição.
A lei da “rápida tramitação”, se aprovada, prorrogará os novos poderes do Presidente dos EUA por nada menos que seis anos.Assim se inclui o próximo inquilino da Casa Branca que talvez venha a ser “The Hillarator” ou Jeb “Putin é agitador” Bush.
Essa autoridade presidencial para negociar acordos safados inclui não só o acordo da TTIP, mas também o da Parceria Trans-Pacífico (TPP) e também o Acordo de Comércio em Serviços (TiSA).

Em boa hora, WikiLeaks publicou o Anexo de Assistência à Saúde [orig. Healthcare Annex] do rascunho do capítulo “Transparência” da TPP, e a posição de cada país que está negociando. Não surpreende que o rascunho seja secreto. E nada há, nele, de “transparente”: é o sequestro não disfarçado, pela Big Pharma, de todas as autoridades nacionais da atenção à saúde pública.

O resumo da história é que esses três mega-acordos – TTP, TTIP e TiSA – são o mais completo modelo do que se pode, polidamente, descrever como governança global pelas grandes empresas – o mais molhado dos sonhos molhados deBilderberg.
Quem perde: os estados-nação e o próprio conceito de democracia ocidental.
Quem ganha: as megaempresas comerciais.
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Julian Assange, em declaração de poucas palavras [também em espanhol, para facilitar a leitura (NTs)], disse tudo:
É erro supor que a Parceira Trans-Pacífico seria um simples tratado comercial. Na verdade, são três megatratados que operam em conjunto: o TiSA, o TPP e o TTIP, e os três se acrescentam, em termos estratégicos, como um único grande tratado unificado, que racha o mundo: o ocidente versus o resto. Esse “Grande Tratado” é descrito pelo Pentágono como o coração econômico do “Pivô para a Ásia” dos militares dos EUA. Os arquitetos miram nada menos que o arco da história. O Grande Tratado está tomando forma em total segredo, porque, com essas suas ambições estratégicas jamais discutidas fora das elites, ele alicerça firmemente uma forma agressiva de empreendimento comercial transnacional para o qual o apoio é mínimo entre as populações.
Portanto, aí está a verdadeira agenda atlanticista – os toques finais sendo aplicados no arco que vai do G1+parceiros juniores até Bilderberg (devem-se esperar telefonemas crucialmente importantes da Áustria para Washington, na 6ª-feira, 12/6/2015).É a OTAN comercial. Pivotagem para a Ásia, excluindo Rússia e China. Ocidente vs. o resto.
Agora, o contragolpe. Enquanto rolava o show nos Alpes Bávaros, acontecia em Moscou o primeiro Fórum Parlamentar dos BRICS – antes da reunião de cúpula dos BRICS em Ufa, mês que vem (julho/2015).
Reuniões dos BRICS e OCX em Ufa, Rússia (jul/2015)
Neoconservadores – com Obama puxando a fila – desfalecem de gozo, sonhando que a Rússia estaria “isolada” do resto do mundo, por causa das sanções deles. Desde o começo das sanções, Moscou já assinou acordos econômicos/estratégicos com, pelo menos, 20 nações. No próximo mês, a Rússia hospedará a reunião de cúpula dos BRICS – 45% da população do planeta, PIB equivalente ao da UE, e em pouco tempo já terá ultrapassado o do atual G7 – e também a reunião da Organização de Cooperação de Xangai, quando Índia e Paquistão, atualmente membros-observadores, serão incorporados como membros plenos.
G1 + parceiros juniores? Vão procurar que-fazer! Vocês não são o único show na cidade, em nenhuma cidade.
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Nota dos tradutores
[1] O substantivo abstrato “austeridade” tem em português do Brasil a seguinte sinonímia: “autocontrole, autodomínio, circunspeção, circunspecção, comedimento, compostura, continência, critério, desafetação, despojamento, discrição, equilíbrio, frugalidade, gravidade, juízo, lhaneza, método, moderação, modéstia, ordem, parcimônia, ponderação, prudência, recolhimento, regra, reserva, respeito, retraimento, rigor, sensatez, senso, seriedade, severidade, simplicidade, singeleza, siso, sisudez, sobriedade, sofrósina, têmpera, temperança, tino, virtude, vulto, além de restrição e vigor”.


Pretender que o FMI obraria para obrigar países pobres e chantageados a operar com gravidade, juízo, tino, temperança é piada (quando não é descarada poka vergonha). Não é porque no Grupo GAFE (Globo, Abril, FSP e Estadão), de cada duas palavras, três são para “informar” que o governo democrático do Brasil é formado de malucos e ladrões, dedicados a torrar dinheiro como doidos e sem qualquer sabedoria ou compostura, que deveríamos insistir nós também, sempre na mesma trilha de repetição.
  • Os marxistas SEMPRE sabemos mais e melhor que qualquer imprensa-empresa e mais, até, que muuuuita FGV e FEA-USP & Chicago Boys.
  • A coisa não é “austeridade”. A coisa é ARROCHO.
  • Melhor dar à coisa o nome certo.

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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books.

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