Paul Singer: 'O PT tem que optar entre as vantagens do poder e seu projeto para o país'
Decepcionado com o partido, ele afirma que o último congresso passou em branco. Mas defende que não é possível esquecer o legado que o PT deixou ao Brasil
Najla Passos - na Carta Maior
CM - Poucos dias antes do 5º Congresso do PT, o senhor disse, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o PT poderia perder sua base social, por conta dessa política econômica do governo Dilma. Como o senhor avaliou o Congresso, já que essa vontade de mudança, de pelo menos grande parte da militância, não teve muita acolhida?
PS - Naquela entrevista, eu mencionei o Congresso, que não tinha acontecido ainda, na esperança de que ele discutisse essas e muitas outras questões, que o PT fizesse uma autocrítica do seu papel na conjuntura atual. Congresso é para isso. Agora, eu não tenho nenhuma notícia de que isso aconteceu. A imprensa não tratou do assunto.
CM - Eu li alguns artigos de pessoas que estiveram presentes. E me parece que ficou tudo como está. Nenhuma mudança programática, nem de procedimentos internos. Nenhum movimento na direção da criação da Frente Popular, que era um dos caminhos de enfrentamento proposto que, inclusive, o senhor defendia.
PS - A primeira reação minha ao que você tá me contando é que foi um congresso que passou em branco. Por que será? Era a hora de discutir o que está acontecendo, sem querer fuxicar, puxar briga, mas o PT tem que fazer um balanço. Eu acho que nós precisamos fazer um outro congresso. Eu li na imprensa uma fala do Lula que me impressionou muito. Ele diz que o PT, devido ao longo período no poder, se “aburguesou”. Ele não usou esse termo, mas disse que não há mais ninguém que queira fazer alguma coisa pelo partido de graça. Tudo tem que ser pago. E não era assim no PT. Nunca foi.
CM - O PT está se tornando igual aos demais partidos?
PS - O que a fala do Lula traz de importante é que o PT tem que optar entre essas pequenas vantagens pessoais e seu projeto. Quando ele fala que o PT precisa de uma nova utopia, ele está de alguma maneira usando um linguajar que eu, de certa maneira, comecei a usar. Não que eu seja dono da expressão. Mas a palavra utopia é muito expressiva, porque significa uma proposta à sociedade de como nós achamos que o país deveria ser. E isso dentro de uma democracia é essencial. Um partido político tem que expor a sua utopia, a sua ideia do que há e do se deve fazer. E isso o PT está deixando de fazer.
CM - Por quê? Aquele mundo que o PT propunha lá na sua fundação já é inviável, venceu, precisa de atualização? Ou é o PT que não é mais aquele?
PS - A pergunta é muito boa, porque me faz pensar. Eu diria o seguinte. O PT realizou coisas importantes. Muitos analistas falam que foi o melhor governo da república. O governo do Lula, do Lula e da Dilma, e eu acho que há motivos para isso. Não há garantia de que seja o melhor, mas ninguém tirou tanta gente da miséria quanto os governos do PT. E isso para mim é fundamental. Absolutamente fundamental. Os longos anos de pleno emprego foram importantíssimos para o Brasil. Importante para o movimento sindical ou movimento operário, para a esquerda de uma forma geral. Primeiro, porque foi a esquerda que conseguiu realizar isso. Numa escala, eu diria que isso é surpreendentemente grande. E seria injusto ignorar isso. O PT não é a Dilma neste momento. É um momento difícil para ela, as intenções, a meu ver, são boas. Poderão se viabilizar ou não. Ninguém sabe ainda. Vai demorar meses e etc.
CM – Na sua avaliação, um governo do PT poderia fazer diferente?
PS - Eu queria dizer o seguinte. Há uma parte importantíssima da classe dominante, que nunca foi PT, nem esquerda, mas com a qual nós temos interesses em comum. Estou me referindo a burguesia industrial. Para nós, do Partido dos Trabalhadores, ter uma indústria crescendo seria importante. E, pelo contrário, essa indústria está em um processo de contração. Ela está ficando cada dia menor. Pelo que estou sabendo, em parte pelo grande volume de importação de produtos que antes nós fabricávamos no Brasil e, agora, estamos importando da China, principalmente, ou da Coreia. Esses produtos não são fabricados mais no Brasil e mais empregos se perdem, de modo de que aí eu tenho uma crítica a fazer: seria importante taxar essas importações, porque o sistema comercial internacional permite isso. Um país não pode discriminar o produto estrangeiro, isso é o livre-comércio. Mas, se este produto estrangeiro causa um prejuízo seja à indústria, seja à agricultura do país, esse país tem o direito de defender sua população. Ao meu ver, isso não está sendo usado.
CM - Esse mecanismo de defesa já foi usado no Brasil?
PS - Se não me engano, até o Fernando Henrique, a uma certa altura, usou para a importação de brinquedos. A indústria de brinquedos do Brasil estava praticamente na lona, porque vieram enormes quantidades de brinquedos da china. Daí ele usou esse dispositivo e taxou, tornou mais caro os chineses. E, de fato, a indústria brasileira de brinquedos sobreviveu. É interessante porque ele é um adversário, mas de vez em quando acerta.
Eu diria que a situação atual tanto pode melhorar, porque há sinais de que parte do empresariado está ganhando confiança por melhores condições. Por outro lado, como o ajuste fiscal está cortando fundo no gasto público, uma grande parte do comércio, mas também da indústria, não vai investir em ampliar a produção porque não vai vender. Nem faz sentido. Então, é preciso mudar um pouco a política, no sentido de crescer, que é o que a Dilma realmente quer. E, acredito, é o que o Joaquim Levy também quer. Mas, até agora, fora alguns sinais como a subida da bolsa, ainda não se vê concretamente uma retomada. O que os capitalistas estão fazendo, no momento, pelo menos, é mandar gente embora ou dar férias coletivas.
CM - O governo Dilma tem como, por meio de políticas públicas, proteger mais os trabalhadores?
PS - Neste Programa de Proteção ao Emprego, que o governo colocou em ação como Medida Provisória, os trabalhadores estão sendo colocados à disposição dos empreendimentos sem trabalhar e ganhando bem menos. Isso se faz no mundo inteiro. É muito melhor você licenciar o trabalhador, ainda que ele vá ganhar bem menos, para depois voltar a trabalhar. Porque se você o despede, ele está despedido e tem que achar algum outro emprego, o que nesta condição é quase impossível.
CM - E como vai a economia solidária no Brasil? Está conseguindo avançar, mesmo em tempos de cortes e de ajuste fiscal?
PS - Está sim, particularmente no campo. A agricultura familiar é hoje uma parcela significativa da produção agrícola. Não é a maior ainda. O agronegócio é maior, mas ela cresceu bem e está em melhores condições, inclusive de qualidade de vida, com menos pobreza. Fundamentalmente, o grande benefício que a agricultura familiar traz ao Brasil é a agroecologia, ou seja, uma agricultura absolutamente saudável não só para quem consome, mas para o ambiente. A agricultura cheia de produtos químicos polui a terra, polui a água, polui o ar. Nós deveríamos, se possível, proibir esse tipo de agricultura, porque ela destrói, cria desertos. Então, aqui a economia solidária tem um papel importante. Hoje eu almocei na Torre de TV, aqui em Brasília, com uma rede de cooperativas chamada Rede Terra. Comi uma comida boa, produzida por uma rede de mais de 400 cooperativas de toda essa área do Distrito Federal, de Goiás. A economia solidária dá uma contribuição nesse sentido. Sem a economia solidária isso poderia acontecer? Talvez, mas acho menos provável. A economia solidária organiza os trabalhadores, que são os donos dos meios de produção.
CM - Porque há uma demanda de mercado, das pessoas que querem comer com mais qualidade, e há, obviamente, a necessidade de tirar esses pequenos agricultores da pobreza. O governo, então, está conseguindo dar uma resposta positiva no sentido de organizar essa rede?
PS - Nós já temos convênios com 16 estados que fazem políticas de economia solidária, que têm uma secretaria ou uma superintendência que fazem essa política, que têm uma lei que institui a economia solidária e uma assembleia, porque a política é feita em consulta aos que praticam a economia solidária. Neste sentido, está havendo progresso. O número de municípios já deve ser alguma coisa em torno de 20% do total, o que não é pouco. O que nós conseguimos fazer foi levar a economia solidária aos rincões mais pobres ou relativamente pobres, através do Programa Brasil Sem Miséria. E isso a gente deve à Dilma. Ela fez essa promessa e fez o que pode para cumpri-la. Então, a economia solidária está cumprindo determinadas funções e tarefas que me parecem muito boas.
CM - E como se dá a disputa com o agronegócio, que é forte neste governo? O agronegócio freia o espaço da economia solidária ou ambos crescem em paralelo, sem interferências?
PS - O Brasil é muito grande e eu sempre tomo cuidado em generalizar, mas a tendência do agronegócio é muito agressiva e, inclusive, expulsa os pequenos. Temos inúmeras provas disso. Desde os indígenas, que foram quase exterminados. Hoje em dia, muitos camponeses ainda perdem suas terras também. Agora, o agronegócio está se opondo a determinação do território dos quilombos. A lei permite que o quilombo seja propriedade coletiva daquela comunidade. E o agronegócio está claramente contra indígenas e contra quilombos. Eu acho que tanto os indígenas quanto os quilombolas são os verdadeiros brasileiros. E também são verdadeiros socialistas ou comunistas, se assim você quiser chamar. Eu tenho muita admiração por essas populações que a gente chama de tradicionais. Eu fico comovido. Como as cooperativas de quebradeira de nozes do babaçu. São cooperativas grandes, daquela região entre a Amazônia e o Nordeste. E elas se organizaram em cooperativas que funcionam. Conseguem trabalhar, já conseguiram mecanizar parte da extração dos produtos. Os indígenas pedem economia solidária. Eles precisam de nós, no sentido de darmos uma certa assistência técnica e jurídica. Então, só o fato da economia solidária não discriminar as mulheres, eu já acho fantástico.
CM - Não é difícil para o senhor lutar com o agronegócio dentro do governo?
PS - É curioso, mas o agronegócio fica meio na defensiva. A Kátia Abreu é a nossa ministra da Agricultura, que falou que no Brasil não tem latifúndio. Mas ela não está contra a economia solidária, não tem nos enfrentado. Nós estamos com uma lei legalizando a economia solidária. Hoje, 90% dos empreendimentos de economia solidária são informais, e isso prejudica muito, inclusive porque eles não podem vender nos mercados que exigem nota.
CM - É uma lei que está em gestação?
PS - É, uma lei em gestação que já foi aprovada em várias comissões e está em vias de ser aprovada. E um deputado que é fazendeiro requereu que esta lei passasse pela Comissão de Agricultura. E nem vejo muita razão, porque a lei que instaura a economia solidária não é só da agricultura. Mas tudo bem. A lei ficou uns meses lá e essa comissão é 90% agronegócio. Mas, por fim, esta Comissão não mudou a lei, não fez nenhuma emenda, mas chamou uma audiência para discutir a lei. E a OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras] mandou três ou quatro jovens mulheres que são do setor jurídico. E elas fizeram propostas de mudanças. Eu fui ver e aprovei todas. Elas não queriam inviabilizar a lei, mas melhorá-la, de modo que, neste momento, entre nós e a OCB não há grandes divergências. E eu sempre tive total apoio da presidenta Dilma, dos diferentes ministros da Secretaria Geral da Presidência, antes o Gilberto [Carvalho], agora o Rosseto [Miguel], de modo que eu tenho apoio muito amplo de todos os lados do governo, inclusive da presidência. Seria até deselegante eu omitir isso. Eu tive muito apoio na época do Lula, que era um entusiasta da economia solidária. Dos ministros, nem tanto, porque ainda havia oposição ao cooperativismo dentro do próprio Ministério do Trabalho. Porque há um certo antagonismo entre sindicatos e cooperativas. E aqui é a casa dos sindicatos, mas das cooperativas também. Mas nunca deu grandes problemas. Não me sinto desamparado. Temos cooperação de 22 ministérios que estão no Conselho Nacional de Economia Solidária, de modo que o governo Lula nos ajudou muito, não só criou a Senaes [Secretaria Nacional de Economia Solidária], mas também apoiou a causa. E a Dilma também.
Na segunda parte da entrevista que concedeu à Carta Maior, o economista e sociólogo Paul Singer analisa os desafios do partido que ajudou a fundar, 12 anos após ele ter se tornado governo: do desencanto da sua base social com a política de ajuste fiscal do governo Dilma Rousseff a sua falta de capacidade de continuar a apresentar uma utopia ao país.
Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Singer também anuncia as boas novas que vêm dessa atividade que abraçou como intelectual e militante. Para ele, é a economia solidária que organiza os verdadeiros socialistas do país. E, apesar da voracidade do agronegócio, garante que ela está avançando.
Confira:
Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Singer também anuncia as boas novas que vêm dessa atividade que abraçou como intelectual e militante. Para ele, é a economia solidária que organiza os verdadeiros socialistas do país. E, apesar da voracidade do agronegócio, garante que ela está avançando.
Confira:
CM - Poucos dias antes do 5º Congresso do PT, o senhor disse, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o PT poderia perder sua base social, por conta dessa política econômica do governo Dilma. Como o senhor avaliou o Congresso, já que essa vontade de mudança, de pelo menos grande parte da militância, não teve muita acolhida?
PS - Naquela entrevista, eu mencionei o Congresso, que não tinha acontecido ainda, na esperança de que ele discutisse essas e muitas outras questões, que o PT fizesse uma autocrítica do seu papel na conjuntura atual. Congresso é para isso. Agora, eu não tenho nenhuma notícia de que isso aconteceu. A imprensa não tratou do assunto.
CM - Eu li alguns artigos de pessoas que estiveram presentes. E me parece que ficou tudo como está. Nenhuma mudança programática, nem de procedimentos internos. Nenhum movimento na direção da criação da Frente Popular, que era um dos caminhos de enfrentamento proposto que, inclusive, o senhor defendia.
PS - A primeira reação minha ao que você tá me contando é que foi um congresso que passou em branco. Por que será? Era a hora de discutir o que está acontecendo, sem querer fuxicar, puxar briga, mas o PT tem que fazer um balanço. Eu acho que nós precisamos fazer um outro congresso. Eu li na imprensa uma fala do Lula que me impressionou muito. Ele diz que o PT, devido ao longo período no poder, se “aburguesou”. Ele não usou esse termo, mas disse que não há mais ninguém que queira fazer alguma coisa pelo partido de graça. Tudo tem que ser pago. E não era assim no PT. Nunca foi.
CM - O PT está se tornando igual aos demais partidos?
PS - O que a fala do Lula traz de importante é que o PT tem que optar entre essas pequenas vantagens pessoais e seu projeto. Quando ele fala que o PT precisa de uma nova utopia, ele está de alguma maneira usando um linguajar que eu, de certa maneira, comecei a usar. Não que eu seja dono da expressão. Mas a palavra utopia é muito expressiva, porque significa uma proposta à sociedade de como nós achamos que o país deveria ser. E isso dentro de uma democracia é essencial. Um partido político tem que expor a sua utopia, a sua ideia do que há e do se deve fazer. E isso o PT está deixando de fazer.
CM - Por quê? Aquele mundo que o PT propunha lá na sua fundação já é inviável, venceu, precisa de atualização? Ou é o PT que não é mais aquele?
PS - A pergunta é muito boa, porque me faz pensar. Eu diria o seguinte. O PT realizou coisas importantes. Muitos analistas falam que foi o melhor governo da república. O governo do Lula, do Lula e da Dilma, e eu acho que há motivos para isso. Não há garantia de que seja o melhor, mas ninguém tirou tanta gente da miséria quanto os governos do PT. E isso para mim é fundamental. Absolutamente fundamental. Os longos anos de pleno emprego foram importantíssimos para o Brasil. Importante para o movimento sindical ou movimento operário, para a esquerda de uma forma geral. Primeiro, porque foi a esquerda que conseguiu realizar isso. Numa escala, eu diria que isso é surpreendentemente grande. E seria injusto ignorar isso. O PT não é a Dilma neste momento. É um momento difícil para ela, as intenções, a meu ver, são boas. Poderão se viabilizar ou não. Ninguém sabe ainda. Vai demorar meses e etc.
CM – Na sua avaliação, um governo do PT poderia fazer diferente?
PS - Eu queria dizer o seguinte. Há uma parte importantíssima da classe dominante, que nunca foi PT, nem esquerda, mas com a qual nós temos interesses em comum. Estou me referindo a burguesia industrial. Para nós, do Partido dos Trabalhadores, ter uma indústria crescendo seria importante. E, pelo contrário, essa indústria está em um processo de contração. Ela está ficando cada dia menor. Pelo que estou sabendo, em parte pelo grande volume de importação de produtos que antes nós fabricávamos no Brasil e, agora, estamos importando da China, principalmente, ou da Coreia. Esses produtos não são fabricados mais no Brasil e mais empregos se perdem, de modo de que aí eu tenho uma crítica a fazer: seria importante taxar essas importações, porque o sistema comercial internacional permite isso. Um país não pode discriminar o produto estrangeiro, isso é o livre-comércio. Mas, se este produto estrangeiro causa um prejuízo seja à indústria, seja à agricultura do país, esse país tem o direito de defender sua população. Ao meu ver, isso não está sendo usado.
CM - Esse mecanismo de defesa já foi usado no Brasil?
PS - Se não me engano, até o Fernando Henrique, a uma certa altura, usou para a importação de brinquedos. A indústria de brinquedos do Brasil estava praticamente na lona, porque vieram enormes quantidades de brinquedos da china. Daí ele usou esse dispositivo e taxou, tornou mais caro os chineses. E, de fato, a indústria brasileira de brinquedos sobreviveu. É interessante porque ele é um adversário, mas de vez em quando acerta.
Eu diria que a situação atual tanto pode melhorar, porque há sinais de que parte do empresariado está ganhando confiança por melhores condições. Por outro lado, como o ajuste fiscal está cortando fundo no gasto público, uma grande parte do comércio, mas também da indústria, não vai investir em ampliar a produção porque não vai vender. Nem faz sentido. Então, é preciso mudar um pouco a política, no sentido de crescer, que é o que a Dilma realmente quer. E, acredito, é o que o Joaquim Levy também quer. Mas, até agora, fora alguns sinais como a subida da bolsa, ainda não se vê concretamente uma retomada. O que os capitalistas estão fazendo, no momento, pelo menos, é mandar gente embora ou dar férias coletivas.
CM - O governo Dilma tem como, por meio de políticas públicas, proteger mais os trabalhadores?
PS - Neste Programa de Proteção ao Emprego, que o governo colocou em ação como Medida Provisória, os trabalhadores estão sendo colocados à disposição dos empreendimentos sem trabalhar e ganhando bem menos. Isso se faz no mundo inteiro. É muito melhor você licenciar o trabalhador, ainda que ele vá ganhar bem menos, para depois voltar a trabalhar. Porque se você o despede, ele está despedido e tem que achar algum outro emprego, o que nesta condição é quase impossível.
CM - E como vai a economia solidária no Brasil? Está conseguindo avançar, mesmo em tempos de cortes e de ajuste fiscal?
PS - Está sim, particularmente no campo. A agricultura familiar é hoje uma parcela significativa da produção agrícola. Não é a maior ainda. O agronegócio é maior, mas ela cresceu bem e está em melhores condições, inclusive de qualidade de vida, com menos pobreza. Fundamentalmente, o grande benefício que a agricultura familiar traz ao Brasil é a agroecologia, ou seja, uma agricultura absolutamente saudável não só para quem consome, mas para o ambiente. A agricultura cheia de produtos químicos polui a terra, polui a água, polui o ar. Nós deveríamos, se possível, proibir esse tipo de agricultura, porque ela destrói, cria desertos. Então, aqui a economia solidária tem um papel importante. Hoje eu almocei na Torre de TV, aqui em Brasília, com uma rede de cooperativas chamada Rede Terra. Comi uma comida boa, produzida por uma rede de mais de 400 cooperativas de toda essa área do Distrito Federal, de Goiás. A economia solidária dá uma contribuição nesse sentido. Sem a economia solidária isso poderia acontecer? Talvez, mas acho menos provável. A economia solidária organiza os trabalhadores, que são os donos dos meios de produção.
CM - Porque há uma demanda de mercado, das pessoas que querem comer com mais qualidade, e há, obviamente, a necessidade de tirar esses pequenos agricultores da pobreza. O governo, então, está conseguindo dar uma resposta positiva no sentido de organizar essa rede?
PS - Nós já temos convênios com 16 estados que fazem políticas de economia solidária, que têm uma secretaria ou uma superintendência que fazem essa política, que têm uma lei que institui a economia solidária e uma assembleia, porque a política é feita em consulta aos que praticam a economia solidária. Neste sentido, está havendo progresso. O número de municípios já deve ser alguma coisa em torno de 20% do total, o que não é pouco. O que nós conseguimos fazer foi levar a economia solidária aos rincões mais pobres ou relativamente pobres, através do Programa Brasil Sem Miséria. E isso a gente deve à Dilma. Ela fez essa promessa e fez o que pode para cumpri-la. Então, a economia solidária está cumprindo determinadas funções e tarefas que me parecem muito boas.
CM - E como se dá a disputa com o agronegócio, que é forte neste governo? O agronegócio freia o espaço da economia solidária ou ambos crescem em paralelo, sem interferências?
PS - O Brasil é muito grande e eu sempre tomo cuidado em generalizar, mas a tendência do agronegócio é muito agressiva e, inclusive, expulsa os pequenos. Temos inúmeras provas disso. Desde os indígenas, que foram quase exterminados. Hoje em dia, muitos camponeses ainda perdem suas terras também. Agora, o agronegócio está se opondo a determinação do território dos quilombos. A lei permite que o quilombo seja propriedade coletiva daquela comunidade. E o agronegócio está claramente contra indígenas e contra quilombos. Eu acho que tanto os indígenas quanto os quilombolas são os verdadeiros brasileiros. E também são verdadeiros socialistas ou comunistas, se assim você quiser chamar. Eu tenho muita admiração por essas populações que a gente chama de tradicionais. Eu fico comovido. Como as cooperativas de quebradeira de nozes do babaçu. São cooperativas grandes, daquela região entre a Amazônia e o Nordeste. E elas se organizaram em cooperativas que funcionam. Conseguem trabalhar, já conseguiram mecanizar parte da extração dos produtos. Os indígenas pedem economia solidária. Eles precisam de nós, no sentido de darmos uma certa assistência técnica e jurídica. Então, só o fato da economia solidária não discriminar as mulheres, eu já acho fantástico.
CM - Não é difícil para o senhor lutar com o agronegócio dentro do governo?
PS - É curioso, mas o agronegócio fica meio na defensiva. A Kátia Abreu é a nossa ministra da Agricultura, que falou que no Brasil não tem latifúndio. Mas ela não está contra a economia solidária, não tem nos enfrentado. Nós estamos com uma lei legalizando a economia solidária. Hoje, 90% dos empreendimentos de economia solidária são informais, e isso prejudica muito, inclusive porque eles não podem vender nos mercados que exigem nota.
CM - É uma lei que está em gestação?
PS - É, uma lei em gestação que já foi aprovada em várias comissões e está em vias de ser aprovada. E um deputado que é fazendeiro requereu que esta lei passasse pela Comissão de Agricultura. E nem vejo muita razão, porque a lei que instaura a economia solidária não é só da agricultura. Mas tudo bem. A lei ficou uns meses lá e essa comissão é 90% agronegócio. Mas, por fim, esta Comissão não mudou a lei, não fez nenhuma emenda, mas chamou uma audiência para discutir a lei. E a OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras] mandou três ou quatro jovens mulheres que são do setor jurídico. E elas fizeram propostas de mudanças. Eu fui ver e aprovei todas. Elas não queriam inviabilizar a lei, mas melhorá-la, de modo que, neste momento, entre nós e a OCB não há grandes divergências. E eu sempre tive total apoio da presidenta Dilma, dos diferentes ministros da Secretaria Geral da Presidência, antes o Gilberto [Carvalho], agora o Rosseto [Miguel], de modo que eu tenho apoio muito amplo de todos os lados do governo, inclusive da presidência. Seria até deselegante eu omitir isso. Eu tive muito apoio na época do Lula, que era um entusiasta da economia solidária. Dos ministros, nem tanto, porque ainda havia oposição ao cooperativismo dentro do próprio Ministério do Trabalho. Porque há um certo antagonismo entre sindicatos e cooperativas. E aqui é a casa dos sindicatos, mas das cooperativas também. Mas nunca deu grandes problemas. Não me sinto desamparado. Temos cooperação de 22 ministérios que estão no Conselho Nacional de Economia Solidária, de modo que o governo Lula nos ajudou muito, não só criou a Senaes [Secretaria Nacional de Economia Solidária], mas também apoiou a causa. E a Dilma também.
Créditos da foto: EBC
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