Moro e a “bastilha” (ao revés) da mídia, por Luciano Martins Costa

22 de junho de 2015 | 19:27 Autor: Fernando Brito
bastilha
Um dos melhores e mais argutos olhares sobre a mídia, o de Luciano Martins Costa, aponta hoje, em seu programa no Observatório da Imprensa, um efeito evidente – mas pouco ou nada comentado –  da cobertura dada à prisão de dirigentes de empresas na “Lava Jato”: a execração pública que leva à condenação prévia dos acusados.
Luciano mostra a mecânica ditatorial que funciona neste processo, ampliando – até o avassalamento, muitas vezes – o poder discricionário dos “agentes da lei” e de um juiz.

Errada, certa, fundada ou não, as razões acusadoras se tornam uma verdade absoluta, à qual negar se torna, na prática, uma heresia.
Um “espírito da Bastilha” ao revés: em lugar da revolução, a restauração dos velhos poderes políticos.
Antes do trecho que reproduzo (a íntegra está aqui) , ele propõe um raciocínio simples:” (…) alguém tem dúvida de que, se o empresário Marcelo Odebrecht estivesse sendo investigado por obras no metrô de São Paulo, ele estaria respondendo a um eventual processo em liberdade?”
A única ditadura que ameaça – ou mais que isso, se implanta, agora – o Brasil é a da mídia.

Condenações a priori

Luciano Martins Costa, (trecho) no Observatório da Imprensa
As discussões sobre a condução de processos que ganham holofotes na imprensa são inconclusivas, não apenas porque o jornalismo declaratório reflete o interesse da mídia tradicional, mas também porque altera o poder discricionário dos investigadores e da Justiça.
Essa relação convergente entre o desejo do investigador e do julgador – de ver confirmadas suas suposições – e a oferta, pela mídia, de um aval para essas versões, cria uma lente que pode distorcer os fatos. Por isso, é interessante observar como a nota publicada pela Odebrecht (ver aqui), que ocupa meia página de jornal, insere uma quantidade considerável de dúvidas nas acusações que ocupam muitas páginas dos mesmos diários. No entanto, o que predomina no imaginário do público, com toda certeza, é a convicção de que a empresa não apenas está envolvida no esquema da Petrobras, como era o eixo principal do suposto cartel.
A imagem de um empresário poderoso algemado mexe com as emoções, e a imprensa sabe manipular esse “espírito da Bastilha”. Alguns teóricos da comunicação observam que a mídia tradicional ganha uma espécie de sobrevida justamente quando exerce o papel de ancorar alguns aspectos das múltiplas informações que formam o ambiente hipermediado. Essa é uma função diversa daquela tradicional, de mediar os fatos tidos como relevantes.
O jornal Valor Econômico contribui para o entendimento de como se dá essa ancoragem, na reportagem principal do caderno especial de fim de semana, sobre como o foco se transforma em artigo de luxo no ambiente saturado de informação.
Ao selecionar os elementos que serão inseridos na agenda pública, e definir a versão predominante dos fatos, a imprensa está exercendo um poder discricionário – de prender o foco do público em um aspecto específico de acontecimentos complexos.
A imagem dos empresários algemados significa uma condenação a priori. Nesse contexto, a liberdade de imprensa, exercida com um viés específico, se reverte em cerceamento de outras liberdades, como o direito de alguém demonstrar que está sendo injustamente acusado de um crime.

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