Fernando Brito: Palmas para a Suprema Corte americana. Mas é bom lembrar que aqui já vale há quatro anos
26 de junho de 2015 | 22:37 Autor: Fernando Brito
Merece os mais efusivos aplausos a decisão da Suprema Corte dos EUA afirmando que nenhuma lei estadual poderá impedir a união entre pessoas do mesmo sexo.
É monstruoso negar direitos – porque impedir de viver, ninguém impede – que duas pessoas que vivam juntas não tenham a mesma proteção que outras, se forem do mesmo sexo.
Mas é curioso que nossa mídia não tenha “comemorado” tanto o fato de que no Brasil, há quatro anos, em votação unânime (e não pelos apertados 5 a 4 da Corte americana), derrotou, no dia 5 de maio de 2011, um pedido de um membro do Ministério Público para que se derrubasse uma decisão da Justiça Estadual que permitia a adoção de uma criança por um casal homossexual.
O então advogado que defendeu o direito ao reconhecimento da união homoafetiva ao par do casamento ou da união heterossexual foi o hoje Ministro Luiz Roberto Barroso, que atuou em defesa da constitucionalidade que reconhecia, na previdência estadual do Rio de Janeiro, os direitos dos companheiros/companheiras do mesmo aos benefícios dados aos cônjuges heterossexuais, caso que foi anexado ao da adoção no Paraná.
Toda esta onda dos fundamentalistas aqui, portanto, é esperneio e propaganda.
E, por isso, a decisão americana, aqui, só tem mesmo um impacto: como eles acham tudo lindo por lá, fica esta turma sem um argumento, embora ele não precisem bem de argumentos, tantas são as “verdades” que dizem carregar.
Tem que ficar claro, para as pessoas, que este debate – o do direito dos homossexuais de formarem suas famílias – não é algo a ser conquistado, aqui, mas a ser cumprido e respeitado, o que deve ser, pois já tem, e faz tempo, força de lei.
O resto é nosso “complexo de vira-latas”, pois temos, neste campo, legislação muito mais avançada, desde a Constituição de 1988 que, na prática, torna iguais o casamento e a união estável e, portanto, segundo a decisão de 2011 do Supremo, a união homoafetiva.
Nos Estados Unidos, a decisão foi muito menos abrangente, embora seja apresentada como uma “formalização” do “casamento gay” – outra expressão sem qualquer sentido.
Usou-se, aliás, como base a Emenda 14 da Constituição dos EUA, de 1868, que diz que nenhum Estado da Federação (americana) deve “privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal.” Esta emenda, feita três anos após o fim da Guerra Civil naquele país foi, editada para que os estados do Sul, ex-confederados, legislassem vingativamente.
Como todo avanço das liberdades, individuais ou coletivas, a decisão de hoje deve ser saudada.
Mas sem esquecer o quanto é reacionário o âmago do pensamento norte-americano e o quanto é parco seu reconhecimento da igualdade humana, tanto que agem como agem em muitas – ou quase todas – partes do mundo e dentro de seu próprio país com muitos imigrantes, como se os não-americanos (americanos são eles só, né?) não fossem tão humanos quanto eles.
E, também, lembrando que, aqui no Brasil, não faz muito tempo, já vivemos um ambiente de tolerância e respeito aos direitos de todos – independente se sua orientação sexual, ideológica, sua origem étnica ou credo religioso – que, infelizmente regrediu à barbárie, pelo empoderamento de fundamentalistas religiosos, pela ação histérica de parte do Judiciário e pela ação da mídia, que se diz democrata, mas promove, apóia e insufla os autoritários.
Esses são os ultravioletas e os infravermelhos que não aparecem aqui no espectro do arco-íris que o esperto Mark Zuckerberg, farejando sempre oportunidades, espalhou pelos facebooks.
Sempre é bom festejar o que é bom.
O problema é esquecer o quanto se caminhou aqui, porque isso faz parecer que estivemos andando na direção errada antes.
Não estávamos, a direção errada é coisa que nos foi imposta nos últimos tempos.
E pela onda conservadora que ocupa, neles, todos os espaços.
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