Fernando Brito: Como o jornalismo “de mercado” esfaqueia a verdade

5 de junho de 2015 |  Autor: Fernando Brito
facas
O caso, triste e trágico, da morte do médico Jaime Gold ilustra como poucos – de como se faz propaganda com ares de jornalismo neste país –  e com muito apoio, é certo, de parte da polícia e das instituições judiciais.
Primeiro, pelo “o caso está esclarecido” que, até agora, mudou três vezes de assassino, como naqueles joguinhos viciados de malandro, onde as forminhas de empada são trocadas de um lado para o outro para que se descubra onde está o grão de feijão. (Sobre isso, veja o ótimo texto da jornalista Sylvia Debossan Moretzsohn, no Observatório da Imprensa).
Depois, e sobretudo, pelo clima de histeria que se construiu em torno do uso de uma faca – como se o grave, gravíssimo, não se tratasse de  um assassinato,com que arma ou e onde fosse – e da ideia de que havia, de repente, surgido uma legião de marginais a fazerem assaltos com peixeiras
.
Há ladrões usando facas e, se alguém acha que não, pode me perguntar, porque fui assaltado a faca no final dos anos 70, quando “dei mole” e atravessei a Avenida Presidente Vargas por uma passarela, às 22 h, em lugar de cruzá-la em meio aos carros em alta velocidade.
Mas, os jornais, na ânsia de explorar a comoção de um assassinato na Lagoa, despejaram uma chuva de punhais sobre a cidade.
Agora, os dados do Mapa da Violência mostram que, ao revés- embora mate-se muito no Rio de Janeiro-  é aqui que menos se mata a facadas.
5,2% das mortes, perto de um terço da taxa de Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul. Menos de um quarto dos 22,6% da taxa de emprego de armas brancas na pacata Santa Catarina.
Mata-se muito, repito, mas o “x” do problema está longe de ser a faca, mas a  criminalidade que sorve parte de nossa juventude e a banalização da violência, feita todos os dias pelas empresas de comunicação.
E, mais que tudo, a ideia de que somos fadados a sermos inferiores, que “o Brasil não tem jeito” e que, afinal, “só matando, mesmo”.
Facas, armas, cadeias a granel – quem sabe, logo, cadeiras elétricas? – tudo para enxugar o gelo de uma sociedade que se urbanizou, se agigantou e se modernizou mas perdeu suas referências de valores pessoais e sociais, porque há quarenta anos lhe inculcam que o possível aqui é ter sucesso fugaz  e dinheiro rápido, como se as conquistas materiais de uma vida não fossem lentamente construídas com os anos, mesmo para quem tem esforço e capacidade.
Os meus caros colegas irão dizer que amanhã a percentagem reveladora estará nos jornais e se terá cumprido a missão de informar “ouvidos os dois lados”.
Que dois lados, o da exploração histérica e o da verdade discreta?
Olhem os comentários dos sites dos  jornais e vejam como é quase inútil repor a verdade.
Já há uma matilha de lobos urrando, dizendo que é mentira, que as facas voam e assobiam a cada esquina e eles se encarregam de repetir, cada vez mais agressivos, o coro que impede qualquer discussão séria sobre o que é sério: a defesa do direito de vivermos numa situação minimamente pacífica e segura para os cidadãos, todos os cidadãos.
As facadas da mídia sobre a mente de seus leitores fazem feridas difíceis de curar e não raro infeccionam o tecido social.
Deixamos de amar a vida, a educação, o convívio sadio e múltiplo de uma sociedade e passamos a viver de medo e de ódio, em nome de um desejo de paz que, hipocritamente, apregoam.

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