Emir Sader: O catastrofismo, uma via para a catástrofe

O futuro se constrói abrindo novos horizontes, novas perspectivas, novas utopias, resgatando o que fomos capazes de construir.

por Emir Sader em 05/06/2015 - na Carta Maior


Emir Sader

- Seguir no labirinto ou jogar tudo pela janela? O falso dilema -
 
Quando a história nos coloca dilemas difíceis de resolver, o catastrofismo é um bom consolo: tudo vai para o pior dos mundos. Ou mudamos tudo radicalmente, abandonando tudo o que foi feito até aqui ou despencaremos inevitavelmente no abismo que nos aguarda ali na esquina.
 
Nessas visões coincidem vozes distintas. Por um lado, as bem intencionadas, que acusam como as formas predatórias de vida predominantes dilapidam os recursos naturais, aprofundam formas de vida irresponsáveis, fazem o mundo se aproximar de catástrofes naturais e sociais. São vozes que absolutizam tendências realmente existentes, sem levar em conta as contra tendências. É o problema de todo catastrofismo: isolam tendências e as projetam para o futuro, sem tomar em consideração as outras diretrizes igualmente presentes, de forma contraditória, na realidade concreta. Terminam se refugiando numa visão escatológica, que não capta os movimentos e as contra tendências que disputam a hegemonia no mundo realmente existentes. São vozes que sempre existiram e servem como chamados morais sobre os riscos presentes nos dilemas atuais, sem servir para orientar a construção de vias alternativas nos marcos históricos do mundo real.


 
Por outro, estão as aves de rapina, aquelas que só aparecem quando aparentemente não existem alternativas concretas e eles pretendem apontar para soluções messiânicas, que jogariam tudo pela janela, para aderir a suas visões intelectualistas e sem nenhum vínculo com a realidade concreta. São fabricantes de programas para todo politico que lhe solicite, de distintas tendências, dispostos a contratar seu verbo. São os mesmos que haviam anunciado catástrofes irresolúveis no fim do século passado e nunca se renderam aos avanços que países como o Brasil e outros da região conseguiram avançar, em meio a labirintos que pareciam insolúveis.
 
Simples é abandonar o caminho quando parece que todas as vias apontam para a mesma direção, quando parece que os labirintos nos condenam a repetir caminhos sem saída. Dificil é seguir a sábia orientação: de um labirinto se sai por cima, ao invés de ficar rodando interminavelmente pelos seus meandros de sempre.
 
O ceticismo que corre solto por aí, típico de época em que as alternativas não aparecem claras, joga tudo pela janela.  Como não valoriza a forma espetacular de reação dos governos progressistas latino-americanos a uma situação similar a esta – em que parecia que não se sairia mais nem do neoliberalismo, nem do endividamento com o FMI -,  afirma que nada de importante aconteceu neste século.
 
Senão, teria que valorizar que o continente mais desigual do mundo – e, dentro dele, em especial o Brasil, o pais mais desigual do continente mais desigual – tenha conseguido diminuir a pobreza, a miséria, a exclusão social e a desigualdade. Tendo construído, num marco internacional e recebendo uma herança maldita, um modelo que conseguiu retomar o crescimento econômico intrinsecamente vinculado à maior distribuição de renda que nossa historia já conheceu.
 
O Brasil precisa dar uma virada na sua trajetória. O esquema montado por Lula entrou em crise.  Mas a alternativa não pode desconhecer tudo o que foi construído. Ao contrário, terá como objetivo a forma de preservar e aprofundar tudo o que foi conquistado. Não se trata nem de retroceder ao que havia antes, nem de desconhecer tudo o que foi avançado.
 
O futuro se constrói abrindo novos horizontes, novas perspectivas, novas utopias, mas resgatando o que fomos capazes – contra vento e tempestade, contra todos os ceticismos e os catastrofismos – de construir.

Comentários