DW: Morales diz que Bolívia não quer acordo econômico com a UE

Em entrevista à DW, presidente diz que está em Bruxelas para compartilhar suas experiências de crescimento econômico com os europeus, critica o que chama de intervenção externa na Venezuela e não descarta novo mandato.
Em entrevista exclusiva à DW em Bruxelas, o presidente da Bolívia, Evo Morales, descartou com veemência qualquer acordo de livre comércio de seu país com a União Europeia (UE). "Não, de jeito nenhum", declarou.
"Temos nosso próprio modelo econômico e não precisamos implementar políticas de livre comércio. O que trouxe o livre comércio entre México e Estados Unidos? O movimento indígena no México me contou que agora eles comem tortilha norte-americana e não mexicana. Isso é livre comércio", afirmou.

Morales também criticou o que chamou de intromissões externas na Venezuela. "Eu não concordo com a intromissão aberta dos Estados Unidos. Depois de 50 anos de bloqueio econômico a Cuba, agora querem preparar uma intervenção na Venezuela. Cada país que resolva seus problemas."
Sobre as críticas europeias às prisões de oposicionistas venezuelanos, foi contundente: "Que país que não tem esse tipo de problemas? Na Bolívia, os opositores confundiam autonomia com separatismo, não queriam autonomia, queriam independência. Eles serão processados pela Justiça boliviana."
O líder boliviano também não descartou mudar a Constituição para alcançar um novo mandato. "Minha experiência como presidente é obedecer ao povo. Se o povo pedir para mudar a Constituição, eu obedecerei."
DW: O senhor tem alguma expectativa especial para a cúpula entre a Comunidade de Países Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia (UE)?
Evo Morales: Viemos para buscar um trabalho conjunto entre a Europa, a América Latina e o Caribe. Nossos povos precisam de mudanças em questões estruturais, principalmente na parte econômica. Não é possível que em alguns países da Europa haja uma crise financeira, desemprego crescente. Sinto que essas políticas estão equivocadas. Depois de uma mudança na estrutura econômica, a Bolívia começou a se desenvolver. Estou aqui para compartilhar nossa experiência.
Qual deve ser o papel da Celac e da UE com relação ao atual conflito interno que vive a Venezuela?
Primeiro, a Celac deve defender a democracia da Venezuela. A República Bolivariana da Venezuela foi instaurada democraticamente, seu modelo econômico deve ser respeitado. Chavéz nacionalizou os recursos naturais da Venezuela.
Os problemas políticos são internos, como em qualquer país, há diferenças políticas. Eu não concordo com a intromissão aberta dos Estados Unidos. Depois de 50 anos de bloqueio econômico a Cuba, agora querem preparar uma intervenção na Venezuela. A América Latina e o Caribe devem apoiá-la, respeitar suas decisões, e cada país que resolva seus problemas.
E a União Europeia? Os europeus expressam continuamente sua preocupação com a prisão de líderes da oposição...
Que país que não tem esse tipo de problemas? Além disso, se algum país europeu faz uma observação sobre a Venezuela, por que não faz sobre os Estados Unidos, que é para onde vão os corruptos? Em todos os países há oposição. Na Bolívia, os opositores confundiam autonomia com separatismo, não queriam autonomia, queriam independência. Eles serão processados pela Justiça boliviana. Se alguém ameaça a vida de pessoas, tem que ser processado conforme as leis internas de cada país.
Assim, eu não concordo com a opinião da Europa. Se assim pensa é porque é aliada dos Estados Unidos, que, sob qualquer pretexto, mostra suas verdadeiras intenções, que são dominar para saquear os recursos naturais.
Os EUA não gostaram que a Venezuela nacionalizou seus recursos naturais. Talvez haja países europeus que também não tenham gostado. Se respeitamos a soberania, devemos respeitá-la em todos os países. Nossa política não é se meter nos assuntos de algum país europeu.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) premiou a Bolívia, a República Dominicana e a Costa Rica por suas conquistas no combate à fome. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), porém, criticou a Bolívia por sua legislação sobre trabalho infantil. Qual é o peso da relação com instituições internacionais no seu governo?
Respeitamos as instituições criadas pela humanidade e os organismos criados pelas Nações Unidas, como a FAO ou a OIT. No entanto, eu não concordo com as observações da OIT. Eles vivem em outro mundo. Eu mesmo já recebi as crianças trabalhadoras. Não fizemos essa lei ouvindo quem está em cima, mas quem está embaixo.
Uma coisa é a exploração infantil, outra coisa é que uma criança, uma vez que já possa fazer uso da razão, apoie a sua família. Uma criança que trabalha desde pequena tem mais consciência social, é mais responsável e estuda. E, assim, se torna um profissional melhor. Há diferenças, há outro tipo de jovens: os dos automóveis, com bebidas, com música nas ruas.
Nossa lei visa proteger essa criança que se educa dignamente com muito esforço. E, se para isso é preciso mudar os tratados internacionais, nós mudaremos. Não aceito reprimendas da OIT.
O senhor está no seu terceiro mandato. Cogita-se a mudança na Constituição para a reeleição ilimitada. Caso ela ocorra, o senhor prevê também um mecanismo de controle democrático, como a moção de censura do sistema parlamentarista alemão, por exemplo?
Eu não conheço o sistema alemão, mas a minha experiência como presidente é obedecer ao povo. Se o povo pedir para mudar a Constituição, eu obedecerei. Até agora estou muito satisfeito, não é nenhuma pretensão pessoal.
Quem irá cooperar com a Bolívia na exploração de suas reservas de lítio. Será o Irã ou a China?
É a Bolívia. Nenhum país tem cooperado, buscamos sócios. Houve chantagens do Japão, da Coreia do Sul e de algumas empresas da França. Depois que superamos nossos problemas de natureza científica, instalamos laboratórios. Montávamos baterias de lítio em Palca, e esses laboratórios eram dirigidos por estrangeiros. Há um mês eu estive lá, e eram todos bolivianos. Eles se especializaram na Coreia do Sul, com nossos próprios recursos. Agora vem a grande indústria. Se quiserem dividir experiências, são bem-vindos, mas é a Bolívia que a vai explorar. Não será o Irã, não será o Japão nem a Alemanha.
O senhor leva em conta os impactos ambientais dessa extração, assim como os dos planos de energia nuclear? A Constituição boliviana, assim como a equatoriana, aborda os direitos da terra e o "bem viver".
Levamos em conta o respeito ao meio ambiente para qualquer desenvolvimento agroindustrial, mineral, metálico ou não metálico. Mas não como fazem os países desenvolvidos, que, sob o pretexto do meio ambiente, não deixam que nos desenvolvamos. Vamos avançar na energia nuclear com fins pacíficos.
Estou certo de que, no G7 e no G20, não querem nosso desenvolvimento. Quanto mais ignorante, melhor para eles. Quanto menos indústria, melhor para eles. Isso acabou. Faz parte de nossa libertação política, econômica e também tecnológica.
México e Chile renovaram seus acordos com a UE. O Equador se uniu ao da Colômbia e Peru. A Bolívia também vai se unir ao acordo dos países andinos? Ou vai se unir ao que o Mercosul provavelmente vai fechar?
Temos nosso próprio modelo econômico e não precisamos implementar políticas de livre comércio. O que trouxe o livre comércio entre México e Estados Unidos? O movimento indígena no México me contou que agora eles comem tortilha norte-americana e não mexicana. Isso é livre comércio.
Insisto no acordo com a União Europeia. Se o Mercosul assinasse, a Bolívia não assinaria?
Não, de jeito nenhum.
  • Data 10.06.2015
  • Autoria Mirra Banchón, de Bruxelas (cn)

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