Diferenças de abordagem


4/6/2015,  El Murid – Slavyangrad.org
Tradução do russo/inglês, Gleb Bazov e ing/port., Vila Vudu


Cinturão Econômico e a Nova Rota da Seda
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“… Os EUA não estão prontos para entrar em guerra pela Ucrânia [como fizeram no Iraque], disse a repórteres o secretário de Imprensa da Casa Branca Joshua Ernest, na 3a-feira, 23/5/2015. 
Esclareceu assim a posição dos EUA, ao responder a uma pergunta sobre diferentes modos de Washington abordar as situações na Ucrânia e no Iraque...”


O Secretário de Imprensa nada disse de novidade. O objetivo dos EUA não é pôr soldados na Ucrânia, mas criar situação tal em que a Rússia seja forçada a envolver suas forças militares na região. De fato, sequer é relevante que a Rússia seja forçada a envolver soldados seus naquela guerra em resposta a algum confronto militar direto entre Rússia e Ucrânia, ou, simplesmente, porque alguma ameaça emane do território ucraniano.

Apesar do total absurdo desse pressuposto (sobre ameaças a serem ainda inventadas), nem tudo aí é ficção. A Ucrânia tornou-se ameaça crítica contra a Rússia, independente de quaisquer possíveis cenários futuros que se venham a configurar. Na essência, o objetivo dos EUA é forçar a Rússia a repetir o erro que os EUA já cometeram – quando os EUA congelaram seus militares no Iraque e no Afeganistão, os EUA perderam toda sua força efetiva que tivessem na política global, porque se tornaram incapazes de ameaçar fosse quem fosse, com outras intervenções militares diretas.

O fato de que os EUA visam a minar a “Grande Rota da Seda” da China, gigantesco projeto de infraestrutura que conectará todos os continentes – interrompendo a rota na Ásia Central e no Pacífico – não é segredo, nem seria possível ocultar intenção desse tipo.

A região que foi a Ásia Central Soviética é ponto focal, um nodo – e o ataque está sendo preparado por métodos bem desenvolvidos de revoluções coloridas. De diferente, só, que dessa vez os cenários conhecidos estarão seriamente aumentados pela ação dos Talibã e do Estado Islâmico (EI), cuja expansão será orientada por corredores que estão sendo preparados.

Cinturão Econômico e a Nova Rota da Seda-pontos quentes 
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Considerando as sérias tensões entre os Talibã afegãos e o Estado Islâmico, os norte-americanos estão tentando construir dois corredores, de tal modo que não haja intersecções entre esses dois poderosos elementos de desestabilização da construção na qual se empenham os chineses. Pelo menos, durante o primeiro estágio da expansão do projeto chinês.

Para dominar a Ásia Central, os EUA precisam excluir da política regional, na medida do possível, os principais atores políticos regionais, todos enormemente afetados pelo desenvolvimento dos eventos – em primeiro lugar e sobretudo o Iraque e a Rússia, mas também, em alguma medida, o Paquistão.

Para cada um desses atores estão sendo criados conflitos nos quais os EUA esperam que aqueles países intrometam-se e afundem-se, e quanto mais longe esses conflitos sejam de teatros futuros de novas operações militares, e quanto mais intensivos sejam, maior a chance que os EUA têm de conseguirem desestabilizar completamente a região da Ásia Central. Depois de ter interrompido essa porção da Rota da Seda chinesa, os EUA terão então de concluir a campanha no Oceano Pacífico. Aí os EUA serão obrigados a atuar com a própria capacidade “pessoal” – porque as oportunidades para ação indireta nessa área são poucas.

Já é perfeitamente visível o que, precisamente, será usado para distrair a atenção dos russos – um conflito difícil e prolongado por toda a fronteira ocidental do país, dos países bálticos ao Mar Negro. É difícil prever se esse conflito virá a converter-se em confronto militar direto, mas é indiscutível que a Rússia será obrigada a aumentar sua presença militar nessa área. Considerando que não há unidades e formações suficientemente preparadas para combate em nosso exército russo, o flanco sul será inevitavelmente deixado substancialmente descoberto.

Para excluir a possibilidade de uma manobra, é possível que os russos venhamos a enfrentar uma expansão de legiões estrangeiras falantes de russo do Estado Islâmico no Cáucaso. Isso, claro, se os EUA conseguirem distrair a atenção do extremamente difícil de controlar Shura(Conselho) do Estado Islâmico, afastando-o da direção sul contra a Arábia Saudita – a qual, por ela mesma, tem importância considerável para os EUA, porque a Península Arábica desempenha papel chave como fornecedora de petróleo à China.

Cinturão Econômico e a Nova Rota da Seda - Pontos/Linhas quentes e Front da OTAN
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Na essência os dois pontos de vista diametralmente opostos no establishment norte-americano surgem de um conflito de interesses: não está decidido qual dos dois objetivos parece ter mais alta prioridade na construção de um corredor de expansão para o Estado Islâmico – a Península Arábica ou o Norte do Cáucaso (e, com ele, a região do Baixo Volga).

De um modo ou de outro, o conflito na Ucrânia, e agora o problema crescente da Transnístria, tem muito maior importância para os planos globais dos EUA do que simplesmente resolver problemas regionais na Europa.

É absolutamente imperativo para os EUA manter e continuar a inflamar o conflito, para manter as Forças Armadas russas em estado de prontidão para agir contra uma variedade de ameaças que lhe vêm do ocidente. O período ao longo do qual esse conflito continuará é determinado pelo estado de prontidão dos EUA para lançar processos de desestabilização na Ásia Central. Pelo que se pode ver hoje, estamos falando de um ano e meio, a dois anos.

Naturalmente, não se trata de teorema matemático, e não pode ser perfeitamente calculado previamente. Porém, os líderes russos parecem esperar que haja numerosas oportunidades, seja para alguma manobra, seja para rejeitar simultaneamente várias ameaças. A má notícia é que todas as contra-respostas reativas que estão sendo preparadas têm a forma de ações diretas.

Ações indiretas, como se pode ver do exemplo do Donbass, parecem ser extremamente ineficientes. As Colusões de Minsk tiveram o objetivo de deter Kiev e, em geral, de baixar o nível da ameaça que vinha da Ucrânia. Em alguma medida, funcionou; mas imediatamente surgiram conflitos e tensões na Transnístria, e não é clara a direção que tomarão. Os erros e tropeços que aconteceram no ano passado – quando era possível e necessário liquidar a Junta e eliminar a ameaça que vinha de Kiev – converteu-se hoje em completa ausência de iniciativa pelo lado de Moscou a qual, portanto, está sendo empurrada para posição secundária. Não há dúvidas de que, se a Rússia conseguir, de algum modo, resolver o problema da Transnístria, imediatamente os EUA criarão outro problema – provavelmente nos países bálticos.

Em termos estritamente racionais, a indecisão do Kremlin na questão ucraniana pode ser explicada precisamente pela constatação de que o Kremlin perdeu a iniciativa, e de que qualquer movimento criará imediatamente novo nodo de tensões, que então terão de ser contidas pelos mesmos meios diretos – fortalecendo a concentração de militares na direção oeste, a qual, como se vê, parece já ter ultrapassado todos os níveis de tolerância.

A inefetividade de métodos indiretos que excluiriam a necessidade de aplicar força militar direta ou a ameaça disso decorrente, a ausência de instrumentos para conduzir a guerra híbrida moderna, e as políticas sem nenhum talento no Donbass e na Crimeia tornam praticamente ilusória a possibilidade de a Rússia reconquistar a iniciativa. 

Marcha rumo a Kiev?
, é claro, uma possibilidade-oportunidade. E não apenas uma. Exigiria completa revisão das políticas no Donbass, a remoção de todas as marionetes, a criação de autoridades governamentais adequadas capazes de controlar efetivamente os territórios, e a criação de formações armadas adequadas, em lugar das Milícias – além do reinício das hostilidades, no rumo de uma marcha sobre Kiev.

Se tal decisão parece impraticável por causa das obrigações que Moscou assumiu em Minsk, resta a possibilidade de criar uma luta indireta com Kiev mediante o estabelecimento de um governo no exílio e um Exército Ucraniano de Libertação Nacional sob comando do mesmo governo no exílio. Essa estrutura nada tem a ver com os acordos de Minsk nem, portanto, com obrigações assumidas lá.

Claro é que métodos não triviais exigem abordagens não triviais; porém, até agora as coisas têm andado estritamente de acordo com o cenário dos norte-americanos, para o qual inúmeras versões são perfeitamente aceitáveis – e todas visam a empurrar a Rússia cada vez mais profundamente num grande conjunto de problemas.

Agora, os russos temos de tomar a iniciativa; transferir nosso papel “por acordo” a uma entidade nova ou a outra entidade, e assim nos distanciar do conflito. Se fizer isso, a Rússia livrará substancialmente a própria mão para ganhar espaço para manobras no espaço geopolítico e com recursos adequados. 

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