A “austeridade” (Tucanaram o arrocho!) não é irracional
9/6/2015, [*] John Milios, Jacobin Magazin
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Alexis Tsipras (E) e Jean-Claude Juncker |
Depois da eclosão da crise econômica global de 2008, políticas de arrocho extremo passaram a prevalecer em muitas partes do mundo capitalista desenvolvido, especialmente na União Europeia (EU) e na Eurozona. O arrocho (sempre ocultado sob a palavra “austeridade”) tem sido criticado como política irracional, que aprofundaria a crise econômica, criando um ciclo vicioso de demanda efetiva em queda, recessão e super endividamento. Nenhuma dessas críticas contudo explica por que tal política tão ‘irracional’ ou ‘errada’ persiste, apesar de seus “fracassos”.
Na realidade, as crises econômicas manifestam-se não só na ausência de demanda efetiva, mas, sobretudo, numa redução dos lucros da classe capitalista. O arrocho [sempre chamado “austeridade”, mesmo que de austeridade nada tenha] é a estratégia para fazer aumentar os lucros.
O arrocho é a pedra angular fundamental das políticas liberais. Na superfície, opera como estratégia para reduzir os custos da empresa. O arrocho reduz os custos trabalhistas do setor privado, aumenta o lucro por unidade de custo (do trabalho) e, assim, faz aumentar os lucros.
E o arrocho é complementado com economia no uso do “capital material” (infelizmente, outra exigência que mascara a estratégia); e também por mudanças institucionais que, por outro lado, aumentam a mobilidade e a capacidade competitiva do capital e, também, fortalecem o poder dos gerentes na empresa e dos acionistas e proprietários na sociedade. No que tenha a ver com consolidação fiscal, o arrocho [é ARROCHO! Nada tem de austeridade!] dá prioridade a cortes no orçamento, não à renda pública, ao reduzir impostos sobre o capital e grandes rendas e ao fazer encolher o estado de bem-estar.
Contudo, o que é custo para a classe capitalista é meio de vida para a maioria da sociedade. Aplica-se também ao estado de bem-estar, cujos serviços podem ser vistos como uma modalidade de salário social.
É claro pois que o arrocho é política de classe, antes de qualquer outra coisa. Promove ininterruptamente os interesses do capital contra os interesses dos trabalhadores, profissionais, aposentados, desempregados e grupos economicamente vulneráveis. No longo prazo, o arrocho visa a criar um modelo de trabalho com menos direitos e menor proteção social, com salários baixos e ‘flexibilizados’ e sem poder de barganha para os assalariados.
Plano grego para ARROCHO |
A tal “austeridade” [é ARROCHO] leva, sim, é claro, à recessão. Mas a recessão pressiona todos os empreendedores individuais, sejam capitalistas ou da média burguesia, a reduzir todos os tipos de custos, para acompanhar mais intensamente a via da mais valia relativa, isto é, para tentar consolidar a margem de lucro de antes, mediante cortes de salários, intensificação do processo de trabalho, violação de direitos trabalhistas adquiridos, desemprego e subemprego massivos, etc..
Do ponto de vista dos interesses do grande capital, a recessão dá origem assim a um processo de destruição criativa. Há uma redistribuição de renda e de poder que beneficia o capital, e concentração de riqueza em poucas mãos, porque as empresas pequenas e médias, principalmente empresas de varejo, vão sendo varridas do mundo por grandes empresas e shopping malls.
Essa estratégia tem sua própria racionalidade, que não é completamente óbvia logo ao primeiro olhar. A crise é vista como uma oportunidade para promover mudança histórica na correlação de forças em benefício do poder capitalista, submetendo as sociedades europeias (por exemplo) às condições impostas pelos mais violentos mercados financeiros, dedicados a jogar todo o peso das consequências da crise sistêmica do capital, sobre os ombros dos trabalhadores.
Essa é a razão pela qual, numa situação de forte intensificação de antagonismos sociais como a que atravessamos hoje, governos que desejem cerrar fileiras com os operários e a maioria da sociedade, não se podem deixar intimidar, não podem calar, nem podem sucumbir às pressões para continuar a aplicar políticas ditas “de austeridade”, mas que são, hoje, políticas DE ARROCHO.
Capital vs. Trabalhadores
O neoliberalismo é uma forma da governança capitalista, isto é, de organizar o poder do capital sobre as classes trabalhadoras e a maioria do grupo social. Ele baseia-se, por um lado no arrocho, como já ficou dito acima; e, pelo outro lado, no papel regulatório crucial dos mercados financeiros globalizados. A esfera financeira não é simplesmente o reino da especulação, não é um cassino – é, muito mais, um mecanismo supervisor.
Na análise que desenvolve no Volume 3 de Capital, Marx ilustra que o capital social está sendo ocupado por dois “sujeitos”: um “capitalista dinheiro” [orig. a “money capitalist”] e um “capitalista em funcionamento” [orig. “functioning capitalist”]. No curso do processo de empréstimo, o capitalista dinheiro torna-se receptor e proprietário de um seguro, vale dizer, de uma promessa escrita de pagamento que lhe faz o capitalista em funcionamento, o gerente.
No processo de produção, o capitalista funcional representa o capital contra os trabalhadores assalariados como propriedade de outros; e o capitalista financiador participa na exploração do trabalho, representada pelo capitalista funcional [2] [orig. “In the production process, the functioning capitalist represents capital against the wage-labourers as the property of others, and the money capitalist participates in the exploitation of labour as represented by the functioning capitalist”].
Com certeza há contradições secundárias entre os gerentes e os grandes investidores financeiros, mas são menores, em comparação com a contradição de classe capital-trabalho.
A empresa é entidade de duas faces, como Janus – compreendendo, de um lado o aparelho de produção propriamente dito e, de outro lado, sua existência financeira, as ações e bônus, as quais estão sendo comerciadas nos mercados financeiros globais.
A produção de mais valia é situação de campo de batalha no qual há resistência. Significa que o resultado final não pode de modo algum ser tomado por garantido. Técnicas de gerenciamento de riscos, organizadas dentro do próprio modo de funcionamento do mercado desregulado de dinheiro, são um ponto crítico na gestão da resistência advinda do trabalho e, assim, para promover e estabilizar o arrocho [ex-“austeridade”].
-- Você precisa apertar seu cinto |
Os mercados financeiros geram uma estrutura para supervisão da efetividade dos capitais individuais – quer dizer, um tipo de supervisão do movimento do capital. A demanda por alto valor financeiro pressiona os capitais individuais (as empresas) na direção de exploração mais intensiva e mais efetiva do trabalho, para maior lucratividade. Essa pressão transmite-se por grande variedade de diferentes canais.
Para dar um exemplo: quando uma grande empresa depende de mercados financeiros para financiar-se, cada suspeita de valorização indevida faz aumentar o custo do dinheiro, reduz a capacidade de encontrar financiamento disponível e deprime os preços de ações e bônus.
Confrontadas com tal clima, as forças do trabalho no ambiente politizado da empresa face ao dilema de decidirem se aceitam os termos pouco favoráveis a eles oferecidos pelos empregadores, o que implica perda do próprio poder de barganha, ou se encaram a possibilidade de perderem os próprios empregos: aceitar as “leis do capital” ou viver em insegurança e desemprego.
Essa pressão afeta toda a organização do processo de produção. Pressupõe, portanto, não só despotismo crescente dos gerentes sobre os trabalhadores, mas, também, a flexibilização no mercado de trabalho e alto desemprego. Assim se vê que a disciplina do mercado tem de ser concebida como sinônima da disciplina do capital.
O esboço teórico que tentei apresentar acima apreende o fenômeno da globalização capitalista e da financeirização como uma complexa tecnologia de poder, o principal aspecto da qual é a organização das relações capitalistas de poder. É uma tecnologia de poder formada de diferentes instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos, táticas e que incorpora padrões que permitem o exercício dessa função específica, embora muito complexa, que organiza a eficiência das relações capitalistas de poder mediante as operações dos mercados financeiros.
A maioria trabalhadora em praticamente todos os países capitalistas sempre se oporá ao encolhimento dos próprios salários e ao emprego precarizado, à degeneração dos serviços públicos e cortes, ao aumento dos custos de educação e atendimento à saúde, ao enfraquecimento das instituições democráticas, ao aumento da violência da repressão. Sempre conceberão a “crise do trabalho” (desemprego, trabalho precarizado e mal pago, etc.) como uma doença social que tem de ser tratada diretamente, ela mesma, não como efeito colateral da recuperação dos lucros.
A continuidade do arrocho [ex-“austeridade”] é, pois, questão da relação social de forças. Como Marx comentou sobre os limites do dia de trabalho:
O capitalista mantém seus direitos de comprador quanto tenta fazer o dia de trabalho o mais longo possível (...) Por sua vez (...) o trabalhador mantem seu direito de vendedor quando quer reduzir seu dia de trabalho a uma duração definida normal. Há aqui portanto uma antinomia, de direito contra direito, ambos portadores do selo da lei da troca. Entre direitos iguais, a força decide.
Além de certos limites, a sujeição de todas as partes da vida social ao inabalável funcionamento dos mercados e ao diktat da lucrabilidade pode funcionar como “risco político” para o establishment neoliberal, uma vez que pode facilmente disparar explosões sociais não controladas. É característico que Franklin D. Roosevelt em seu discurso no Madison Square Garden, em New York, dia 31/10/1936, tenha apresentado suas políticas do New Deal como um ponto equidistante entre o “dinheiro organizado” e a “máfia organizada”.
Europa após 3 anos de ARROCHO |
Na Eurozona, o risco político estaria sendo supostamente minimizado mediante a introdução de um quadro institucional no qual o arrocho [não é “austeridade”, é ARROCHO] seria o único modo de lidar com a instabilidade econômica e financeira.
No contexto usual do estado-nação, há uma única autoridade nacional fiscal por trás de um único Banco Central nacional. Como sabemos, não é assim na Eurozona: não há autoridade fiscal sólida e uniforme por trás do Banco Central Europeu (BCE). Os estados membros lançam dívidas numa moeda que não controlam em termos de banco central (não podem “imprimir” euros nem qualquer outro tipo de moeda, não, pelo menos, por período de tempo consideravelmente longo).
Os estados-membros nem sempre terão liquidez para recomprar papéis da própria dívida. Com isso, reduzir o estado de bem-estar passa a ser precondição para a solvência financeira.
As elites governantes europeias submeteram-se assim, voluntariamente, a alto grau de risco de calote do próprio fundo soberano, para assim consolidarem as estratégias neoliberais. Em outras palavras, elas decidiram conjuntamente explorar a crise como meio para super-neoliberalizarem a governança do Estado. Os estados-membros estão diante de um dilema: arrocho [não é “austeridade”, é ARROCHO], cortes e privatizações, ou risco de calote. Em termos gerais, são escolhas comensuráveis. Mesmo nesse último cenário, os estados-membros aceitariam um pacote de resgate, cujo conteúdo é só e sempre mais arrocho-cortes-privatizações.
Essa perspectiva conservadora reconhece como “moral hazard” [3] qualquer política que apoie os interesses da classe trabalhadora, amplie o espaço público, apoie o estado de bem-estar e organize a reprodução da sociedade além e por fora do objetivo dos mercados. [4]
Nesse quadro, a questão estratégica para o neoliberalismo da União Europeia é definir o nível de arrocho [não é “austeridade”; é ARROCHO] que levará a um equilíbrio ótimo entre o risco político e o moral hazard.
Em termos gerais, esses dois riscos, o “moral” e o “político” caminham em direções opostas devido às respectivas consequências na conjuntura política. Quando o moral hazard aumenta, o risco político declina, e vice-versa. Portanto, a tensão (quando os dois se encontram) resulta em equilíbrio apropriado entre eles.
As “autoridades independentes”, imunes a qualquer controle democrático, especialmente em questões relativas à economia (o grande exemplo, nisso, é o Banco Central Europeu), criam um mecanismo para detectar o equilíbrio entre aqueles dois “riscos”. Mas em todos os casos esses mecanismo sempre continua incompleto. A luta de classes sempre criará eventos contingentes.
O SYRIZA pode desafiar o neoliberalismo?
Depois de cinco anos de políticas de arrocho [não é “austeridade”; é ARROCHO] na Grécia e de mudanças no sistema político que conhecíamos (principalmente depois da derrubada do Partido Socialista, Pasok, que permaneceu no poder por mais de vinte anos nas últimas três décadas), as eleições nacionais de 25/1/2015 levaram à vitória da Esquerda. A coligação, depois partido SYRIZA, tendo conquistado 149 dos 300 assentos com voto no Parlamento Grego, formou um governo de coalizão com o partido ANEL (“Gregos Independentes”), pequeno partido antiarrocho, do campo político conservador.
-- Ele perdeu um braço e uma perna! -- Medidas de ARROCHO |
O mandato que os eleitores deram ao novo governo tem duas linhas claras: (a) pôr fim às políticas de “austeridade” arrocho; e (b) obter acordo com os credores oficiais do país (União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, chamados inicialmente “a troika” e atualmente referidos como “as instituições”) para cobrir as necessidades de financiamento do setor público da Grécia. O “buraco financeiro” do setor público grego é efeito hoje, principalmente, de políticas temerárias impostas pelas instituições como parte dos programas de “resgate” dos governos anteriores.
Dia 20/2/2015, o governo grego chegou a um acordo intermediário com os credores, que incluiu prorrogação por quatro meses do acordo então vigente [“Master Financial Assistance Facility Agreement” (MFFA)], assinado pelo governo anterior, baseado numa série de compromissos. Ao fim desse período de transição, um novo acordo será assinado entre Grécia e as instituições, o qual segundo o programa de governo incluirá novos limites fiscais para os próximos três ou quatro anos e um novo plano nacional para reformas.
O acordo de 20/2/2015 foi uma trégua – mas trégua não é, de modo algum, empate. Dado o fato de que as instituições decidem se os compromissos que a Grécia assumiu foram ou não alcançados, esse acordo comprovou ser nada além de mais um passo em terreno escorregadio. Como todas as decisões têm de ser aprovadas pelas instituições, até parcelas previstas de novos empréstimos para a Grécia, como apareciam no programa prévio, estão ainda pendentes, sujeitos a uma avaliação positiva pelas instituições.
O acordo não é inteiramente fechado a demandas que aumentam o “perigo moral” [moral hazard] como o veem as instituições, isto é, que visam a promover arranjos que beneficiem o estado de bem-estar e os interesses do trabalho. Mas o ponto chave dos acordos é que as instituições avaliarão, supervisionarão e denunciarão qualquer específica reforma que não crie problemas para as finanças públicas e que não ameace o futuro crescimento econômico e a estabilidade e funcionamento sem sobressaltos do sistema financeiro.
Essa avaliação-vigilância é sério impedimento, antes de qualquer outra coisa, à implementação do programa político do SYRIZA e das transformações que o partido busca.
Quanto a como o governo conseguirá atender às próprias necessidades de financiamento, é questão ainda aberta; e declarações do Banco Central Europeu e do FMI são provas eloquentes de que persiste a avaliação de que as novas reformas buscadas estão sendo interpretadas como substitutas dos mesmos compromissos assumidos pelo governo anterior, no acordo anterior.
Toda a análise que desenvolvemos até aqui leva-nos à conclusão de que temos uma relação internacional de forças que restringe significativamente a liberdade de ação sobre as finanças públicas mas, também, sobre outras áreas. Mesmo assim, o resultado final da negociação não será determinado nem por movimentos táticos, nem no “front externo”, mas no front constituído dentro da sociedade grega. A atual situação deixa o governo e o SYRIZA com uma única saída para escapar do curral neoliberal europeu: “avançar empurrando à frente” [orig. “storming forward”].
Avançar empurrando adiante, com o governo trazendo para a frente da luta os compromissos programáticos da agenda do SYRIZA, para distribuir renda e poder a favor do trabalho, para refundar o estado de bem-estar, a democracia e a participação popular na tomada de decisões. Avançar empurrando adiante, com o governo lançando uma reforma radical no sistema de impostos e tributos (de modo que o capital e o estrato mais rico da sociedade afinal tenham de pagar correspondentemente pela própria riqueza desigual); e avançando também na luta contra a corrupção de parte da elite econômica grega.
ARROCHO |
Para construir sobre bases novas as alianças sociais com as classes subordinadas, é urgentemente necessária uma nova onda de mudanças institucionais radicais domésticas. O que falta é um “memorando contra os ricos” doméstico, que trabalhe para melhorar as condições de vida do povo trabalhador. O slogan tantas vezes repetido como objetivo da esquerda, de que “o capital tem de pagar pela crise”, nunca antes foi mais diretamente ao ponto.
Essa dinâmica interna aumentará a efetividade das negociações com os emprestadores de dinheiro. A questão é política. É possível quebrar e nos livrar da armadilha neoliberal, se o governo grego deixar claro que, se for pressionado, e para não trair o mandato que recebeu dos eleitores, ousará suspender os pagamentos devidos até que se alcance acordo satisfatório com as instituições.
Para ser bem-sucedido nessa dinâmica interna, o governo grego deve manter-se fiel às preconcepções de classe que se leem no programa do SYRIZA: proteger os interesses da maioria da sociedade, contra os interesses da oligarquia capitalista.
Essa necessária tomada de posição e de lado seguidamente caracteriza os discursos e as declarações do Primeiro-Ministro Alexis Tsipras. Mas não aparece sempre na agenda do Ministro grego de Finanças, Yanis Varoufakis.
Logo depois da eleição, Varoufakis sugeriu publicamente que 70% do Memorando seria bom para a Grécia. O governo do SYRIZA não foi eleito por apoiar 70% do Memorando. Se o SYRIZA tivesse declarado tal coisa, provavelmente não estaria hoje no mapa do Parlamento, com papel decisivamente importante. Essas noções redefinem o mandato do SYRIZA e reduzem-se, na prática, a uma tentativa para mudar as alianças sociais que até agora vêm apoiando a experiência histórica de um governo de esquerda na Grécia.
Uma nova tentativa assemelhada veio também de Varoufakis, na seguinte declaração no 20º Fórum sobre Banking da União de Banqueiros Gregos, dia 22/4/2015:
No ano de 2015, depois de cinco anos de recessão catastrófica, na qual, de fato, todos são vítimas, só uns poucos espertos lucraram com a crise. A era em que governo de esquerda era por definição contrário ao empresariado já passou. Se alcançarmos um ponto em que haja crescimento, podemos voltar a falar de conflito de interesses entre trabalho e capital. Hoje estamos do mesmo lado.
Além do mais, é característico que no Memorando o crescimento econômico depende de exportações e qualquer aumento de salários é automaticamente considerado ‘inimigo’ da competitividade. Não importa o quanto todos os dados empíricos mostrem o quanto é errada essa perspectiva, ela ainda reflete o ponto de vista das instituições e, infelizmente, também do ministro das Finanças da Grécia.
A abordagem dominante que apresentamos não reflete só as posições do Ministro das Finanças. Parte considerável dos quadros do SYRIZA veem o arrocho [que, aliás, também chamam de “austeridade”...] e o Memorando como simples “erro econômico”, meramente no sentido de que constitui receita para mais recessão e não consegue estimular o crescimento.
Ruínas Gregas |
Numa sociedade na qual a perda de 25% do PIB e o empobrecimento de grande parte da população é apenas a parte visível da rápida intensificação das desigualdades sociais; numa sociedade na qual o desemprego em massa é complemento numérico de severa deterioração das condições de trabalho; numa sociedade de múltiplas contradições e expectativas, a política do governo do SYRIZA só se tornará hegemônica se o partido apoiar clara e decididamente os interesses da maioria trabalhadora em sua luta contra o capital.
Não há lugar para política que apenas defenda – e sempre frouxamente – qualquer coisa que seja declarada “grega” ou “europeia”. Essa abordagem jamais representou e jamais representará qualquer tipo de perspectiva de esquerda.
Estamos diante de um desafio histórico, e temos de responder a ele sem hesitações e sem vacilar.
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Notas dos tradutores
[1] “Notas sobre o pôquer”, Guy Debord, publicação póstuma, em Oeuvres Completes, Gallimard, 2006, pp. 1790-1791 (ing. em NOTBORED, aqui traduzido).
[2] A citação foi aqui traduzida, para ajudar a ler, sem revisão técnica. Todas as correções são bem-vindas.
[3] Lit. “risco moral” ou “perigo moral”. Há moral hazard quando alguém que esteja de algum modo protegido(a) contra algum risco passa a agir de modo diferente do que agiria se não tivesse aquela proteção: juízes com cargos vitalícios, que passam a julgar com descaso e negligência; professores efetivados nos cargos, que passam a descuidar das obrigações didático-pedagógicas; alguém que tenha seguro contra roubo de carro e passa a deixar o carro com portas abertas; e muitos outros casos. Também incorrem em moral hazard bancos que, definidos como “grandes demais para quebrar”, passam a ter comportamento indesejado e, mesmo, ilegal (mais sobre isso em Investopedia, ing.).
[4] Foi o que se viu no Brasil, quando deputados do PFL-DEM disseram que haveria “moral hazard” no caso dos beneficiários do Programa Bolsa Família, porque fariam “corpo mole” no caso de receberem dinheiro do Estado e deixariam de procurar emprego. É a tucanaria paulista uspeana pervertida, a raciocinar como se todos fôssemos vagabundos e safados como eles .
[5] O substantivo abstrato “austeridade” tem, em português do Brasil, a seguinte sinonímia: “autocontrole, autodomínio, circunspeção, circunspecção, comedimento, compostura, continência, critério, desafetação, despojamento, discrição, equilíbrio, frugalidade, gravidade, juízo, lhaneza, método, moderação, modéstia, ordem, parcimônia, ponderação, prudência, recolhimento, regra, reserva, respeito, retraimento, rigor, sensatez, senso, seriedade, severidade, simplicidade, singeleza, siso, sisudez, sobriedade, sofrósina, têmpera, temperança, tino, virtude, vulto, além de restrição e vigor”.
Pretender que o FMI obraria para obrigar países pobres e chantageados a operar com gravidade, juízo, tino, temperança é piada (quando não é descarada poka vergonha). Não é porque no Grupo GAFE (Globo, Abril, FSP e Estadão), de cada duas palavras, três são para “informar” que o governo democrático do Brasil é formado de malucos e ladrões, dedicados a torrar dinheiro como doidos e sem qualquer sabedoria ou compostura, que deveríamos insistir nós também, sempre nessa mesma trilha de repetição.
- Os marxistas SEMPRE sabemos mais e melhor que qualquer imprensa-empresa e mais, até, que muuuuita FGV e FEA-USP & Chicago Boys.
- A coisa não é “austeridade”. A coisa é ARROCHO.
- Demos à coisa o nome certo.
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[*] John Milios (em grego: grego: Γιάννης Μηλιός; nascido 1952 em Atenas) é um cientista social grego e estudioso de economia. É professor de Economia Política na Universidade Técnica Nacional de Atenas e membro do Comitê Central do Syriza. Autor de vários livros acadêmicos, Milios também é diretor da revista trimestral da teoria econômica Thesseis. Atualmente é Conselheiro Econômico-Chefe do Partido Syriza, vencedor das últimas eleições gregas.
Frequentou o prestigiado Athens College, tendo se formado na mesma classe que o ex-Primeiro-Ministro, George Papandreou, antes de se formar em Engenharia Mecânica na TU Darmstadt, Alemanha, onde recebeu seu Ph.D. em 1981.
Durante seus estudos, Milios tornou-se interessado em Economia Política, sendo que em 1988, recebeu seu segundo Ph.D. em Estudos Sociais e Econômicos na Universidade de Osnabrück, Alemanha.
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