Os refugiados asiáticos que ninguém quer, à deriva no mar
Discriminados na terra de onde vêm, abandonados, vítimas de um “jogo do empurra” entre países da região, milhares de refugiados e imigrantes estão à deriva no sudeste asiático, em barcos que são verdadeiras prisões flutuantes
“Há pessoas a beber a sua própria urina. Lançámos-lhes garrafas de água, tudo o que temos a bordo”, contou Jonathan Head, um dos repórteres que, na tarde desta quinta-feira, se aproximou de um barco à deriva, carregado com mais de 300 pessoas, muitas mulheres e crianças, ao largo da ilha Koh Lipe, na costa da Tailândia.
O cenário de desespero com que os jornalistas se depararam é um claro exemplo do drama que está a ser vivido por milhares de pessoas no sudeste asiático. “Não temos nada para comer há uma semana, não há lugar para dormir e os meus filhos estão doentes”, disse à AFP Sajida, 27 anos, uma das mulheres a bordo deste pesqueiro transformado em verdadeira prisão flutuante. Sajida embarcou com os quatro filhos, entre os dois e os oito anos, para se juntar ao marido, na Malásia, um destino cada vez mais longínquo.
Imagens de televisão mostram mães a chorar, crianças a implorar por ajuda. Numa bandeira negra erguida no barco parcialmente coberto por uma lona, para atenuar a fúria do sol, lê-se uma frase: “Somos rohingyas da Birmânia”. É esse o cartão-de-visita destes passageiros, gente discriminada na terra de onde vem, abandonada no mar, objecto de um jogo do empurra entre países da região que os repelem.
O barco foi encontrado na noite de quarta-feira por pescadores tailandeses e rebocado para águas malaias. Mais tarde, foi levado de volta para águas da Tailândia, segundo Chris Lewa, do Arakan Project, um grupo que trabalha com os rohingyas, citado pela Reuters.
“Estamos no mar há dois meses. Queríamos ir para a Malásia mas não conseguimos chegar”, gritou um dos refugiados aos jornalistas que se aproximaram. Abandonados no Mar de Andamão, que integra o Oceano Índico, sem comida nem água, com o motor da embarcação inutilizado, contaram que dez de entre eles morreram na viagem e que os seus corpos foram atirados à água.
Já depois do contacto com os repórteres, um helicóptero tailandês lançou embalagens de alimentos para a embarcação. Mas um major da Marinha disse à Reuters que o barco continua a não poder ancorar no país. Foi-lhes dada comida e água por uma questão de “direitos humanos” mas deverão seguir o seu caminho. O mesmo é dizer que deverão continuar sem lugar para onde ir. Tal como cerca de oito mil outros refugiados e imigrantes – estimativa da Organização Internacional para as Migrações – que estão nos mares do sudeste asiático, abandonados à sua sorte.
Há vários dias que organizações internacionais chamam a atenção para o problema e pedem uma solução para os rohingyas e para os imigrantes que fogem da pobreza no Bangladesh. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados alertou para o risco de um “desastre humanitário massivo”.
"Voltem para de onde vieram"
A Malásia, destino desejado por muitos, indiferente aos apelos das Nações Unidas e de organizações não-governamentais, claramente não os quer. O vice-ministro do Interior, Wan Junaidi Tuanku Jaafar, repetiu-o esta quinta-feira. “Estamos a dar-lhe um sinal, para voltarem para de onde vieram”, disse. “O país deles não está em guerra. Se não houver nenhum problema com o navio, podem voltar.”
A Malásia, destino desejado por muitos, indiferente aos apelos das Nações Unidas e de organizações não-governamentais, claramente não os quer. O vice-ministro do Interior, Wan Junaidi Tuanku Jaafar, repetiu-o esta quinta-feira. “Estamos a dar-lhe um sinal, para voltarem para de onde vieram”, disse. “O país deles não está em guerra. Se não houver nenhum problema com o navio, podem voltar.”
Organizações como a Human Rights Watch não hesitam em responsabilizar o governo birmanês por ter criado a crise devido às perseguições a que a minoria rohingya é sujeita num país onde vivem há gerações mas são considerados imigrantes ilegais.
Malásia e Indonésia receberam cerca de duas mil de pessoas no início da semana mas temem uma “invasão” e não querem receber mais boat people. O mais que fizeram, tal como a Tailândia, foi lançar operações limitadas de busca e auxílio. Para 29 de Maio está prevista uma reunião de países da região para discutir o problema.
O afluxo de refugiados e emigrantes em direcção à Malásia e a outros países da região, como a Indonésia, não é novo e já provocou algumas tragédias no mar. Agravou-se depois de a violência de extremistas da maioria budista da Birmânia se ter intensificado, em 2012. Só nos primeiros três meses de 2015 mais de 25 mil pessoas, segundo as Nações Unidas, rohingyas e emigrantes bengalis, procuraram chegar à próspera Malásia.
As rotas seguidas atravessavam o Sul da Tailândia. Mas, nas últimas semanas, a situação alterou-se. Depois da descoberta na selva de valas comuns nos trajectos da emigração, o Governo de Banguecoque declarou guerra ao tráfico de pessoas. A partir daí, a situação assumiu as actuais proporções. Em muitos casos, depois de pagos, os traficantes recusaram-se a desembarcar para não serem apanhados pelas autoridades tailandesas, abandonando os passageiros à sua sorte em pleno mar, quase sem víveres, por vezes sem que as embarcações tenham meios para se deslocarem, sem porto de destino.
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