Maria Inês Nassif: Integração da América do Sul tem muito entendimento e pouca operacionalização
Lula e Ernesto Samper presidente da Unasul concordam que investimento para infraestrutura são grande problema; investimento chinês pode ser a solução.
Maria Inês Nassif - na Carta Maior
Na última década, houve uma convergência das políticas internas dos países do continente. Samper lembrou que, após a saída do “pesadelo neoliberal”, que produziu o pesado saldo de 180 milhões de pessoas despejadas na pobreza, os países sul-americanos dedicaram-se de forma expressiva a investimentos sociais. “Nos últimos 10 anos, crescemos em investimento social e isso resultou na redução do analfabetismo, da mortalidade infantil e das condições alimentares e nutricionais dos mais pobres”, afirmou o ex-presidente colombiano. Numa nova etapa, os desafios não são menores. Como, por exemplo, o de “criação de 100 mil bons empregos” – “não empregos decentes, porque todos são, mas empregos dignos” – para os jovens que vão entrar no mercado de trabalho nos próximos anos. O outro é dar um passo além da transferência de renda. “Isso permitiu aos países da Unasul reduzir a pobreza, mas distribuir renda sem distribuir a riqueza torna o crescimento muito desigual”, disse o colombiano. Ambos os ex-presidentes concordaram que o investimento chinês nas obras de infraestrutura para integração do continente, desde que seja feito no âmbito da Unasul, pode resolver o que é hoje o maior gargalo à integração produtiva de seus países.
A infraestrutura é a precondição para enfrentar o desafio econômico de industrializar o continente e criar cadeias produtivas que beneficiem a todos os países. “Somos ricos em recursos naturais, temos 30% dos recursos hídricos do mundo, as maiores reservas de lítio e níquel, grandes reservas de cobre, uma biodiversidade maravilhosa e dois oceanos. Geoestrategicamente, esta é uma região maravilhosa. A desvantagem é que temos um modelo de desenvolvimento extrativista. Vendemos o que extraímos e produzimos da terra, mas esquecemos de agregar valor ao que a natureza nos dá”, disse Samper. A reindustrialização é necessária, mas deve ser buscada “voltando ao pensamento setorial do modelo cepalino” [da Cepal]. “Precisamos criar nossas próprias cadeias de valor”, afirmou Samper, lembrando que, hoje, 80% do comércio de bens e serviços é feito por meio de cadeias produtivas. O presidente da Unasul, contudo, acredita que o continente deve fugir da lógica das cadeias verticais, como atuam as multinacionais, e investir na ideia de cadeias horizontais, de forma a integrar a produção regional e aumentar a condição de produtividade dos países. “Para isso, estamos atrasados em infraestrutura”, concluiu.
O ex-presidente Lula lembrou que, em 2003, quando foi feito o esforço para fortalecer o Mercosul e criar a Unasul, o comércio na região do Mercosul era de US$ 15 bilhões. Hoje é US$ 65 bilhões. Na região da Unasul, o comércio passou de US$ 35 bilhões para US$ 120 bilhões no período. Nesse período, o continente teve uma feliz convergência de ter no comando dos países presidentes que eram favoráveis à integração regional, afirmou Lula. Ainda assim, isso não bastou para que as ações de política externa nessa área fossem mais rápidas e eficientes.
Segundo Lula, as decisões dos presidentes não conseguiram vencer a resistência das próprias burocracias de seu governo de avançar na concretização das intenções feitas nas reuniões dos mandatários desses países. Nem a atuação efetiva dos presidentes para formular um projeto de integração conseguiu vencer as resistências das máquinas de governo, e muitas vezes a concretização delas é barrada por decisões protelatórias. Da mesma forma, esse projeto não conseguiu se tornar realidade nos Executivos desses países. “Os Congressos não colocam esses assuntos entre suas prioridades e demoram anos para aprovar questões relativas a isto”, disse Lula. Da mesma forma, existe uma incompreensão de setores nacionais, especialmente no Brasil, em relação ao papel que um país-líder deve cumprir num esforço de integração regional. “No país, hoje, os conservadores criticam se há financiamento para um Porto Mariel, em Cuba, ou para o aeroporto de Caracas. É uma visão de que a política internacional tem que ser de submissão, e isso está errado”, afirmou. Em sua fala, Samper também registrou que nenhum programa de integração na região terá sentido se não for visto como relação de solidariedade.
A outra dificuldade é a questão financeira. Para Lula, as restrições que o BNDES impõe para qualquer financiamento o inviabilizam como agente financiador da integração regional. “Nosso banco de desenvolvimento é tão rígido que só empresta para quem não precisa". O Banco Interamericano e o Banco Mundial não têm capacidade de investimento. “Estou começando a achar que os chineses podem resolver parte de nosso problema, se a gente fizesse um acordo que envolva toda a América do Sul. Hoje não existe financiamento para essas obras. Os governos estão financiando todas as obras em andamento”.
O processo de integração da América do Sul é mais avançado no discurso do que na operacionalização. Os governos de esquerda que assumiram na região na última década, após um longo período de gestão econômica neoliberal, avançaram muito ao quebrarem desconfianças entre chefes de Estado, produziram resultados imediatos de aumento nas relações de comércio intrarregional, mas andam timidamente na concretização de projetos de crescimento regional e na construção de infraestrutura necessária a uma efetiva integração.
Por caminhos diferentes, o ex-presidente da Colômbia e secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegaram a essa mesma constatação no colóquio “A integração das cadeias produtivas na América Latina”, encontro promovido pelo Instituto Lula e pela Unasul em São Paulo, no dia 12 (quarta-feira), em São Paulo. Falta vontade política e faltam investimentos, e os Legislativos dos países não colocaram a integração em sua ordem de prioridades, na avaliação dos dois ex-presidentes.Na última década, houve uma convergência das políticas internas dos países do continente. Samper lembrou que, após a saída do “pesadelo neoliberal”, que produziu o pesado saldo de 180 milhões de pessoas despejadas na pobreza, os países sul-americanos dedicaram-se de forma expressiva a investimentos sociais. “Nos últimos 10 anos, crescemos em investimento social e isso resultou na redução do analfabetismo, da mortalidade infantil e das condições alimentares e nutricionais dos mais pobres”, afirmou o ex-presidente colombiano. Numa nova etapa, os desafios não são menores. Como, por exemplo, o de “criação de 100 mil bons empregos” – “não empregos decentes, porque todos são, mas empregos dignos” – para os jovens que vão entrar no mercado de trabalho nos próximos anos. O outro é dar um passo além da transferência de renda. “Isso permitiu aos países da Unasul reduzir a pobreza, mas distribuir renda sem distribuir a riqueza torna o crescimento muito desigual”, disse o colombiano. Ambos os ex-presidentes concordaram que o investimento chinês nas obras de infraestrutura para integração do continente, desde que seja feito no âmbito da Unasul, pode resolver o que é hoje o maior gargalo à integração produtiva de seus países.
A infraestrutura é a precondição para enfrentar o desafio econômico de industrializar o continente e criar cadeias produtivas que beneficiem a todos os países. “Somos ricos em recursos naturais, temos 30% dos recursos hídricos do mundo, as maiores reservas de lítio e níquel, grandes reservas de cobre, uma biodiversidade maravilhosa e dois oceanos. Geoestrategicamente, esta é uma região maravilhosa. A desvantagem é que temos um modelo de desenvolvimento extrativista. Vendemos o que extraímos e produzimos da terra, mas esquecemos de agregar valor ao que a natureza nos dá”, disse Samper. A reindustrialização é necessária, mas deve ser buscada “voltando ao pensamento setorial do modelo cepalino” [da Cepal]. “Precisamos criar nossas próprias cadeias de valor”, afirmou Samper, lembrando que, hoje, 80% do comércio de bens e serviços é feito por meio de cadeias produtivas. O presidente da Unasul, contudo, acredita que o continente deve fugir da lógica das cadeias verticais, como atuam as multinacionais, e investir na ideia de cadeias horizontais, de forma a integrar a produção regional e aumentar a condição de produtividade dos países. “Para isso, estamos atrasados em infraestrutura”, concluiu.
O ex-presidente Lula lembrou que, em 2003, quando foi feito o esforço para fortalecer o Mercosul e criar a Unasul, o comércio na região do Mercosul era de US$ 15 bilhões. Hoje é US$ 65 bilhões. Na região da Unasul, o comércio passou de US$ 35 bilhões para US$ 120 bilhões no período. Nesse período, o continente teve uma feliz convergência de ter no comando dos países presidentes que eram favoráveis à integração regional, afirmou Lula. Ainda assim, isso não bastou para que as ações de política externa nessa área fossem mais rápidas e eficientes.
Segundo Lula, as decisões dos presidentes não conseguiram vencer a resistência das próprias burocracias de seu governo de avançar na concretização das intenções feitas nas reuniões dos mandatários desses países. Nem a atuação efetiva dos presidentes para formular um projeto de integração conseguiu vencer as resistências das máquinas de governo, e muitas vezes a concretização delas é barrada por decisões protelatórias. Da mesma forma, esse projeto não conseguiu se tornar realidade nos Executivos desses países. “Os Congressos não colocam esses assuntos entre suas prioridades e demoram anos para aprovar questões relativas a isto”, disse Lula. Da mesma forma, existe uma incompreensão de setores nacionais, especialmente no Brasil, em relação ao papel que um país-líder deve cumprir num esforço de integração regional. “No país, hoje, os conservadores criticam se há financiamento para um Porto Mariel, em Cuba, ou para o aeroporto de Caracas. É uma visão de que a política internacional tem que ser de submissão, e isso está errado”, afirmou. Em sua fala, Samper também registrou que nenhum programa de integração na região terá sentido se não for visto como relação de solidariedade.
A outra dificuldade é a questão financeira. Para Lula, as restrições que o BNDES impõe para qualquer financiamento o inviabilizam como agente financiador da integração regional. “Nosso banco de desenvolvimento é tão rígido que só empresta para quem não precisa". O Banco Interamericano e o Banco Mundial não têm capacidade de investimento. “Estou começando a achar que os chineses podem resolver parte de nosso problema, se a gente fizesse um acordo que envolva toda a América do Sul. Hoje não existe financiamento para essas obras. Os governos estão financiando todas as obras em andamento”.
Créditos da foto: Ricardo Stuckert
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