Fernando Haddad: Quem está perdendo com o Braços Abertos?

Jornal GGN - O prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) disse em entrevista publicada nesta quinta-feira (28) que um dos desafios do programa de enfrentamento ao consumo de crack em regiões centrais da capital paulista, o De Braços Abertos, é lidar com os "agentes" interessados no fracasso do projeto.
Segundo Haddad, o programa reduziu o fluxo de usuários na região da Cracolândia (Luz), e isso, evidentemente, impactou no lucro de quem se beneficiava com o tráfico de drogas no local.

"Se a pessoa ganhar R$ 2 por pedra [vendida na Cracolândia], nós estamos falando de aproximadamente R$ 10 milhões de reais por ano. Esse dinheiro evaporou porque hoje caiu 80, 90% o consumo na região. Então, alguém perdeu muito dinheiro. Essa pergunta não se faz", comentou Haddad.
GGN reproduz, abaixo, alguns trechos da entrevista que Haddad concedeu à revista VICE.
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Revista VICE - Estivemos no primeiro desmanche da favelinha da Cracolândia em 2014, quando começou o programa Braços Abertos. Queremos saber como você vê o usuário de crack. Quem é esse sujeito?
Fernando Haddad - Olha, eu acho que nós não devemos estigmatizar em primeiro lugar, imaginando que exista um único perfil. O que eu vi na Luz, antes de lançar o Braços Abertos, foi um problema dramático. A partir dessa visão, que, na minha opinião, é muito mais sofisticada do que a visão tradicional sobre droga, você tem de enfrentar o problema a partir da questão social. É óbvio. Toda literatura atualizada vai nessa direção. Eu li com muito gosto o livro do Carl Hart [Um Preço Muito Alto]. E o que eu aprendi lendo esses livros e conversando com especialistas é que, se você não cuidar da questão social, você não tem a menor chance de recuperar essa pessoa. Então, a política de redução de danos é efetivamente a mais recomendada pra esse pessoal. Havia uma recomendação do governo do Estado pra que a Prefeitura fechasse os hotéis do centro que eram utilizados para o tráfico e para a prostituição. Nós não fizemos isso. Nós criamos o programa, alugamos os hotéis pra Prefeitura. Em vez de expulsar as pessoas do centro, que é a recomendação higienista, né? "Põe todo mundo pra fora daqui, interna, se livra." Nós vamos alojá-los e vamos criar um programa que oferece alimentação e trabalho voluntário remunerado – que é a grande novidade do Braços Abertos e que chamou a atenção do mundo. Veio gente da Holanda, do Canadá, da Inglaterra [nos] visitar por causa disso, dessa combinação de assistência, cuidados médicos. Todos têm prontuário, todos têm acompanhamento médico, alimentação, a questão do trabalho, a questão de [se] oferecer pra essas pessoas uma oportunidade de elas reconstruírem a sua trajetória. Qual é o problema do Braços Abertos que as pessoas, às vezes, não conseguem compreender? A política de redução de danos é incompatível com a presença do grande traficante no local. Aquele tráfico feito pelo próprio dependente – que é quase uma distribuição – é uma coisa. Mas nós não estamos falando disso. Quando as barracas se instalam e dão proteção pro tráfico, vem o grande traficante com bandeja de crack, com tijolo de crack. O pessoal, às vezes, chama de laje, chama de tijolo. Essa proteção não é para o usuário, é para o traficante. E isso impede a abordagem dos agentes de saúde e dos assistentes sociais. Desorganiza o território, que é o espaço público privatizado pelo tráfico e impede a ação dos agentes de saúde.
A primeira [ação feita na região] foi 100% pactuada, e nós desmontamos a favela. Na segunda, houve uma ameaça de resistência, porque o traficante testa o poder público. E nós fomos firmes e dissemos "Não, não vai montar". Nós não estamos agredindo nenhum direito humano. A pessoa tá lá. Mas o tráfico não vai se instalar numa via pública.
VICE - Olhando de fora, dá a impressão de que existe um certo ruído entre a Prefeitura e a polícia. Há relatos de ações desastradas por parte de alguns policiais. Como é essa relação? Foi muito difícil fazer uma negociação pra se entender uma situação de redução de danos, que não é uma coisa usual?
Haddad - Em um ano e cinco meses de programa, nós tivemos, a bendizer, dois incidentes que reputo mais graves. Um com a Polícia Civil no ano passado e um com a Polícia Militar, que foi mais um acidente do que outra coisa. Abriram até sindicância. Mas não foi uma operação. Um agente que entrou com câmera no meio do fluxo... obviamente, aquilo gerou uma...
VICE - Não é a coisa mais inteligente a se fazer. Não no fluxo.
Haddad - Não foi uma ação planejada. Foi uma ação voluntarista que gerou um incidente grave. Com tudo isso, em um ano e cinco meses – não que eu queira, ninguém tem de sair machucado de nada –, nós tivemos mais incidentes envolvendo mais feridos no campo da guarda e da própria polícia do que no campo de moradores em situação de rua ou usuário[s]. O ideal é chegar o momento em que nada disso aconteça, e nós estamos buscando isso. Mas há muita provocação por parte de agentes que vão lá porque não querem que o programa dê certo. Isso não é o usuário. O usuário tá em paz lá. Alguns até pedindo vaga no programa. Tá certo? Tem uns que não querem, mas tem uns que querem. Quando a gente aluga um novo hotel, a gente inclui mais pessoas. Tem pessoas que lucram com aquilo. Existe lucro ali. E é isso que, às vezes, não é percebido. A pergunta é: quem lucra com aquilo? Alguém lucra. Essa pessoa pode defender o Braços Abertos? É evidente que não. A arte toda é conseguir de certa maneira manter o programa com os usuários, os dependentes, os agentes de saúde, os assistentes sociais... manter o programa afastando essas pessoas que concorrem pra sua aniquilação, que desejam que ele não dê certo. Faça a conta. Quando tinha 1.500 pessoas lá. Hoje tem, no pico, 300. Mas chegou a ter 1.500 pessoas no fluxo. Suponha que cada uma consuma 10 pedras por dia. Vê o que isso significa de lucro anual. Não é desprezível. Nós estamos falando de 1.500 vezes 10, dá 15 mil; 15 mil vezes 300 dias, 365 dias. Nós estamos falando de cinco milhões de pedras. Se a pessoa ganhar R$ 2 por pedra, nós estamos falando de aproximadamente R$ 10 milhões de reais por ano. Esse dinheiro evaporou porque hoje caiu 80, 90% o consumo na região. Então, alguém perdeu muito dinheiro. Essa pergunta não se faz. Eu acho estranho que pessoas dessa cidade críticas ao programa não se façam essa pergunta.

Leia a entrevista completa clicando aqui.

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