Excepcionalistas vs Integracionistas: Confronto do tamanho da Eurásia
11/5/2015, [*] Andrew Korybko, The Vineyard of the Saker
Exceptionalists vs Integrationalists: The Eurasian-Wide Struggle
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
As três exceções
Segue uma breve definição dos três instigadores de instabilidade:
Cérbero
Interação entre os interesses
Europa:
Os EUA usam a OTAN para controlar o continente, e ladram amargamente sempre que os cachorrinhos dão sinais de relutância ao obedecer aos seus comandos, seja qual for o assunto do dia. Os EUA também ladram muito contra a chamada “ameaça russa”, sem jamais apresentar qualquer prova de que haja, para início de conversa, algo a temer. Enquanto isso, a Arábia Saudita e seus zumbis wahhabistas estão sendo mandados para os Bálcãs e países selecionados da Europa Ocidental, para realizar ataques terroristas estratégicos, que visam a mordiscar a segurança e a estabilidade continentais, além de cutucar os fantoches dos EUA na OTAN para que obedeçam e sigam os cursos de ação que Washington lhes tenha ‘sugerido’, em vários tópicos. E Israel, então, completa o trio, fazendo lobby por todo o continente e servindo-se de figuras políticas e sociais já cooptadas para reunir o máximo de apoio possível para o Cérbero, tanto financeiro e político como de legislação. A ameaça implícita é que qualquer recusa a apoiar o Cérbero imediatamente gerará mais ladrar dos EUA e mais morder dos sauditas, o que sinaliza que é melhor dar o que pedem os suplicantes israelenses, para evitar a ação desagradável das duas outras cabeças.
Ásia:
Só bem recentemente o Cérbero virou suas três cabeças para a Ásia, mas está sendo relativamente bem-sucedido, para tão pouco tempo. Os EUA latem incansavelmente contra a China desde que Hillary Clinton anunciou o tal movimento de “Pivô para a Ásia” em 2011, e o faz com o objetivo de intimidar os cachorros menores que cercam os EUA numa aliança desenhada segundo o modelo da OTAN para conter a China. Como modo de aprofundar o engajamento de segurança dos EUA com cada um dos membros dessa aliança, sobretudo no caso da Tailândia e das Filipinas, agentes “delegados” dos wahhabistas sauditas volta e meia cometem por lá algum ataque terrorista, para ‘justificar’ a presença ampliada e intensificada dos EUA e/ou a supervisão estratégica pelos norte-americanos. Com a criação do “Estado Nada Islâmico”, que tem orientação global, esse padrão só se ampliará. O papel de Israel, embora quase silencioso, é desproporcionalmente significativo, uma vez que suas súplicas estão já bem próximas de conseguir seduzir a Índia, para que se alie ao Cérbero. Israel tem tido relações difíceis com a Índia desde o início do governo de Modi, porque o novo ministro é “multipolar” e reluta a declarar-se muito abertamente aliado dos EUA; mas odeia, é claro, os sauditas e seu terrorismo wahhabista (e o apoio político que o Paquistão lhes dá). Assim sendo, Israel é o instrumento perfeito que o Cérbero pode usar para invadir o hegemon subcontinental e assim promover os interesses partilhados dos parceiros do Cérbero.
Extra: Oriente Médio
O teatro doméstico do Cérbero caracteriza-se pela interação dinâmica de todos os papeis intercambiáveis e outros menos claramente definidos, conforme as específicas circunstâncias do momento. Cada uma das três cabeças circula entre os papéis das demais, conforme seja necessário para fazer avançar os objetivos partilhados da entidade. Exemplo disso é os EUA a ladrarem contra o tal “Estado Nada Islâmico”, ao mesmo tempo em que agentes apoiados pelos sauditas fornecem mordidas-em-solo em quantidade suficiente para justificar o medo do qual os EUA fazem propaganda; outros verão Israel e os sauditas a ladrarem contra a “ameaça” Saddam Hussein, enquanto os EUA suplicam por uma coalizão internacional, antes de aplicar a mordida devastadora da bocarra norte-americana. Um dos cenários futuros, nada improvável, pode ser Israel a ladrar contra alguma “violação” ao estipulado no “tratado nuclear” e que o Irã teria cometido, ao mesmo tempo em que os EUA suplicam que o mundo apoie um ataque punitivo da OTAN Árabe Liderada-pela-Retaguarda, contra Teerã.
Gambito geoideológico
Como ficou dito no início, Cérbero vive apoiado sobre fundações geoideológicas que podem partir-se a qualquer momento ao longo de qualquer das duas rachaduras principais, na linha sionista e na linha wahhabista. Esses dois lados vivem a suspeitar que o outro os traia algum dia, daí que os dois lados cuidem de cultivar as relações mais “privilegiadas” que consigam, com o braço norte-americano excepcionalista da tríade – o que muito interessa aos objetivos estratégicos dos EUA. Os sionistas temem dois cenários: que os terroristas wahhabistas tornem-se fortes o bastante para desobedecer às ordens de Riad e orientem a Jihad contra Israel, fora do controle dos EUA ou da Arábia Saudita; ou que a Arábia Saudita algum dia traia Israel e ordene ao seu braço terrorista que ataquem Israel para assim completar o domínio territorial do tal “Estado Nada Islâmico”. A Arábia Saudita, por sua vez, tem medo do Plano Yinon sionista, e está bem consciente do mapa “Fronteiras de Sangue” de Ralph Peters [9] e das sugestões do New York Times que se leem em “Como cinco países poderiam virar 14” – dois casos em que o assunto é o possível, até recomendável, desmembramento do reino saudita. Sionismo puro e wahhabismo puro absolutamente não podem coexistir por causa dessas contradições existenciais. Portanto, alguém será descartado, inevitavelmente, se Cérbero derrotar a Coalizão Hercúlea [cujos países-âncoras são Rússia, China e Irã] – que é a principal força que mantém coesas as três cabeças da besta.
Se sionistas e sauditas jogarem-se prematuramente uns contra os outros, antes de a Coalizão Hercúlea ter sido derrotada, nesse caso os dois lados, o sionismo e o wahabismo, separam-se e passam a poder ser derrotados, um de cada vez, em contra-ataque devastador, que pode pôr fim à influência do Excepcionalista Norte-americano na Eurásia.
Assim sendo, a natureza do gambito é tal, que eles podem adiar para mais tarde a própria saída da “unidade”-Cérbero, ou até que os EUA, digamos, tenham condições para de algum modo reequilibrarem as relações entre sionistas e wahhabistas a ponto de impedir que se materialize tal cenário – exatamente a política que os EUA praticam hoje. Washington vive de, volta e meia, ameaçar jogar o próprio peso a favor de um ou do outro lado e, com isso, quebrar o delicado equilíbrio que permite a paz entre as próprias três cabeças.
Washington nunca fala suficientemente sério nesse tipo de ameaça, e todas as facções excepcionalistas compreendem que precisam cada uma das outras, para continuar sobrevivendo até que tenham condições para lidar com a Coalizão Hercúlea que se opõe aos seus excepcionalismos, mas a possibilidade desse dilema de segurança suicidária consegue manter em pânico Israel e a Arábia Saudita, a ponto de garantirem inquestionável cooperação dentro da tríplice estrutura do Cérbero (no mínimo, por enquanto).
A única alternativa que resta ao Cérbero é a eventual remoção, de dentro de cada entidade cativa, da minoria Excepcionalista Ideológica. É o mesmo que dizer que teríamos os Excepcionalistas expulsos dos EUA; os sionistas, da Palestina; e os wahhabistas, da Arábia Saudita, o que levaria a uma mudança na organização interna de cada entidade e nas respectivas políticas externas. Nada disso implica que as entidades seriam geopoliticamente eliminadas, porque só as minorias Excepcionalistas Ideológicas e seus respectivos fieis estão sob ameaça existencial de perder algo (a saber: o poder que têm e sua “legitimidade”). Mas é esse medo que atormenta os que hoje estão no poder, e desesperadamente os motiva a agressivamente manterem vivo o Cérbero, prorrogando indefinidamente sua hegemonia unipolar.
Mas, ironicamente, como se vê, se conseguirem “sucesso” teórico na destruição da Coalizão Hercúlea, então as probabilidades aumentam de que possam vir a ser geopoliticamente eliminados, uma vez que as contradições ideológicas acima comentadas, entre excepcionalistas sionistas e excepcionalistas wahhabistas, significam inevitavelmente que, mais dia menos dia, estarão presos uns aos outros, num duelo de morte.
Mesmo no “melhor” cenário para os excepcionalistas sionistas e excepcionalistas wahhabistas, em que consigam derrotar a Coalizão Hercúlea multipolar, e que se faça alguma frágil paz fria entre esses dois campos incompatíveis, nada garante que os excepcionalistas norte-americanos não venham novamente a intrometer-se, fazendo aquele delicado equilíbrio pender para um, ou para o outro lado, para assim recriar o típico caldeirão de caos no Oriente Médio que serve excelentemente aos objetivos geopolíticos dos EUA.
À guisa de conclusão
O Cérbero unipolar mutante formado dos três excepcionalismos – o norte-americano, o sionista e o wahhabista – é a verdadeira razão da desestabilização na Eurásia, e só a Coalizão Hercúlea, de Desafio e Resistência, de Rússia, China e Irã é capaz de pacificar a Eurásia. Hoje, o destino da Eurásia está dependente do destino da Síria, que é quem, hoje, resiste contra o Cérbero, porque o sucesso ou o fracasso dos sírios em sua luta de resistência terá reverberações dramáticas, das que modificam o futuro, em todo o supercontinente. Se a Síria e seu povo são bem-sucedidos e repelem a tentativa de massacre que se atenta contra eles, nesse caso terão conseguido salvaguardar o interior da Eurásia de modo muito mais confiável do que se fracassarem. E começarão a virar a maré contra o Cérbero. Mas se a Síria for derrotada, nesse caso o Cérbero não perderá tempo e logo lançará sua blitzkrieg, rápida, agressiva, assimétrica, contra a Área-Pivô Eurasiana, para rachar a Coalizão Hercúlea e derrotar os campeões da multipolaridade.
Deve-se ter sempre em mente, contudo, que não se pode culpar nem ocidentais, nem judeus, nem muçulmanos por o que o Cérbero faz. Culpados, sempre, são os componentes ideológicos excepcionalistas radicais que há nesses três grupos sociais (e que não representam a maioria, o que faz dos excepcionalistas minorias extremamente marginais) que assaltaram o controle de estados chaves, e agora usam suas entidades hospedeiras para engajá-las em luta global “por procuração” contra as forças multipolares da inclusão e da integração.
Mas a vitória unipolar do Cérbero não significará paz, porque é garantido que duas de suas três cabeças canibalizar-se-ão uma, a outra. Depois disso, a cabeça Excepcionalista Norte-americana, que sairá ilesa da luta de vida e morte entre as outras duas forças da ex-tríade, poderá varrer do mundo os restos das outras duas e declarar-se única vencedora do espólio global (que nunca poderia ser irmãmente dividido entre duas potências excepcionalistas, como são os sionistas e os wahhabistas).
Assim sendo, o único modo de se evitar que se cumpra essa previsão trágica para toda a humanidade, é a Coalizão Hercúlea salvar a Síria das garras do Cérbero, antes que mais uma campanha pancontinental de violência e autodestruição pós-“vitória” espalhe-se por toda a porção terrestre da Terra.
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Exceptionalists vs Integrationalists: The Eurasian-Wide Struggle
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
Considerando que todas as correspondências no foco estratégico são doenças crônicas na aliança entre excepcionalistas norte-americanos + excepcionalistas sionistas + excepcionalistas wahhabistas (aliança que aqui chamamos de “Cérbero”, o cão de três cabeças), a guerra que a Síria luta hoje passa a ter de ser interpretada como a luta de resistência mais crucialmente importante em toda a Eurásia.
Caos na Eurásia - possível guerra (clique na imagem para aumentar) |
Todo o caos desencadeado na Eurásia pode ser atribuído à batalha existencial entre os excepcionalistas e os integracionistas, representados respectivamente pelo mundo unipolar e pelo mundo multipolar. Muito tem sido escrito ultimamente sobre o emergente triângulo de interesses de defesa e de incorporação entre Rússia, China e Irã, mas pouco se tem publicado sobre a aliança ofensiva entre o excepcionalismo norte-americano, o sionismo e o wahhabismo, as três ideologias dedicadas a dividir as diversas forças multipolares na Eurásia e a perpetuar a dominação unipolar.
Meu objetivo nesse ensaio não é, de modo algum, demonizar as identidades erradamente consideradas associadas a essas ideologias (ocidentais, judeus, muçulmanos), mas ilustrar o modo como:
Meu objetivo nesse ensaio não é, de modo algum, demonizar as identidades erradamente consideradas associadas a essas ideologias (ocidentais, judeus, muçulmanos), mas ilustrar o modo como:
(I) correntes de pensamento as mais extremistas, tangencialmente associadas a essas identidades, tornaram-se as forças mais desestabilizatórias na Eurásia, e como
(II) a “aliança nada-santa” entre as três emergiu como motor primário do conflito no supercontinente.
(II) a “aliança nada-santa” entre as três emergiu como motor primário do conflito no supercontinente.
As três exceções
Segue uma breve definição dos três instigadores de instabilidade:
O excepcionalismo norte-americano:
Os que aderem a essa ideologia têm a firme crença de que a geografia e o lugar que o país ocupa na linha histórica lhe assegurariam por direito a liderança e o direito de disseminar (por meios militares, sendo necessário) por todo o planeta o modelo de governo, econômico e social dos EUA.
O sionismo:
Os proponentes dessa ideologia creem firmemente que os judeus mantêm relacionamento especial com Deus, que lhes impõe o imperativo histórico de recriar o estado israelense bíblico, imperativo que, por sua vez, assegura aos líderes de Israel o direito de fazer qualquer coisa que eles definam como sendo do interesse global dos próprios judeus.
O wahhabismo:
Convicção ardente e não questionável da “pureza” desse específico ramo da interpretação do Islã dá a esses crentes o direito de cometer não importa que atos de selvageria e barbarismo considerados necessários para criar um Estado global que se deve chamar de “Estado Nada-Islâmico” [orig. un-Islamic State].
Os que aderem a essa ideologia têm a firme crença de que a geografia e o lugar que o país ocupa na linha histórica lhe assegurariam por direito a liderança e o direito de disseminar (por meios militares, sendo necessário) por todo o planeta o modelo de governo, econômico e social dos EUA.
O sionismo:
Os proponentes dessa ideologia creem firmemente que os judeus mantêm relacionamento especial com Deus, que lhes impõe o imperativo histórico de recriar o estado israelense bíblico, imperativo que, por sua vez, assegura aos líderes de Israel o direito de fazer qualquer coisa que eles definam como sendo do interesse global dos próprios judeus.
O wahhabismo:
Convicção ardente e não questionável da “pureza” desse específico ramo da interpretação do Islã dá a esses crentes o direito de cometer não importa que atos de selvageria e barbarismo considerados necessários para criar um Estado global que se deve chamar de “Estado Nada-Islâmico” [orig. un-Islamic State].
Cérbero
Essas três ideologias partilham similitudes estruturais chaves, que as convertem, na essência, em três cabeças separadas do mesmo corpo, uma espécie de Cérbero moderno, pode-se dizer. Adiante, as principais similitudes que mantêm unidas as três cabeças:
Padrões excepcionalistas:
Os crentes dessas três ideologias identificam-se, cada um, como “especial”, o que os mantêm convencidos de que têm direito de quebrar todas as regras estabelecidas e de pôr em operação uma pletora de padrões duplos, para assim conseguirem modelar o mundo à própria maneira para o próprio projeto.
Inevitabilidade histórica:
Cada um desses movimentos crê que o próprio sucesso é inevitável, e que é só questão de “quando”, não de “se”, cada um conseguir chegar lá.
Alcance global:
Assim sendo, para facilitar a inevitabilidade histórica de cada um, eles devem empenhar-se numa estratégia global concebida para salvaguardar os respectivos interesses dos três e promover suas entidades-núcleo (EUA, Israel e Arábia Saudita, respectivamente).
Oposição à multipolaridade:
Pela própria natureza delas, nenhuma daquelas ideologias é compatível com a multipolaridade e com a pluralidade de pensamentos geopolíticos, motivo pelo qual se viram impelidas a unir-se, como três cabeças do Cérbero, na tentativa de revertê-la e de pôr fim à multipolaridade como tendência global.
As três são essencialmente não representativas:
Ninguém pode cometer o erro de esquecer que esses movimentos não são representativos da maioria, em cada uma das suas respectivas comunidades (os chamados “ocidentais” [europeus são excepcionalistas de segunda classe, porque subordinados à tutela dos EUA], os judeus, os muçulmanos), apesar de cada vanguarda ideológica, em cada respectivo grupo, tentar criar a ilusão de que, sim, cada uma das ideologias seria representativa da maioria dos respectivos grupos sociais, políticos e humanos, para assim ‘justificar’ ou ‘legitimar’ o controle que aquela minoria não representativa busca exercer sobre todos os negócios e questões de todos.
Os crentes dessas três ideologias identificam-se, cada um, como “especial”, o que os mantêm convencidos de que têm direito de quebrar todas as regras estabelecidas e de pôr em operação uma pletora de padrões duplos, para assim conseguirem modelar o mundo à própria maneira para o próprio projeto.
Inevitabilidade histórica:
Cada um desses movimentos crê que o próprio sucesso é inevitável, e que é só questão de “quando”, não de “se”, cada um conseguir chegar lá.
Alcance global:
Assim sendo, para facilitar a inevitabilidade histórica de cada um, eles devem empenhar-se numa estratégia global concebida para salvaguardar os respectivos interesses dos três e promover suas entidades-núcleo (EUA, Israel e Arábia Saudita, respectivamente).
Oposição à multipolaridade:
Pela própria natureza delas, nenhuma daquelas ideologias é compatível com a multipolaridade e com a pluralidade de pensamentos geopolíticos, motivo pelo qual se viram impelidas a unir-se, como três cabeças do Cérbero, na tentativa de revertê-la e de pôr fim à multipolaridade como tendência global.
As três são essencialmente não representativas:
Ninguém pode cometer o erro de esquecer que esses movimentos não são representativos da maioria, em cada uma das suas respectivas comunidades (os chamados “ocidentais” [europeus são excepcionalistas de segunda classe, porque subordinados à tutela dos EUA], os judeus, os muçulmanos), apesar de cada vanguarda ideológica, em cada respectivo grupo, tentar criar a ilusão de que, sim, cada uma das ideologias seria representativa da maioria dos respectivos grupos sociais, políticos e humanos, para assim ‘justificar’ ou ‘legitimar’ o controle que aquela minoria não representativa busca exercer sobre todos os negócios e questões de todos.
Cérbero com 3 diferentes cabeças |
O Cérbero é constituído de três diferentes cabeças, cada uma das quais exibe variação diferente (que só aparentemente são incompatíveis) do mesmo excepcionalismo; mas na realidade as três cabeças são complementares com vistas a alcançar o objetivo de longo prazo de todas – porque as três anseiam por derrotar a multipolaridade. Por seus padrões hipócritas partilhados, a única inclusividade admitida na visão delas é a convergência de excepcionalismo norte-americano, sionismo e wahhabismo num super modelo unipolar de super exclusão.
Adiante se demonstrará, noutra sessão, que esse arranjo instável é um gambito geoideológico que pode sair gravemente pela culatra contra o sionismo e o wahabismo –, para algum eventual proveito geopolítico dos EUA (e talvez mesmo por ação direta dos próprios EUA).
Mas antes de tratar desse ponto, é preciso historiar o modo como a convergência de interesses entre essas três ideologias veio a acontecer, em primeiro lugar; e que interação de interesses jaz na encruzilhada da cooperação estratégica entre elas.
Embora se possam documentar exemplos dessa cooperação estratégica já antes da IIª Guerra Mundial, foi só depois dela que os relacionamentos realmente vieram à luz e foram ativados em escala regional massiva por todo o Oriente Médio, dando início aos processos de destruição que hoje já estão super acelerados.
Adiante se demonstrará, noutra sessão, que esse arranjo instável é um gambito geoideológico que pode sair gravemente pela culatra contra o sionismo e o wahabismo –, para algum eventual proveito geopolítico dos EUA (e talvez mesmo por ação direta dos próprios EUA).
Mas antes de tratar desse ponto, é preciso historiar o modo como a convergência de interesses entre essas três ideologias veio a acontecer, em primeiro lugar; e que interação de interesses jaz na encruzilhada da cooperação estratégica entre elas.
Embora se possam documentar exemplos dessa cooperação estratégica já antes da IIª Guerra Mundial, foi só depois dela que os relacionamentos realmente vieram à luz e foram ativados em escala regional massiva por todo o Oriente Médio, dando início aos processos de destruição que hoje já estão super acelerados.
A aliança entre excepcionalismo norte-americano e o excepcionalismo sionista
Os EUA emergiram da IIª Guerra Mundial com capacidade para estender seu poder militar por toda a Eurásia, mas um teatro regional (além do Bloco Soviético) criava problema considerável para a penetração dos EUA: o chamado “Oriente Médio”. Os EUA haviam investido interesses geopolíticos no esfacelamento da unidade do mundo árabe depois da IIª Guerra Mundial (em parte para impedir a possível criação de uma entidade supranacional pró-soviética) e para criar uma plataforma geopolítica que lhes permitisse praticar intervenções permanentes à distância, tratando de cada vez de um ator regional. Daí a criação de Israel e a formalização da convergência estratégica entre excepcionalismo norte-americano e sionismo.
A significação global do Oriente Médio para a grande estratégia do excepcionalismo norte-americano será explicada na próxima sessão, mas o que é importante entender desde já é que o empoderamento do excepcionalismo norte-americano e o apoio ao sionismo foram pensados para criar um parceiro à distância que tivesse interesse partilhado em destruir militarmente a unidade árabe – exatamente o resultado que se obteve e obtém-se até hoje, com as guerras árabe-israelenses.
Depois que as coalizões árabes foram derrotadas, o componente militar da unidade árabe estava neutralizado – evento cuja importância não se pode subestimar. Só se os árabes se mantivessem unidos havia chance de Israel ser destruída e de remover-se a plataforma norte-americana intergeneracional no Oriente Médio, a região que fazia a conexão geoestratégica entre Europa e Ásia (posicionada igualmente para influenciar os dois lados, se adequadamente aplicada).
Diferente de todos os demais aliados dos EUA, Israel sempre foi diretamente dependente dos EUA, para ser criada e para existir, e é, por isso, muito mais confiável como aliado comprometido também no longo prazo (tanto ideologicamente como politicamente), que qualquer outro país. Os EUA precisam da localização estratégica de Israel e dos serviços militares regionais contratados para manter os governos árabes em posição de fragilidade e divisão perpétuas; e Israel precisa do apoio “de pleno espectro” dos EUA para continuar a existir – o que explica a profundidade intensiva do apoio que as duas entidades recebem, uma da outra.
Apesar da já rachada unidade militar dos árabes, nem assim Israel é inerentemente capaz de destruir o laço que conecta todo o povo árabe; por isso, outro componente excepcionalista teve de ser acrescentado à mistura, para destruir aquele laço e afastar qualquer possibilidade de que alguma coalizão árabe pudesse jamais voltar a ameaçar Israel (e, por extensão a primeira superbase eurasiana dos EUA).
Os EUA emergiram da IIª Guerra Mundial com capacidade para estender seu poder militar por toda a Eurásia, mas um teatro regional (além do Bloco Soviético) criava problema considerável para a penetração dos EUA: o chamado “Oriente Médio”. Os EUA haviam investido interesses geopolíticos no esfacelamento da unidade do mundo árabe depois da IIª Guerra Mundial (em parte para impedir a possível criação de uma entidade supranacional pró-soviética) e para criar uma plataforma geopolítica que lhes permitisse praticar intervenções permanentes à distância, tratando de cada vez de um ator regional. Daí a criação de Israel e a formalização da convergência estratégica entre excepcionalismo norte-americano e sionismo.
A significação global do Oriente Médio para a grande estratégia do excepcionalismo norte-americano será explicada na próxima sessão, mas o que é importante entender desde já é que o empoderamento do excepcionalismo norte-americano e o apoio ao sionismo foram pensados para criar um parceiro à distância que tivesse interesse partilhado em destruir militarmente a unidade árabe – exatamente o resultado que se obteve e obtém-se até hoje, com as guerras árabe-israelenses.
Depois que as coalizões árabes foram derrotadas, o componente militar da unidade árabe estava neutralizado – evento cuja importância não se pode subestimar. Só se os árabes se mantivessem unidos havia chance de Israel ser destruída e de remover-se a plataforma norte-americana intergeneracional no Oriente Médio, a região que fazia a conexão geoestratégica entre Europa e Ásia (posicionada igualmente para influenciar os dois lados, se adequadamente aplicada).
Diferente de todos os demais aliados dos EUA, Israel sempre foi diretamente dependente dos EUA, para ser criada e para existir, e é, por isso, muito mais confiável como aliado comprometido também no longo prazo (tanto ideologicamente como politicamente), que qualquer outro país. Os EUA precisam da localização estratégica de Israel e dos serviços militares regionais contratados para manter os governos árabes em posição de fragilidade e divisão perpétuas; e Israel precisa do apoio “de pleno espectro” dos EUA para continuar a existir – o que explica a profundidade intensiva do apoio que as duas entidades recebem, uma da outra.
Apesar da já rachada unidade militar dos árabes, nem assim Israel é inerentemente capaz de destruir o laço que conecta todo o povo árabe; por isso, outro componente excepcionalista teve de ser acrescentado à mistura, para destruir aquele laço e afastar qualquer possibilidade de que alguma coalizão árabe pudesse jamais voltar a ameaçar Israel (e, por extensão a primeira superbase eurasiana dos EUA).
Wahhabismo (ISIS) protegido por EUA e Israel |
A arma wahhabista
A ideologia oficial da Arábia Saudita, o wahhabismo, foi, portanto, selecionado como a ideologia destrutiva necessária para esfacelar a unidade árabe e semear discórdia identitária irreconciliável no seio do povo árabe, por várias gerações. Essa discórdia identitária irreconciliável pôs as suas vítimas nos cornos de um terrível dilema, no qual foram forçadas a escolher se eram pan-árabes seculares, segundo o modelo de Nasser, ou se eram pan-islamistas extremistas, segundo o modelo dos reis sauditas.
Enquanto Nasser pregava a importância de uma forma de governo republicana progressista, os sauditas apoiavam estritamente o monarquismo autoritário. Assim as duas ideologias no médio oriente foram postas uma contra a outra, e os wahhabistas foram motivados a buscar apoio externo para eliminar a mais forte ameaça contra sua sobrevivência ideológica.
Foi mediante esse imperativo, a saber, o desafio que o republicanismo pan-árabe secular impôs ao monarquismo autoritário pan-islâmico, que os wahhabistas decidiram unir-se à aliança excepcionalista-sionista, a qual passou a ter a “missão”, também, de derrotar os rivais ideológicos dos sauditas.
As características típicas do vírus wahhabista tornaram-no escolha perfeita para desestabilizar os governos pan-árabes seculares, porque forçaria cada cidadão árabe muçulmano a rever sua identidade mais básica; por teoria, a maioria dos cidadãos desses países, enquanto mergulhados nessa operação de “revisão” profunda, tornavam-se vulneráveis à ação do vírus extremista. Como se não bastasse, o wahhabismo não prega apenas a derrubada de governos seculares: ele também carrega com ele o “takfirismo [1] militante, que leva a guerras sectárias. Por tudo isso, o wahhabismo está em posição excepcional para dividir os árabes, separando-os tanto de seus governos seculares, onde haja, como também dividindo os próprios árabes entre eles, também no campo identitário. Por isso foi incorporado como a terceira ideologia, fortemente divisionista, ideal para os interesses da aliança entre os norte-americanos excepcionalistas e os sionistas.
Por mais que o wahhabismo seja conhecido pelo mais furioso ódio ideológico, exatamente com as duas outras ideologias excepcionalistas aqui listadas, o wahabismo também partilha com elas os padrões mais hipócritas. Para avaliar esse traço, basta examinar a surpreendente moderação das políticas wahhabistas na relação com Israel e com os EUA. Os wahhabistas nunca param de falar de uma eventual guerra religiosa contra Israel, mas jamais dão um passo para que a tal guerra aconteça.
Em vez de trabalhar contra Israel, os wahhabistas consomem todo o próprio tempo e energia em ações para dividir o Oriente Médio sob todos os pretextos e motivos (por isso se diz que o que define o wahabismo é o takfirismo). O que se vê é que os slogans contra Israel não passam disso, e são concebidos apenas como campanha de publicidade e “marketing”, à caça de mais recrutas ingênuos.
Ao mesmo tempo, alguns elementos wahhabistas têm tendência ao crime e a deixar que se “culpe” a ideologia pela melhor parte das “ações práticas” (por acaso ou por projeto), o que pode abrir ou “oportunidades” ou vulnerabilidades para os excepcionalistas norte-americanos, conforme o contexto (tema que será aprofundado adiante, noutra sessão).
A ideologia oficial da Arábia Saudita, o wahhabismo, foi, portanto, selecionado como a ideologia destrutiva necessária para esfacelar a unidade árabe e semear discórdia identitária irreconciliável no seio do povo árabe, por várias gerações. Essa discórdia identitária irreconciliável pôs as suas vítimas nos cornos de um terrível dilema, no qual foram forçadas a escolher se eram pan-árabes seculares, segundo o modelo de Nasser, ou se eram pan-islamistas extremistas, segundo o modelo dos reis sauditas.
Enquanto Nasser pregava a importância de uma forma de governo republicana progressista, os sauditas apoiavam estritamente o monarquismo autoritário. Assim as duas ideologias no médio oriente foram postas uma contra a outra, e os wahhabistas foram motivados a buscar apoio externo para eliminar a mais forte ameaça contra sua sobrevivência ideológica.
Foi mediante esse imperativo, a saber, o desafio que o republicanismo pan-árabe secular impôs ao monarquismo autoritário pan-islâmico, que os wahhabistas decidiram unir-se à aliança excepcionalista-sionista, a qual passou a ter a “missão”, também, de derrotar os rivais ideológicos dos sauditas.
As características típicas do vírus wahhabista tornaram-no escolha perfeita para desestabilizar os governos pan-árabes seculares, porque forçaria cada cidadão árabe muçulmano a rever sua identidade mais básica; por teoria, a maioria dos cidadãos desses países, enquanto mergulhados nessa operação de “revisão” profunda, tornavam-se vulneráveis à ação do vírus extremista. Como se não bastasse, o wahhabismo não prega apenas a derrubada de governos seculares: ele também carrega com ele o “takfirismo [1] militante, que leva a guerras sectárias. Por tudo isso, o wahhabismo está em posição excepcional para dividir os árabes, separando-os tanto de seus governos seculares, onde haja, como também dividindo os próprios árabes entre eles, também no campo identitário. Por isso foi incorporado como a terceira ideologia, fortemente divisionista, ideal para os interesses da aliança entre os norte-americanos excepcionalistas e os sionistas.
Por mais que o wahhabismo seja conhecido pelo mais furioso ódio ideológico, exatamente com as duas outras ideologias excepcionalistas aqui listadas, o wahabismo também partilha com elas os padrões mais hipócritas. Para avaliar esse traço, basta examinar a surpreendente moderação das políticas wahhabistas na relação com Israel e com os EUA. Os wahhabistas nunca param de falar de uma eventual guerra religiosa contra Israel, mas jamais dão um passo para que a tal guerra aconteça.
Em vez de trabalhar contra Israel, os wahhabistas consomem todo o próprio tempo e energia em ações para dividir o Oriente Médio sob todos os pretextos e motivos (por isso se diz que o que define o wahabismo é o takfirismo). O que se vê é que os slogans contra Israel não passam disso, e são concebidos apenas como campanha de publicidade e “marketing”, à caça de mais recrutas ingênuos.
Ao mesmo tempo, alguns elementos wahhabistas têm tendência ao crime e a deixar que se “culpe” a ideologia pela melhor parte das “ações práticas” (por acaso ou por projeto), o que pode abrir ou “oportunidades” ou vulnerabilidades para os excepcionalistas norte-americanos, conforme o contexto (tema que será aprofundado adiante, noutra sessão).
O Caos na Síria (Clique na imagem para aumentar) |
Significado da Guerra contra a Síria
Considerando que todas as correspondências no foco estratégico são doenças crônicas na aliança entre excepcionalistas norte-americanos + sionistas + wahhabistas (aliança daqui em diante chamada “Cérbero”), a guerra que a Síria luta hoje passa ter de ser interpretada como a luta de resistência mais crucialmente importante em toda a Eurásia.
À parte do fato de que as três cabeças do Cérbero estão furiosamente empenhadas em mastigar essa nação do Oriente Médio e seu povo até deixar de todos só os ossos, a Síria é também o último vestígio de governo secular pan-árabe, por causa das bases ideológicas do Partido Baath. Assim, a Síria qualifica-se como o estado mais Resistente & Desafiador que há na vizinhança próxima de Israel.
Essa é razão suficiente para que os inimigos do Cérbero [daqui em diante chamados “A Coalizão Hercúlea”, em homenagem ao herói grego que derrotou o Cérbero (coalizão cujos países-âncoras são Rússia, China e Irã)] apoiem o governo democraticamente eleito da Síria.
Se o cão Cérbero conseguir massacrar a Síria, então se abrirá uma Era das Trevas para o Oriente Médio, que converterá toda a região em plataforma de lançamento para desestabilização sempre crescente de todo o interior da Eurásia. Na sequência, o alvo declarado ou não, de excepcionalistas norte-americanos+sionistas+wahhabistas (o Cérbero), passará a ser as vulnerabilidades geográficas de Rússia, China e Irã (a Coalizão Hercúlea).
Considerando que todas as correspondências no foco estratégico são doenças crônicas na aliança entre excepcionalistas norte-americanos + sionistas + wahhabistas (aliança daqui em diante chamada “Cérbero”), a guerra que a Síria luta hoje passa ter de ser interpretada como a luta de resistência mais crucialmente importante em toda a Eurásia.
À parte do fato de que as três cabeças do Cérbero estão furiosamente empenhadas em mastigar essa nação do Oriente Médio e seu povo até deixar de todos só os ossos, a Síria é também o último vestígio de governo secular pan-árabe, por causa das bases ideológicas do Partido Baath. Assim, a Síria qualifica-se como o estado mais Resistente & Desafiador que há na vizinhança próxima de Israel.
Essa é razão suficiente para que os inimigos do Cérbero [daqui em diante chamados “A Coalizão Hercúlea”, em homenagem ao herói grego que derrotou o Cérbero (coalizão cujos países-âncoras são Rússia, China e Irã)] apoiem o governo democraticamente eleito da Síria.
Se o cão Cérbero conseguir massacrar a Síria, então se abrirá uma Era das Trevas para o Oriente Médio, que converterá toda a região em plataforma de lançamento para desestabilização sempre crescente de todo o interior da Eurásia. Na sequência, o alvo declarado ou não, de excepcionalistas norte-americanos+sionistas+wahhabistas (o Cérbero), passará a ser as vulnerabilidades geográficas de Rússia, China e Irã (a Coalizão Hercúlea).
Superposição concentrada
Há uma razão pela qual todos os interesses do Cérbero de três cabeças coincidem no Oriente Médio; e não é só porque duas das três ideologias emergiram nessa região. De fato há fundamentos geopolíticos mais fundos e mais amplos, motivos pelos quais o Cérbero foca-se tão intensamente na área. Assim como a besta mítica faz guarda às portas do inferno na mitologia grega, na geoestratégia da Eurásia a besta guarda os portões de entrada do supercontinente, excepcionalmente bem posicionada para influenciar Europa, Ásia e até África se precisar. Não estou dizendo que a Eurásia seja o inferno. Estou dizendo que, nos dois casos o cão de três cabeças ocupa posição à entrada de algo muito importante. Mas na mitologia a posição do Cérbero era defensiva; seu equivalente geopolítico está em posição ofensiva, de ataque. O Cérbero moderno está decidido a usar sua localização como trampolim para atacar cada vez mais dentro da Eurásia, num esforço para destruir a Coalizão Hercúlea. E a estratégia da besta acompanha bem de perto as lições do estrategista britânico Halford Mackinder.
Esse homem é pioneiro destacado no campo da geoestratégia e geopolítica, com seu trabalho, de mais de um século “O Pivô Geográfico da História” [The Geopolitical Pivot of History, 1894]. Anos depois, em 1919, Mackinder [2] sintetizou a própria teoria em “Democratic Ideals and Reality. A Study in the Politics of Reconstruction”, no qual escreveu, em formulação que ganhou fama: “Quem controla a Europa Oriental controla a Área-Pivô [orig. Heartland] [3]; quem controla a Área-Pivô [Heartland] controla a Ilha-Mundo [4] [orig. World-Island]; quem controla a Ilha-Mundo controla o Mundo”. (Ou, noutra tradução ao português: “Quem governe a Europa Oriental dominará o Coração Continental; quem governe o Coração Continental dominará a Ilha Mundial; quem governe a Ilha Mundial dominará o mundo”). [5]
Mackinder estava absolutamente certo ao afirmar que o controle sobre a Área Pivô, largamente identificada com a Ásia Central Contemporânea, era crucialmente importante para garantir influência sobre toda a Eurásia; mas não deu a atenção devida a outras abordagens para controlar essa peça crucial de relevância geoestratégica. [6]
Naquele momento, parecia que a Europa Oriental seria a única via possível para alcançar aquele controle sobre o mundo; mas cada vez mais o que se vê é que o Oriente Médio pode também servir, se não servir ainda mais diretamente, como fator facilitador, se se consideram as credenciais dos Bálcãs Eurasianos para uma reação em cadeia de fragmentação demográfica.
A inovação teórica que Brzezinski acrescentou ao axioma de Mackinder é que comando e controle não têm de ser diretos, sequer exigem presença física; e que, dada a habilidade natural de o centro influenciar a periferia, uma desestabilização massiva na Área-Pivô (por insurgência terrorista islamista, colapso do estado, crises humanitárias e/ou uma combinação desses e de outros fatores) pode irradiar-se automaticamente para fora. No mundo contemporâneo, significa que ameaças assimétricas instigadas por atores de fora da região, como o Cérbero pode gerar desafios simultâneos contra os três principais membros da Coalizão Hercúlea, não apenas os empurrando para severa defensiva estratégica, mas realmente pondo em risco a própria existência deles, se os desafios são negligenciados e crescem até sair de qualquer controle (que é precisamente o que o Cérbero tem em vista).
No início do século XX, Mackinder pode ter pensado em exércitos estatais atravessando a Europa Oriental a caminho para assumir o controle sobre a Área-Pivô, mas no início do século XXI, o mais provável é que quem “aparecerá” na Área-Pivô serão brigadas terroristas que se originaram ou adquiriram experiência de combate no Oriente Médio, sem que se vejam quaisquer elos que as liguem diretamente aos estados que as patrocinam. [7]
O Oriente Médio portanto passa a ser o centro nevrálgico da (des)estabilidade eurasiana-africana. Assim sendo, qualquer entidade que controle o Oriente Médio pode exportar forças assimétricas e convencionais para direções praticamente equidistantes, para penetrar no coração da África; no coração da Europa (ou até da Europa Oriental, é claro); e na Área-Pivô eurasiana (porta de entrada continental chave para o Leste da Ásia).
Essa compreensão geopolítica da projeção de poder e força acrescenta um componente atualizado às contribuições teóricas de Mackinder e Brzezinski, e explica o raciocínio que há por trás do exercício da ira do Cérbero, aplicada centralmente contra o Oriente Médio.
Alcance eurasiano
O Cérbero não é limitado só ao Oriente Médio, [8] embora aí se concentrem a maior parte das atividades dele e seu foco estratégico. Pode-se identificar sua atividade/envolvimento também na Europa e na Ásia.
Ladra, Morde, Suplica
Antes de examinar suas ações, é preciso conceitualizar o padrão da ação do Cérbero na Europa e na Ásia, para que o leitor compreenda o que se deve observar. Basicamente, cada uma das três cabeças desempenha, em momentos variados, os papeis intercambiáveis de ladrar (ameaça, espalha o medo), morder (quando ataca) e suplicar (quando e onde entram em ação os lobbies), para promover o interesse coletivo das três. Examinemos como a coisa funciona.
Há uma razão pela qual todos os interesses do Cérbero de três cabeças coincidem no Oriente Médio; e não é só porque duas das três ideologias emergiram nessa região. De fato há fundamentos geopolíticos mais fundos e mais amplos, motivos pelos quais o Cérbero foca-se tão intensamente na área. Assim como a besta mítica faz guarda às portas do inferno na mitologia grega, na geoestratégia da Eurásia a besta guarda os portões de entrada do supercontinente, excepcionalmente bem posicionada para influenciar Europa, Ásia e até África se precisar. Não estou dizendo que a Eurásia seja o inferno. Estou dizendo que, nos dois casos o cão de três cabeças ocupa posição à entrada de algo muito importante. Mas na mitologia a posição do Cérbero era defensiva; seu equivalente geopolítico está em posição ofensiva, de ataque. O Cérbero moderno está decidido a usar sua localização como trampolim para atacar cada vez mais dentro da Eurásia, num esforço para destruir a Coalizão Hercúlea. E a estratégia da besta acompanha bem de perto as lições do estrategista britânico Halford Mackinder.
Esse homem é pioneiro destacado no campo da geoestratégia e geopolítica, com seu trabalho, de mais de um século “O Pivô Geográfico da História” [The Geopolitical Pivot of History, 1894]. Anos depois, em 1919, Mackinder [2] sintetizou a própria teoria em “Democratic Ideals and Reality. A Study in the Politics of Reconstruction”, no qual escreveu, em formulação que ganhou fama: “Quem controla a Europa Oriental controla a Área-Pivô [orig. Heartland] [3]; quem controla a Área-Pivô [Heartland] controla a Ilha-Mundo [4] [orig. World-Island]; quem controla a Ilha-Mundo controla o Mundo”. (Ou, noutra tradução ao português: “Quem governe a Europa Oriental dominará o Coração Continental; quem governe o Coração Continental dominará a Ilha Mundial; quem governe a Ilha Mundial dominará o mundo”). [5]
Eurásia (Ilha-Mundo) |
Naquele momento, parecia que a Europa Oriental seria a única via possível para alcançar aquele controle sobre o mundo; mas cada vez mais o que se vê é que o Oriente Médio pode também servir, se não servir ainda mais diretamente, como fator facilitador, se se consideram as credenciais dos Bálcãs Eurasianos para uma reação em cadeia de fragmentação demográfica.
A inovação teórica que Brzezinski acrescentou ao axioma de Mackinder é que comando e controle não têm de ser diretos, sequer exigem presença física; e que, dada a habilidade natural de o centro influenciar a periferia, uma desestabilização massiva na Área-Pivô (por insurgência terrorista islamista, colapso do estado, crises humanitárias e/ou uma combinação desses e de outros fatores) pode irradiar-se automaticamente para fora. No mundo contemporâneo, significa que ameaças assimétricas instigadas por atores de fora da região, como o Cérbero pode gerar desafios simultâneos contra os três principais membros da Coalizão Hercúlea, não apenas os empurrando para severa defensiva estratégica, mas realmente pondo em risco a própria existência deles, se os desafios são negligenciados e crescem até sair de qualquer controle (que é precisamente o que o Cérbero tem em vista).
No início do século XX, Mackinder pode ter pensado em exércitos estatais atravessando a Europa Oriental a caminho para assumir o controle sobre a Área-Pivô, mas no início do século XXI, o mais provável é que quem “aparecerá” na Área-Pivô serão brigadas terroristas que se originaram ou adquiriram experiência de combate no Oriente Médio, sem que se vejam quaisquer elos que as liguem diretamente aos estados que as patrocinam. [7]
O Oriente Médio portanto passa a ser o centro nevrálgico da (des)estabilidade eurasiana-africana. Assim sendo, qualquer entidade que controle o Oriente Médio pode exportar forças assimétricas e convencionais para direções praticamente equidistantes, para penetrar no coração da África; no coração da Europa (ou até da Europa Oriental, é claro); e na Área-Pivô eurasiana (porta de entrada continental chave para o Leste da Ásia).
Essa compreensão geopolítica da projeção de poder e força acrescenta um componente atualizado às contribuições teóricas de Mackinder e Brzezinski, e explica o raciocínio que há por trás do exercício da ira do Cérbero, aplicada centralmente contra o Oriente Médio.
Alcance eurasiano
O Cérbero não é limitado só ao Oriente Médio, [8] embora aí se concentrem a maior parte das atividades dele e seu foco estratégico. Pode-se identificar sua atividade/envolvimento também na Europa e na Ásia.
Ladra, Morde, Suplica
Antes de examinar suas ações, é preciso conceitualizar o padrão da ação do Cérbero na Europa e na Ásia, para que o leitor compreenda o que se deve observar. Basicamente, cada uma das três cabeças desempenha, em momentos variados, os papeis intercambiáveis de ladrar (ameaça, espalha o medo), morder (quando ataca) e suplicar (quando e onde entram em ação os lobbies), para promover o interesse coletivo das três. Examinemos como a coisa funciona.
União Europeia (clique na imagem para aumentar) |
Os EUA usam a OTAN para controlar o continente, e ladram amargamente sempre que os cachorrinhos dão sinais de relutância ao obedecer aos seus comandos, seja qual for o assunto do dia. Os EUA também ladram muito contra a chamada “ameaça russa”, sem jamais apresentar qualquer prova de que haja, para início de conversa, algo a temer. Enquanto isso, a Arábia Saudita e seus zumbis wahhabistas estão sendo mandados para os Bálcãs e países selecionados da Europa Ocidental, para realizar ataques terroristas estratégicos, que visam a mordiscar a segurança e a estabilidade continentais, além de cutucar os fantoches dos EUA na OTAN para que obedeçam e sigam os cursos de ação que Washington lhes tenha ‘sugerido’, em vários tópicos. E Israel, então, completa o trio, fazendo lobby por todo o continente e servindo-se de figuras políticas e sociais já cooptadas para reunir o máximo de apoio possível para o Cérbero, tanto financeiro e político como de legislação. A ameaça implícita é que qualquer recusa a apoiar o Cérbero imediatamente gerará mais ladrar dos EUA e mais morder dos sauditas, o que sinaliza que é melhor dar o que pedem os suplicantes israelenses, para evitar a ação desagradável das duas outras cabeças.
Ásia - mapa político |
Só bem recentemente o Cérbero virou suas três cabeças para a Ásia, mas está sendo relativamente bem-sucedido, para tão pouco tempo. Os EUA latem incansavelmente contra a China desde que Hillary Clinton anunciou o tal movimento de “Pivô para a Ásia” em 2011, e o faz com o objetivo de intimidar os cachorros menores que cercam os EUA numa aliança desenhada segundo o modelo da OTAN para conter a China. Como modo de aprofundar o engajamento de segurança dos EUA com cada um dos membros dessa aliança, sobretudo no caso da Tailândia e das Filipinas, agentes “delegados” dos wahhabistas sauditas volta e meia cometem por lá algum ataque terrorista, para ‘justificar’ a presença ampliada e intensificada dos EUA e/ou a supervisão estratégica pelos norte-americanos. Com a criação do “Estado Nada Islâmico”, que tem orientação global, esse padrão só se ampliará. O papel de Israel, embora quase silencioso, é desproporcionalmente significativo, uma vez que suas súplicas estão já bem próximas de conseguir seduzir a Índia, para que se alie ao Cérbero. Israel tem tido relações difíceis com a Índia desde o início do governo de Modi, porque o novo ministro é “multipolar” e reluta a declarar-se muito abertamente aliado dos EUA; mas odeia, é claro, os sauditas e seu terrorismo wahhabista (e o apoio político que o Paquistão lhes dá). Assim sendo, Israel é o instrumento perfeito que o Cérbero pode usar para invadir o hegemon subcontinental e assim promover os interesses partilhados dos parceiros do Cérbero.
Extra: Oriente Médio
O teatro doméstico do Cérbero caracteriza-se pela interação dinâmica de todos os papeis intercambiáveis e outros menos claramente definidos, conforme as específicas circunstâncias do momento. Cada uma das três cabeças circula entre os papéis das demais, conforme seja necessário para fazer avançar os objetivos partilhados da entidade. Exemplo disso é os EUA a ladrarem contra o tal “Estado Nada Islâmico”, ao mesmo tempo em que agentes apoiados pelos sauditas fornecem mordidas-em-solo em quantidade suficiente para justificar o medo do qual os EUA fazem propaganda; outros verão Israel e os sauditas a ladrarem contra a “ameaça” Saddam Hussein, enquanto os EUA suplicam por uma coalizão internacional, antes de aplicar a mordida devastadora da bocarra norte-americana. Um dos cenários futuros, nada improvável, pode ser Israel a ladrar contra alguma “violação” ao estipulado no “tratado nuclear” e que o Irã teria cometido, ao mesmo tempo em que os EUA suplicam que o mundo apoie um ataque punitivo da OTAN Árabe Liderada-pela-Retaguarda, contra Teerã.
Gambito geoideológico
Como ficou dito no início, Cérbero vive apoiado sobre fundações geoideológicas que podem partir-se a qualquer momento ao longo de qualquer das duas rachaduras principais, na linha sionista e na linha wahhabista. Esses dois lados vivem a suspeitar que o outro os traia algum dia, daí que os dois lados cuidem de cultivar as relações mais “privilegiadas” que consigam, com o braço norte-americano excepcionalista da tríade – o que muito interessa aos objetivos estratégicos dos EUA. Os sionistas temem dois cenários: que os terroristas wahhabistas tornem-se fortes o bastante para desobedecer às ordens de Riad e orientem a Jihad contra Israel, fora do controle dos EUA ou da Arábia Saudita; ou que a Arábia Saudita algum dia traia Israel e ordene ao seu braço terrorista que ataquem Israel para assim completar o domínio territorial do tal “Estado Nada Islâmico”. A Arábia Saudita, por sua vez, tem medo do Plano Yinon sionista, e está bem consciente do mapa “Fronteiras de Sangue” de Ralph Peters [9] e das sugestões do New York Times que se leem em “Como cinco países poderiam virar 14” – dois casos em que o assunto é o possível, até recomendável, desmembramento do reino saudita. Sionismo puro e wahhabismo puro absolutamente não podem coexistir por causa dessas contradições existenciais. Portanto, alguém será descartado, inevitavelmente, se Cérbero derrotar a Coalizão Hercúlea [cujos países-âncoras são Rússia, China e Irã] – que é a principal força que mantém coesas as três cabeças da besta.
Coalizão Hercúlea - Irã, Rússia e China |
Se sionistas e sauditas jogarem-se prematuramente uns contra os outros, antes de a Coalizão Hercúlea ter sido derrotada, nesse caso os dois lados, o sionismo e o wahabismo, separam-se e passam a poder ser derrotados, um de cada vez, em contra-ataque devastador, que pode pôr fim à influência do Excepcionalista Norte-americano na Eurásia.
Assim sendo, a natureza do gambito é tal, que eles podem adiar para mais tarde a própria saída da “unidade”-Cérbero, ou até que os EUA, digamos, tenham condições para de algum modo reequilibrarem as relações entre sionistas e wahhabistas a ponto de impedir que se materialize tal cenário – exatamente a política que os EUA praticam hoje. Washington vive de, volta e meia, ameaçar jogar o próprio peso a favor de um ou do outro lado e, com isso, quebrar o delicado equilíbrio que permite a paz entre as próprias três cabeças.
Washington nunca fala suficientemente sério nesse tipo de ameaça, e todas as facções excepcionalistas compreendem que precisam cada uma das outras, para continuar sobrevivendo até que tenham condições para lidar com a Coalizão Hercúlea que se opõe aos seus excepcionalismos, mas a possibilidade desse dilema de segurança suicidária consegue manter em pânico Israel e a Arábia Saudita, a ponto de garantirem inquestionável cooperação dentro da tríplice estrutura do Cérbero (no mínimo, por enquanto).
A única alternativa que resta ao Cérbero é a eventual remoção, de dentro de cada entidade cativa, da minoria Excepcionalista Ideológica. É o mesmo que dizer que teríamos os Excepcionalistas expulsos dos EUA; os sionistas, da Palestina; e os wahhabistas, da Arábia Saudita, o que levaria a uma mudança na organização interna de cada entidade e nas respectivas políticas externas. Nada disso implica que as entidades seriam geopoliticamente eliminadas, porque só as minorias Excepcionalistas Ideológicas e seus respectivos fieis estão sob ameaça existencial de perder algo (a saber: o poder que têm e sua “legitimidade”). Mas é esse medo que atormenta os que hoje estão no poder, e desesperadamente os motiva a agressivamente manterem vivo o Cérbero, prorrogando indefinidamente sua hegemonia unipolar.
Mas, ironicamente, como se vê, se conseguirem “sucesso” teórico na destruição da Coalizão Hercúlea, então as probabilidades aumentam de que possam vir a ser geopoliticamente eliminados, uma vez que as contradições ideológicas acima comentadas, entre excepcionalistas sionistas e excepcionalistas wahhabistas, significam inevitavelmente que, mais dia menos dia, estarão presos uns aos outros, num duelo de morte.
Mesmo no “melhor” cenário para os excepcionalistas sionistas e excepcionalistas wahhabistas, em que consigam derrotar a Coalizão Hercúlea multipolar, e que se faça alguma frágil paz fria entre esses dois campos incompatíveis, nada garante que os excepcionalistas norte-americanos não venham novamente a intrometer-se, fazendo aquele delicado equilíbrio pender para um, ou para o outro lado, para assim recriar o típico caldeirão de caos no Oriente Médio que serve excelentemente aos objetivos geopolíticos dos EUA.
Israel - Arábia Saudita - EUA unidos contra a Síria |
O Cérbero unipolar mutante formado dos três excepcionalismos – o norte-americano, o sionista e o wahhabista – é a verdadeira razão da desestabilização na Eurásia, e só a Coalizão Hercúlea, de Desafio e Resistência, de Rússia, China e Irã é capaz de pacificar a Eurásia. Hoje, o destino da Eurásia está dependente do destino da Síria, que é quem, hoje, resiste contra o Cérbero, porque o sucesso ou o fracasso dos sírios em sua luta de resistência terá reverberações dramáticas, das que modificam o futuro, em todo o supercontinente. Se a Síria e seu povo são bem-sucedidos e repelem a tentativa de massacre que se atenta contra eles, nesse caso terão conseguido salvaguardar o interior da Eurásia de modo muito mais confiável do que se fracassarem. E começarão a virar a maré contra o Cérbero. Mas se a Síria for derrotada, nesse caso o Cérbero não perderá tempo e logo lançará sua blitzkrieg, rápida, agressiva, assimétrica, contra a Área-Pivô Eurasiana, para rachar a Coalizão Hercúlea e derrotar os campeões da multipolaridade.
Deve-se ter sempre em mente, contudo, que não se pode culpar nem ocidentais, nem judeus, nem muçulmanos por o que o Cérbero faz. Culpados, sempre, são os componentes ideológicos excepcionalistas radicais que há nesses três grupos sociais (e que não representam a maioria, o que faz dos excepcionalistas minorias extremamente marginais) que assaltaram o controle de estados chaves, e agora usam suas entidades hospedeiras para engajá-las em luta global “por procuração” contra as forças multipolares da inclusão e da integração.
Mas a vitória unipolar do Cérbero não significará paz, porque é garantido que duas de suas três cabeças canibalizar-se-ão uma, a outra. Depois disso, a cabeça Excepcionalista Norte-americana, que sairá ilesa da luta de vida e morte entre as outras duas forças da ex-tríade, poderá varrer do mundo os restos das outras duas e declarar-se única vencedora do espólio global (que nunca poderia ser irmãmente dividido entre duas potências excepcionalistas, como são os sionistas e os wahhabistas).
Assim sendo, o único modo de se evitar que se cumpra essa previsão trágica para toda a humanidade, é a Coalizão Hercúlea salvar a Síria das garras do Cérbero, antes que mais uma campanha pancontinental de violência e autodestruição pós-“vitória” espalhe-se por toda a porção terrestre da Terra.
________________________________________
Notas dos tradutores
[1] Takfirismo – Crença antiga no mundo muçulmano, o “takfirismo” passou por um renascimento entre os militantes islâmicos egípcios depois da derrota para Israel, em 1967. Baseia-se na convicção de que o enfraquecimento da Umma (a comunidade dos fiéis muçulmanos) é resultado dos desvios dos próprios muçulmanos, de seu afastamento da religião. Todo muçulmano não praticante seria um infiel, um kafir. Os que aderem a essa doutrina são chamados a abandonar as sociedades muçulmanas existentes, a formar comunidades autônomas e combater os muçulmanos infiéis. Alguns pequenos grupos isolados de militantes “takfiristas” pipocaram no mundo árabe durante os anos 1970. Reagruparam-se no Afeganistão nos anos 1980, ao lado dos “mujahidin”, durante a guerra contra a ocupação soviética. O egípcio Ayman AL-Zawahiri, o dirigente uzbeque, Tahir Yaldeshiv e o xeique Essa, futuros membros do Estado-Maior da Al-Qaeda, já estavam entre os zelotes mais acirrados do takfirismo. A doutrina avançou no Iraque depois da invasão dos Estados Unidos, sendo Abu Mussab Al-Zarqawi, morto em 7 de junho de 2006, um de seus principais representantes-militantes naquele país. A partir de 2003, o takfirismo ganhou terreno rapidamente entre os dirigentes intermediários e os militantes de base da Al-Qaeda. Acreditando que a presença de infiéis no seio das sociedades muçulmanas fortalece o inimigo e constitui um perigo a ser eliminado, esses militantes não se definem mais somente em função de seu ódio contra o militarismo norte-americano: hoje, o takfirista é inimigo de todo muçulmano não praticante. Para que os indivíduos “desviados” do Islã possam ser reconduzidos à origem, os takfiris entendem que é preciso eliminar os dirigentes das sociedades muçulmanas “infiéis” (de Takfirismo, Fundação Lauro Campos. Comentários e correções são bem-vindos.
[2] Sobre Mackinder, ver MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999, resenhado em VILLA, Rafael Duarte, “Mackinder: Repensando a Política Internacional Contemporânea”, Rev. Sociol. Polit. n.14, Curitiba, jun.2000].
[3] Vide mapa. “A noção de Heartland, de Mackinder, pode ser entendida como “área-pivô”, “região-eixo”, “terra central” ou “coração continental”. Tal conceito designava o núcleo basilar da grande massa eurasiática que coincidia geopoliticamente com as fronteiras russas do início do século” (VILLA, loc. cit. nota 2).
[4] World Island é outro conceito mackinderiano, que rejeita a idéia tradicional de que possam existir quatro oceanos e seis continentes. Segundo a idéia de Mackinder, existia na verdade só um grande oceano, cujas águas recobririam três quartos da totalidade do globo. A esse grande continente o geógrafo inglês chamou de World Island (Ilha Mundial, Ilha-mundo). Esse conceito chama a atenção para o fato de que a China, mas não a Rússia, tem acesso a esse grande “oceano-mundo”. (in VILLA, Rafael Duarte, “Mackinder: Repensando a Política Internacional Contemporânea”, Rev. Sociol. Polit. n.14, Curitiba, jun.2000).
[5] CAIRO, Heriberto, “A América Latina nos modelos geopolíticos modernos: da marginalização à preocupação com sua autonomia”, Cad. CRH vol.21 no.53 Salvador May/Aug. 2008).
[6] Em 1943, em plena IIª Guerra Mundial, Mackinder produziria um “acréscimo” em sua teoria do poder terrestre, no artigo “The round world and the winning of the Peace” [Mundo redondo e a conquista da paz]. (...) Complementando a teoria do Heartland, Mackinder acrescenta a ela um novo conceito: o Midland Ocean (e seus três elementos – uma cabeça de ponte, na França; uma plataforma de lançamento de aviões, na Inglaterra; e uma reserva de forças bem adestradas e de recursos agrícolas e industriais, no leste dos Estados Unidos e Canadá (apud MELLO, 1999, p. 66). Geograficamente, o conceito abarcaria toda “a bacia do Atlântico Norte", ou, dito de outra maneira, abarcava as potências representantes do poder marítimo ocidental” (in MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999, resenhado em VILLA, Rafael Duarte, “Mackinder: Repensando a Política Internacional Contemporânea”, Rev. Sociol. Polit. n.14, Curitiba, jun.2000]).
[7] Fato: É impossível não pensar nas “parcerias” de Obama: Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) e Parceria Trans-Pacífico (TPP). Se se marcam no mapa de Mackinder os países reunidos em cada uma dessas “parcerias”, vê-se que o Cérbero está já saindo do “Crescente Interior” ou “Crescente Marginal”, e caminhando para as “Terras do Crescente Exterior” (O “f” de Lands of Outer Crescent está desenhado exatamente sobre Brasília [pano rápido]).
[8] Sobre a América Latina nesse quadro teórico, ver, interessantíssimo CAIRO, Heriberto, “A América Latina nos modelos geopolíticos modernos: da marginalização à preocupação com sua autonomia”, Cad. CRH vol.21 no.53 Salvador May/Aug. 2008).
[9] Em Fronteiras de Sangue [orig. Blood Borders], Peters sugeriu que se retraçassem as fronteiras do Oriente Médio e da Ásia seguindo as linhas étnicas, religiosas, tribais e de seitas, para assim reduzir as tensões regionais. Esse artigo foi e continua a ser considerado o guia de Washington para suas intervenções imperialistas [com informações colhidas no “link” acima, onde se vê também o mapa a seguir].
[1] Takfirismo – Crença antiga no mundo muçulmano, o “takfirismo” passou por um renascimento entre os militantes islâmicos egípcios depois da derrota para Israel, em 1967. Baseia-se na convicção de que o enfraquecimento da Umma (a comunidade dos fiéis muçulmanos) é resultado dos desvios dos próprios muçulmanos, de seu afastamento da religião. Todo muçulmano não praticante seria um infiel, um kafir. Os que aderem a essa doutrina são chamados a abandonar as sociedades muçulmanas existentes, a formar comunidades autônomas e combater os muçulmanos infiéis. Alguns pequenos grupos isolados de militantes “takfiristas” pipocaram no mundo árabe durante os anos 1970. Reagruparam-se no Afeganistão nos anos 1980, ao lado dos “mujahidin”, durante a guerra contra a ocupação soviética. O egípcio Ayman AL-Zawahiri, o dirigente uzbeque, Tahir Yaldeshiv e o xeique Essa, futuros membros do Estado-Maior da Al-Qaeda, já estavam entre os zelotes mais acirrados do takfirismo. A doutrina avançou no Iraque depois da invasão dos Estados Unidos, sendo Abu Mussab Al-Zarqawi, morto em 7 de junho de 2006, um de seus principais representantes-militantes naquele país. A partir de 2003, o takfirismo ganhou terreno rapidamente entre os dirigentes intermediários e os militantes de base da Al-Qaeda. Acreditando que a presença de infiéis no seio das sociedades muçulmanas fortalece o inimigo e constitui um perigo a ser eliminado, esses militantes não se definem mais somente em função de seu ódio contra o militarismo norte-americano: hoje, o takfirista é inimigo de todo muçulmano não praticante. Para que os indivíduos “desviados” do Islã possam ser reconduzidos à origem, os takfiris entendem que é preciso eliminar os dirigentes das sociedades muçulmanas “infiéis” (de Takfirismo, Fundação Lauro Campos. Comentários e correções são bem-vindos.
[2] Sobre Mackinder, ver MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999, resenhado em VILLA, Rafael Duarte, “Mackinder: Repensando a Política Internacional Contemporânea”, Rev. Sociol. Polit. n.14, Curitiba, jun.2000].
[3] Vide mapa. “A noção de Heartland, de Mackinder, pode ser entendida como “área-pivô”, “região-eixo”, “terra central” ou “coração continental”. Tal conceito designava o núcleo basilar da grande massa eurasiática que coincidia geopoliticamente com as fronteiras russas do início do século” (VILLA, loc. cit. nota 2).
[4] World Island é outro conceito mackinderiano, que rejeita a idéia tradicional de que possam existir quatro oceanos e seis continentes. Segundo a idéia de Mackinder, existia na verdade só um grande oceano, cujas águas recobririam três quartos da totalidade do globo. A esse grande continente o geógrafo inglês chamou de World Island (Ilha Mundial, Ilha-mundo). Esse conceito chama a atenção para o fato de que a China, mas não a Rússia, tem acesso a esse grande “oceano-mundo”. (in VILLA, Rafael Duarte, “Mackinder: Repensando a Política Internacional Contemporânea”, Rev. Sociol. Polit. n.14, Curitiba, jun.2000).
[5] CAIRO, Heriberto, “A América Latina nos modelos geopolíticos modernos: da marginalização à preocupação com sua autonomia”, Cad. CRH vol.21 no.53 Salvador May/Aug. 2008).
[6] Em 1943, em plena IIª Guerra Mundial, Mackinder produziria um “acréscimo” em sua teoria do poder terrestre, no artigo “The round world and the winning of the Peace” [Mundo redondo e a conquista da paz]. (...) Complementando a teoria do Heartland, Mackinder acrescenta a ela um novo conceito: o Midland Ocean (e seus três elementos – uma cabeça de ponte, na França; uma plataforma de lançamento de aviões, na Inglaterra; e uma reserva de forças bem adestradas e de recursos agrícolas e industriais, no leste dos Estados Unidos e Canadá (apud MELLO, 1999, p. 66). Geograficamente, o conceito abarcaria toda “a bacia do Atlântico Norte", ou, dito de outra maneira, abarcava as potências representantes do poder marítimo ocidental” (in MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec/Edusp, 1999, resenhado em VILLA, Rafael Duarte, “Mackinder: Repensando a Política Internacional Contemporânea”, Rev. Sociol. Polit. n.14, Curitiba, jun.2000]).
[7] Fato: É impossível não pensar nas “parcerias” de Obama: Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) e Parceria Trans-Pacífico (TPP). Se se marcam no mapa de Mackinder os países reunidos em cada uma dessas “parcerias”, vê-se que o Cérbero está já saindo do “Crescente Interior” ou “Crescente Marginal”, e caminhando para as “Terras do Crescente Exterior” (O “f” de Lands of Outer Crescent está desenhado exatamente sobre Brasília [pano rápido]).
[8] Sobre a América Latina nesse quadro teórico, ver, interessantíssimo CAIRO, Heriberto, “A América Latina nos modelos geopolíticos modernos: da marginalização à preocupação com sua autonomia”, Cad. CRH vol.21 no.53 Salvador May/Aug. 2008).
[9] Em Fronteiras de Sangue [orig. Blood Borders], Peters sugeriu que se retraçassem as fronteiras do Oriente Médio e da Ásia seguindo as linhas étnicas, religiosas, tribais e de seitas, para assim reduzir as tensões regionais. Esse artigo foi e continua a ser considerado o guia de Washington para suas intervenções imperialistas [com informações colhidas no “link” acima, onde se vê também o mapa a seguir].
[*] Andrew Korybko é Analista Político e escreve extensivamente sobre as relações internacionais da Rússia. É especialista em política do Oriente Médio, Ásia Central e Europa Oriental. Freqüente comentarista de TV e rádio. Originário de Cleveland, Ohio, está concluindo estudos de pós-graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO).
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