EUA: economia declina, aumenta a ameaça de guerra


7/5/2015, [*] Paul Craig RobertsAnnual Conference of the Financial West Group, New Orleans – publicado por Information Clearing House
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A Economia dos EUA
Os eventos definitórios de nosso tempo foram o colapso da União Soviética, o 11/9, a exportação de postos de trabalho dos norte-americanos e a desregulação das finanças. Nesses eventos encontra-se a base dos problemas da política exterior dos EUA e de seus problemas econômicos.

Os EUA sempre tiveram boa opinião de si mesmos, mas, com o colapso da União Soviética, a autossatisfação alcançou novos píncaros. Os EUA tornaram-se o povo excepcional, o povo indispensável, o povo que a história escolheu para exercer hegemonia eterna sobre o mundo. Essa doutrina neoconservadora libera o governo dos EUA do dever de cumprir a lei internacional e autoriza Washington a usar de coerção contra estados soberanos para refazer o mundo à sua imagem e semelhança.

Paul Wolfowitz
Para proteger o status de Washington como única potência que resultara do colapso da União Soviética, Paul Wolfowitz, em 1992, escreveu a doutrina que ficaria conhecida como Doutrina Wolfowitz. Essa doutrina é a base da política externa de Washington. A doutrina declara:

Nosso primeiro objetivo é impedir a re-emergência de novo rival, no território da União Soviética [1] [orig. ex-União Soviética] ou noutro lugar, que implique ameaça do tipo da que foi a União Soviética. Essa é consideração dominante subjacente à nova estratégia regional de defesa e exige que nos dediquemos a impedir que qualquer potência hostil domine qualquer região cujos recursos sejam, sob controle consolidado, suficientes para gerar poder global.

Em março desse ano (2015), o Conselho de Relações Exteriores dos EUA estendeu essa doutrina também para a China.

Washington está agora dedicada a bloquear a ascensão de dois grandes países que têm arsenais nucleares. Essa dedicação é a razão da crise que Washington inventou na Ucrânia e de ela ser usada como propaganda anti-Rússia. A China enfrenta hoje o “Pivoteamento para a Ásia” e a construção de novas bases aéreas e marítimas dos EUA, para assegurar que Washington tenha total controle sobre o Mar do Sul da China, agora definido como Área de Interesse Nacional dos EUA.

Joseph Stiglitz
O 11/9 serviu para lançar a guerra dos neoconservadores, pela hegemonia sobre o Oriente Médio. O 11/9 também serviu para lançar o estado policial doméstico, dentro dos EUA e contra os norte-americanos. Enquanto as liberdades civis iam-se atrofiando dentro dos EUA, os EUA passaram quase todo este início do século XXI em guerra, guerras que custaram aos EUA, segundo Joseph Stiglitz e Linda Bilmes, no mínimo US$ 6 trilhões de dólares. Essas guerras, todas elas, deram péssimo resultado. Desestabilizaram os governos de uma importante área produtora de energia. E as guerras multiplicaram muitas vezes os “terroristas”, os mesmos cujo aniquilamento fora a razão oficial para as guerras.

Assim como o colapso da União Soviética deixou livre o caminho para a hegemonia dos EUA, também exportou para bem longe os empregos dos norte-americanos. O colapso da União Soviética convenceu China e Índia a abrir aos capitais norte-americanos seus massivos e subutilizados mercados de trabalho. Empresas norte-americanas, com até os mais relutantes arrastados pelos grandes varejistas e pela ameaça de retomada das propriedades pelos urubus de Wall Street, transferiram para o exterior os empregos na manufatura, na indústria e todos os tipos de serviços profissionais comercializáveis, como engenharia de programas de computação. 

Assim a classe média foi dizimada, e perderam as escadas que havia para a mobilidade social (para cima). O PIB e a base tributária dos EUA moveram-se com os empregos, para China e Índia. As rendas das famílias norte-americanas de renda média deixaram de crescer e entraram em declínio. Sem crescimento de renda para puxar a economia, Alan Greenspan recorreu à expansão da dívida dos consumidores, que se expandiu até o esgotamento. Atualmente, já nada há que puxe a economia.

Quando os bens e serviços produzidos fora, nos postos de trabalho exportados para longe, chegam aos EUA para serem vendidos, entram como importações, o que piora muito a situação da balança comercial. Estrangeiros passam então a usar seus superávits para comprar papéis, ações, empresas e propriedade imobiliária nos EUA. Consequentemente, lucros, dividendos, ganhos de capital e rendas são redirecionados, dos norte-americanos para estrangeiros. Isso piora ainda mais o déficit já existente.

Para proteger o valor de câmbio do dólar, dados os grandes déficits em conta corrente e a criação de dinheiro para dar jeito nos balanços dos “bancos grandes demais para quebrar”, Washington conta com bancos centrais, no Japão e na Europa, para que continuem a imprimir dinheiro e dinheiro sem parar. A emissão de yens e euros supera a emissão de dólares e, assim, protege o valor de compra do dólar.


Lei Glass-Steagall que separava os bancos comerciais e os bancos de investimento foi, pode-se dizer, desgastada, antes de ser completamente rejeitada durante o segundo mandato do governo Clinton. Essa rejeição da lei, somada ao fracasso para regular os derivativos, a remoção de qualquer limite a posições de especuladores, e a enorme concentração que resultou do status de letra morta das leis antitrustes, produziram, não a utopia de algum ‘livre mercado’, mas, isso sim, crise financeira grave, que perdura. A liquidez emitida para fazer frente à crise resultou em bolhas, no mercado de ações e de papéis.

Implicações, consequências, soluções:

Quando a Rússia bloqueou a invasão da Síria e o bombardeio do Irã planejados pelo governo Obama, os neoconservadores deram-se conta de que, enquanto eles, por uma década, só pensavam nas guerras que inventaram no Oriente Médio e na África, o presidente Putin havia reabilitado a economia e o exército russos.

O primeiro objetivo da doutrina Wolfowitz – impedir a re-emergência de algum novo rival – havia fracassado. Aí estava a Rússia, a dizer “não” aos EUA. O Parlamento Britânico uniu-se a ela ao vetar a participação de forças britânicas na invasão norte-americana contra a Síria. O poder da única potência fora abalado.

Com isso, a atenção dos neoconservadores saltou, do Oriente Médio, para a Rússia. Durante toda a década passada, Washington consumira US$ 5 bilhões financiando políticos atuais e potenciais na Ucrânia, além de Organização Não Governamentais (ONGs) que podiam ser postas nas ruas, em “protestos”.

Quando o presidente da Ucrânia fez um cálculo de custo-benefício da proposta de associação da Ucrânia à União Europeia, viu que era mau negócio para a Ucrânia e rejeitou a proposta. Foi quando Washington ordenou às suas ONGs que tomassem as ruas. Os neonazistas aderiram à violência, e o governo, despreparado para a violência, entrou em colapso.

Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt
Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt escolheram os novos governantes ucranianos e estabeleceram na Ucrânia um regime vassalo.

Washington esperava usar esse golpe de estado para expulsar os russos de sua base naval do Mar Negro, a única base russa em águas temperadas. Mas a Crimeia, que fora parte da Rússia durante séculos, votou, em plebiscito sua reintegração à Rússia. Foi terrível frustração para Washington, mas ela recobrou-se; e decretou que o ato de autodeterminação soberana dos crimeanos dever-se-ia chamar “invasão russa” e “anexação da Crimeia”. Washington usou esse golpe de propaganda para quebrar o relacionamento econômico e político entre Europa e Rússia, pressionando a Europa para que impusesse sanções contra a Rússia.

As sanções tiveram efeito muito pior sobre a Europa, que sobre a Rússia. E os europeus, hoje, já se preocupam mais com a crescente beligerância de Washington, do que com a Rússia. A Europa nada tem a ganhar de algum conflito com a Rússia, e teme estar sendo empurrada para a guerra. Há indicações de que alguns governos europeus começam a considerar avaliar, eles mesmos, política externa independente da de Washington.

A demonização e a virulenta campanha de propaganda anti-Rússia, destruiu a confiança que a Rússia tivesse no ocidente. Com o comandante Breedlove da OTAN a exigir mais dinheiro, mais soldados, mais bases próximas às fronteiras da Rússia, a situação é claramente perigosa. E num desafio militar direto contra Moscou, Washington agora inventou de incorporar à OTAN a Ucrânia e a Geórgia, dois estados que já foram províncias da Rússia.

No plano econômico, o dólar como moeda de reserva já se converteu em problema para todo o mundo. Sanções e outras formas do imperialismo financeiro norte-americano levam os países – inclusive países muito grandes – a deixar o sistema de pagamentos em dólar. Como o comércio exterior vai-se fazendo cada vez mais sem recorrer ao dólar norte-americano, a demanda por dólares diminui, mas a oferta foi muitíssimo ampliada como resultado do “Alívio Quantitativo” [orig. Quantitative Easing]. Por causa da produção deslocalizada para fora do país e da dependência dos EUA de importados, uma queda no valor do dólar resultaria em inflação doméstica, o que baixaria ainda mais os padrões de vida nos EUA e ameaçaria os já fraudados mercados de ações, de títulos e de metais preciosos.

A razão real para o Alívio Quantitativo é dar apoio aos balanços dos bancos. Mas a razão oficial é estimular a economia e sustentar a recuperação econômica. O único sinal de recuperação é o PIB real, que se mostra positivo, só porque o deflator está subvaliado.

Há clara evidência de que não houve recuperação econômica alguma. Com o PIB do primeiro trimestre negativo, e o do segundo trimestre já com sinais de que também será negativo, a segunda perna da longa virada para baixo pode já começar nesse verão.


Sobretudo, o atual alto desemprego (23%) é diferente do desemprego que havia antes. No século XX pós-guerra, o Federal Reserve enfrentou a inflação esfriando toda a economia. Vendas declinam, estoques crescem e há dispensa de empregados. Com o aumento do desemprego, o Fed invertia o curso e os trabalhadores eram novamente convocados para os empregos. Hoje, os empregos já não estão nos EUA. Foram exportados para outros países. As fábricas se foram. Não há empregos para os quais reconvocar os trabalhadores.

Restaurar a economia exigiria reverter a exportação de empregos e postos de trabalho e trazer os empregos de volta para os EUA. Pode-se fazer, se se alterar o modo como se cobram impostos das grandes corporações. A taxa de imposto a pagar sobre lucro das empresas pode ser determinada pela localização geográfica onde as empresas agregam valor aos produtos que comerciam nos EUA. Se os bens e serviços são produzidos no exterior, as taxas de impostos sobem. Se bens e serviços são produzidos domesticamente, as taxas podem ser mais baixas. Podem-se usar os impostos para criar vantagens a favor de produtos produzidos nos EUA.

Mas essa reforma é bem pouco provável, considerando-se o poder de lobbying das corporações transnacionais e de Wall Street. Concluo pois que a economia dos EUA continuará declinante.

No front de política externa, a húbris e a arrogância da autoimagem dos EUA como o país “excepcional, indispensável” com direitos hegemônicos sobre outros países significam que o mundo está condenado à guerra. Nem Rússia nem China aceitarão a posição de vassalagem que Grã-Bretanha, Alemanha, França e o resto da Europa, Canadá, Japão e Austrália aceitaram. A Doutrina Wolfowitz deixa bem claro que o preço da paz mundial é o mundo aceitar a hegemonia de Washington.

Assim sendo, a menos que o dólar e, com ele, o poder dos EUA, entrem em colapso, ou a Europa tenha afinal coragem de romper com Washington e buscar política externa independente, dizendo adeus à OTAN, o futuro que mais provavelmente nos espera é a guerra nuclear.

A agressão que Washington comete e a propaganda violenta já convenceram Rússia e China de que Washington quer guerra, e essa percepção já aproximou dos dois países numa aliança estratégica. A celebração do Dia da Vitória, 9 de maio, na Rússia, que marca os 70 anos da derrota de Hitler é ponto de virada histórica. Governantes ocidentais boicotaram a celebração, mas os chineses lá estavam, substituindo-os. Pela primeira vez, soldados chineses desfilaram ao lado de soldados russos, e o presidente da China e a esposa sentaram-se ao lado do presidente Putin da Rússia.

A matéria do Saker sobre o evento é interessante. Vejam com atenção o gráfico em que se vê o número de baixas na IIª Guerra Mundial. As baixas russas, comparadas às baixas somadas de EUA, Reino Unido e França deixam ver com perfeita clareza que quem derrotou Hitler foi a Rússia.

Nesse ocidente orwelliano, as versões mais recentemente reescritas da história deixam de fora que foi o Exército Vermelho que destruiu a Wehrmacht. Alinhado com essa história reescrita, inventada, Obama, no discurso dos 70 anos da rendição alemã só falou das forças dos EUA. Bem diferente disso, para muito melhor, Putin agradeceu aos “povos de Grã-Bretanha, França e EUA pela sua contribuição para a vitória.

A vitória em Stalingrado

Já há muitos anos o presidente Putin repete publicamente que o ocidente não ouve a Rússia. Washington e seus estados sabujos na Europa, Canadá, Austrália e Japão não ouvem quando a Rússia diz “não nos provoquem demais. Nós não somos o inimigo. Queremos ser parceiros de vocês”.

Com os anos passando sem que Washington lhes desse atenção, Rússia e China finalmente se aperceberam de que só lhes resta escolher entre vassalagem ou guerra.

Houvesse gente inteligente, qualificada, no Conselho de Segurança Nacional, no Departamento de Estado, ou no Pentágono, Washington já teria sido avisada para afastar-se da política neoconservadora de semear desconfiança. Mas com a húbris neoconservadora a ocupar todos os nichos do governo, Washington cometeu o erro que pode ser fatal para toda a humanidade.

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[1] NOTA IMPORTANTE DA VILA VUDU: Depois de demoradas discussões, votamos e decidimos que NUNCA MAIS ESCREVEREMOS “ex-União Soviética” ou “extinta União Soviética”. Os comunistas sempre dissemos/escrevemos “União Soviética” – e assim deve ser.
Concluímos que ninguém diz/pensa/escreve “extinta França Imperial”, “ex-Quilombo dos Palmares”, “ex-Brasil Colônia”, “extinto Adoniram Barbosa”.

Ninguém, no mundo do capital, diz, sequer, “extinta Alemanha Nazista”, nem ninguém diz “ex-Espanha Franquista”. Mas tooooodos os atores e agentes do mundo do capital – sobretudo os “jornalistas”! – dizem/escrevem SEMPRE “ex-URSS”. Vejam como são as coisas: tudo é sempre, luta de classes, até a lexicologia e a sintaxe.

Esse repetido “ex”/”extinta” só aparece em “ex-URSS”/“extinta URSS”, porque interessa ao capital, ao ocidente capitalista e aos papagaios de repetição que se leem/ouvem na imprensa-empresa brasileira [só rindo!], repetir sempre, sempre, sempre, que a URSS “foi extinta”. Ora! A URSS foi tão “extinta” quanto o Quilombo de Palmares ou Pixinguinha ou Adoniram ou o Palestra Itália ou o Pátio do Colégio.

Por tudo isso, doravante escreveremos/traduziremos sempre “União Soviética” ou “URSS”. É nossa decisão de gramática comunista.

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[*] Paul Craig Roberts (nascido em 3/4/1939) é um economista norte-americano, colunista doCreators Syndicate. Serviu como Secretário-Assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da ReaganomicsEx-editor e colunista do Wall Street Journal,Business Week e Scripps Howard News ServiceTestemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch  Information Clearing House, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia,  Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

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