A austeridade funciona para quem?

Analistas mostram que a austeridade na Europa não trouxe qualquer economia de novo para o rumo do crescimento, apenas parou-as no tempo.

José Carlos Peliano*
Jane de Araújo/Agência Senado
Os cânones da teoria econômica ortodoxa apresentam teses, argumentos e números para provarem por a b que a austeridade é um propósito e uma decisão eficaz e eficiente para manter a economia em funcionamento.

Tanto em períodos de desajuste macroeconômico, quanto em situações plenas de crescimento, quando aí, e somente aí, os empresários passam a ser solidários entre si. Embora uns mais que outros, o fato é que todos conseguem ganhar mais que em períodos de vacas magras.


A proposta básica da austeridade é a manutenção de um caixa público sob controle, sem pressões de interesses corporativos nem de conchavos políticos, muitos dos quais eivados de pedágios. Além de segurar as rédeas da economia.

A ideia não é de forma alguma inapropriada, pelo contrário ela apenas nos revela o óbvio, quanto menos se gasta sem controle e planejamento, quanto melhor para a saúde financeira do estado.

Ocorre que isto funciona assim para mim, para você, para todos nós contribuintes e respectivas famílias. Esta é a nossa racionalidade econômica e financeira do dia a dia.

Nós não podemos fazer dinheiro além de nossos salários e rendas. Mas o estado pode, tem este poder. Basta que emita títulos públicos reembolsáveis mais tarde para que o mercado os compre e traga recursos ao caixa público.

Essa visão reducionista de contador, com todo o respeito pela profissão, apenas soma as receitas e mostra quais gastos podem e devem ser feitos. Claro que essa escolha é discricionária especialmente em períodos de baixa na atividade econômica.

Pois bem, a alternativa à austeridade é a chamada política econômica keynesiana. Seu pressuposto básico é manter a taxa de investimento em níveis favoráveis, ou seja, os gastos públicos fora da esfera do consumo deverão continuar a ser feitos a fim de fomentar a economia, trazendo mais recursos na virada do ciclo para a formação da poupança das empresas e famílias.

É o procedimento anticíclico, quando a economia vai devagar injeta-se recursos para recuperá-la; quando ela vai bem restringe-se os recursos para mantê-la em trajetória saudável sem pressões inflacionárias indesejáveis.

Keynes era capitalista convicto e sua teoria serviu para alertar os adeptos a conseguirem manter o sistema funcionando bem, para mim, para você, para nossas famílias, para as empresas e para o estado. Não fez mais que isto, embora com elegância teórica e precisão cirúrgica com dados da realidade.

O que faz a austeridade? Segura as rédeas públicas, corta recursos para investimentos e mantém ao mínimo os recursos de consumo da máquina administrativa. Para evitar pressão inflacionária, de onde?, elevam as taxas básicas de juros desestimulando empréstimos e financiamentos para projetos novos de investimento.

O que acontece? O aprofundamento do ciclo recessivo, justo ao contrário da política keynesiana. Caiem o movimento dos gastos na economia tanto das famílias quanto das empresas e governo. Tipo bola de neve. O desemprego se alastra e os salários perdem valor – as empresas que resistem provocam rotatividade para recontratar por menor valor.

Até onde vai esse movimento para baixo? Até onde os arautos da austeridade acharem que o fundo do poço já chegou. Por que aí, meus amigos, é fácil. Economia desativada e à míngua é prato feito para começar de novo beirando o zero, qualquer recurso novo vai nutrir um corpo econômico combalido. Bingo!

O Brasil está nesta rota. De tão combalido vai acabar “levytando”! Os argumentos serão os mesmos de sempre, o ajuste fiscal foi necessário para recolocar a economia nos trilhos e recupera-la. Os custos sociais são inevitáveis, dirão, mas o futuro é promissor.

Só que os custos sociais estão reservados para todos nós, trabalhadores e aposentados. Os banqueiros estão fora dessa, mais uma vez. Na realidade, são os únicos que se mantém bem tanto na expansão quanto na recessão. Nesta situação, como agora, os caixas cheios de dinheiro vão migrar para papéis públicos a fim de manter seus rendimentos.

Ou vão ficar saltitando na Bolsa em busca de valorizações diárias. Nada para projetos novos de investimento, apenas o ganho financeiro em cima de aplicações financeiras. O dinheiro no comando e controle.

Analistas mostram que a austeridade na Europa não trouxe qualquer economia de novo para o rumo do crescimento, apenas parou-as no tempo, se arrastando um pouco aqui e ali. Os salários, pensões e aposentadorias perderem valor, o desemprego continua alto e desproporcional entre jovens e adultos.

Mas os bancos estão bem. Haja visto a pressão sobre a combalida Grécia. No mesmo curso Portugal e Espanha. O fato é que a austeridade retira recursos do povo para o pagamento das dívidas do estado.

O ministro da Fazenda do Brasil está aplicando o que sabe. Não é culpa dele, foi chamado e faz o que aprendeu. Ah! Sim, há questões políticas envolvidas, por isso a solução encontrada foi esta. Falta de sintonia política ou conhecimento econômico, ou os dois?

E no bojo dessa situação econômica precária querem emplacar a legitimação legal da terceirização. Tentam cobrir o sol com a peneira. Segurar algumas vagas de emprego com salários menores, pelo menos em 30%, que é a queda estimada. O que não é nada mal para os empresários, embora ultrajante para nós trabalhadores. Pagar menos pelo trabalho que antes fazíamos por mais.

O velho Marx dizia que o capital faria de tudo para poder produzir sem trabalho. Não haveria de pagar salários, retiraria somente os lucros ao final. Com a terceirização ele chega mais perto do objetivo, embora tenha muito que rebolar ainda para se desfazer dos trabalhadores.

Aumento de produtividade não se consegue com austeridade, mas com investimentos em projetos de novas tecnologias. Política industrial seletiva é uma boa solução e não cortes horizontais sem horizonte definido. Mesmo com vacas magras é possível retirar algum leite, basta saber ordenhá-las. Aí, meus amigos, vale a experiência de trabalho, de nós trabalhadores.

 
* colaborador da Carta Maior


Créditos da foto: Jane de Araújo/Agência Senado

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