Um caso de censura na Jovem Pan, que se cala enquanto fatura com a publicidade da Sabesp
publicado em 17 de abril de 2015
Foi visitando Itapajé, no interior do Ceará, que eu, Azenha, me dei conta do alcance da Jovem Pan: via satélite, a emissora fazia jus ao apelido de Klu Klux Pan. Se a Globo é a voz da direita carioca, a Pan é a voz da direita paulista no interior do Nordeste. Abaixo, o artigo de Luiz Antonio Cintra, ex-editor de economia da revista CartaCapital:
A Jovem Pan se cala enquanto fatura a publicidade da Sabesp
Por Luiz Antonio Cintra, especial para o Viomundo
O segundo turno da eleição de 2014 foi no domingo 26 de outubro. Estávamos na terça-feira seguinte, dia 28. Eu começara na véspera a colaborar como freelancer na produção do comentário diário do publicitário Mauro Motoryn, a quem fui apresentado poucos dias antes, a serem veiculados na rádio Jovem Pan. “Fui convidado para ser uma espécie de contraponto ao Reinaldo Azevedo, à esquerda, naturalmente”, me explicou quando acertamos a colaboração. À direita, claro, seria difícil.
Naquela terça à tarde, fui com Motoryn conhecer a sede da rádio, já que meu posto de trabalho ficaria na Faria Lima, sede da agência do publicitário. A ideia era me apresentar aos técnicos do estúdio, ao diretor de jornalismo, “ao pessoal da rádio”, enfim. Com muitos anos de experiência em mídia impressa e online, achei que seria um passeio interessante.
Em seguida gravaríamos a participação de Motoryn para transmissão no dia seguinte. Um comentário de cerca de 1 minuto, veiculado várias vezes ao dia pelas dezenas de retransmissoras da JP. Seus ouvintes, fui informado na ocasião, se concentram na capital e no interior paulistas, mas vão muito além, através de mais de 90 “afiliadas” espalhadas pelo país, inclusive – e cada vez mais – nos estados do Nordeste.
Nessa terça-feira também soube que nos seis meses anteriores ao segundo turno das eleições de 2014, o jornalista Reinaldo Azevedo fora a grande estrela da casa. Ainda mais à vontade do que no site da Veja ou na coluna da Folha, Azevedo servira combustível farto para fermentar a onda raivosa antipetista. No estilo consagrado: meias-verdades, um tantão de mentiras deslavadas, um ou outro fato, como tem sido a sua marca na última década.
Tomei conhecimento das performances de Azevedo a posteriori, quando pela internet cacei alguns de seus programas para sentir o clima. Aqui (http://goo.gl/w41OJp) é possível ouvir uma das participações de Azevedo na rádio. Foi feita com o subsecretário de comunicação do estado de São Paulo, Márcio Aith, em plena campanha eleitoral. (Vale notar que Azevedo promove Aith a “secretário de Comunicação”, ainda que no mundo real ele seja subsecretário mesmo.)
Naquele contexto cabia a mim sugerir temas a serem abordados nos comentários de Motoryn. O foco do publicitário é a qualidade de vida nas cidades, ele me disse quando topei o frila, o que incluiria editar um site alimentado por uma equipe de jornalistas e publicitários.
Aproveitaríamos como base de dados as informações coletadas por um aplicativo chamado My Fun City, premiado pela ONU, através do qual “os cidadãos teriam condições de expor os problemas enfrentados em seus bairros e cidades”. Serviriam de gancho para os comentários na rádio.
Estávamos àquela altura em pleno apagão de informações sobre a crise de gestão do Cantareira. Pareceu-me pertinente, portanto, começarmos por aí. Após alguma pesquisa, cheguei ao tema: falássemos da crise hídrica, porém pela ótica da qualidade da água do Cantareira.
Uns meses antes, eu soube de um estudo feito pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), ligado ao governo de Minas, segundo o qual a qualidade das águas que abastecem o Cantareira tem piorado de maneira preocupante. Em quatro anos, quadruplicou o número de amostras de má qualidade, diz o Igam, com base em amostras coletadas nos rios da região da cidade de Extrema (MG), a poucos quilômetros da fronteira com São Paulo. De Extrema e outras três cidades próximas saem 70% das águas do sistema que abastece regiões das cidades de São Paulo e Campinas.
Como percorre dois estados, a outorga que regula o Sistema Cantareira é federal. Dessa forma caberia à Agência Nacional de Águas (ANA) fiscalizar os compromissos assumidos pelo governador Geraldo Alckmin, ainda em 2003, quando o estado de São Paulo assinou a renovação da outorga e se comprometia a reduzir a dependência dos municípios paulistas do Cantareira.
Desde então, agora está evidente, o governo paulista fez quase nada do prometido. E a dependência, passados 11 anos, aumentou, em vez de cair. O governo mineiro, ao criar incentivos fiscais e fazer da região de Extrema o segundo maior polo industrial do estado, atrás apenas de Betim, deixou a qualidade das águas se deteriorar rapidamente.
À medida que a população aumentou na região (de 40 mil para mais de 70 mil), também cresceu a descarga de esgoto residencial, agropecuário e industrial, lançada sem tratamento nos rios que abastecem o Cantareira. A agência federal, a ANA, também tem o seu quinhão de responsabilidade, por omissão: não cumpriu a sua função fiscalizadora, deixou o termo assinado em 2003 mofar nas gavetas de Brasília.
Foto Luiz Antonio Cintra
Mas voltemos ao estúdio da Jovem Pan. Ali instalados, dei a minha sugestão de pauta, logo aceita por Motoryn, sempre atento a sua função de desempenhar ali o papel de O Anti-Azevedo. (Depois me dei conta de que o convite para ser o tal contraponto saíra após a confirmação da vitória de Dilma, ou seja, da derrota do candidato da rádio, Aécio Neves.)
Eu fizera um rascunho do comentário. Após alguns testes rápidos, feitos com o microfone ainda desligado, Motoryn deu sinal para um profissional da Jovem Pan, encarregado de supervisionar a gravação, indicando que começaríamos a gravar para valer. De outra sala, separada da que estávamos por uma grande janela antirruído, esse profissional acompanharia Motoryn por um fone de ouvidos. E sinalizaria quando chegássemos a um comentário considerado satisfatório, conforme o “padrão Jovem Pan de qualidade”.
Fechada a sala em que estávamos, Motoryn começou a falar. Logo, porém, mencionou a escassez de água do Cantareira, mas sem ter tempo de ir muito longe. Em poucos segundos, o tal supervisor da Jovem Pan se levantou, sumiu por um brevíssimo instante e logo entrou no estúdio onde gravávamos. “Mauro, aí não… aí não, Mauro. desse jeito fica ruim pra gente… Melhor não falar de água por enquanto, a Sabesp está colocando uma grana na rádio. Não tem outro assunto, não?”, perguntou o que me fora apresentado pouco antes como o “Reginaldo do programa de Azevedo”. Depois descobri que o sujeito serve de escada, como se diz no teatro, para os comentários de Azevedo, sendo citado amiúde.
Diante do constrangimento, me calei, aguardando os desdobramentos. Rapidamente Motoryn sacou da própria cabeça o plano B, um comentário improvisado e genérico sobre os problemas enfrentados pelos usuários dos planos de saúde. Foi esse o comentário veiculado no dia seguinte.
Meia hora depois, estávamos fora da Jovem Pan. Dormi mal aquela noite, inclusive porque uma reforma nos estúdios da rádio, com muita poeira de construção no ar, piorara a crise alérgica que eu enfrentava naqueles dias secos e extremamente poluídos de outubro.
Na manhã seguinte, encerrei a minha colaboração de dois dias (não remunerados, por minha opção). Optei por ser curto: mandei um torpedo, sugeri que buscassem novo colaborador.
Essa história me voltou à cabeça ao ler o artigo do subsecretário Aith, publicado recentemente pela Folha de S. Paulo. Ele destaca em seu texto a série de campanhas publicitárias feitas pela Sabesp em 2014. Não menciona os valores gastos, mas a intenção era demonstrar que a estatal paulista não ficara inerte diante da crise.
E, de fato, a comunicação do governo paulista não ficou parada no período pré-eleitoral, não resta dúvida. Ao contrário. No caso da Sabesp, a ofensiva midiática – mais de R$ 50 milhões foram investidos pela estatal em publicidade no ano passado – serviu principalmente para calar certa mídia. Para comprar um silêncio interesseiro e nada obsequioso.
PS1 do Viomundo: Um colega jornalista, que chamarei apenas de Fonte Luminosa, nos enviou os dados seguintes em fevereiro deste ano, com o comentário de que o jogo é pesado entre o Palácio dos Bandeirantes e o departamento comercial de emissoras e jornais.
Nem preciso falar para manter a fonte em sigilo. Os gastos com publicidade da Sabesp cresceram 88% entre 2013 e 2014. No mesmo período, os gastos com veiculação aumentaram 124%. São os anúncios da empresa nas TVs, rádios, jornais e revistas que correspondem a 95% de todo o dinheiro gasto nos veículos.
A participação dos anúncios também aumentou em 14% de um ano para o outro. Eles não discriminam quem recebeu o que, mas colocam os valores discriminados por tipo de mídia e a lista das empresas que receberam a verba. TVs correspondem a mais de 50%. Não deve ser coincidência que a crise da água ainda seja tratada de maneira quase criminosa pela mídia tradicional. Há ainda o fator eleição, mas se comparar 2012 com 2011 verá que não aumentou 20%. Portanto, ao analisar estes números e a omissão de todos os veículos, chego mesmo à conclusão que eles pagaram para culpar São Pedro, o governo federal, a prefeitura e esconder quem realmente é culpado por isso. Os arquivos ainda estão disponíveis no site da Sabesp.
PS2 do Viomundo: O documento abaixo, obtido de forma exclusiva pelo Viomundo junto ao Fonte Luminosa, mostra quem são os donos do capital privado da Sabesp. Em outras palavras, quem lucrou lá atrás quando a Sabesp pagou dividendos em vez de investir na captação de água e quem vai lucrar agora com a majoração dos preços da água. Até o HSBC tá na lista. Resumo: enquanto os paulistas sofrem com a falta d’água, os investidores privados de todo o mundo dão risada…
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