Por Paulo Nogueira: A Globo é quase uma vítima da ditadura, na versão 2015 de seus donos.
Não sei por que, ao ler a entrevista dos irmãos Marinhos no Valor me vieram à cabeça os Globo boys – Merval, Noblat etc.
Quer dizer: sei sim.
É que, no ano passado, quando Lula concedeu uma entrevista a blogueiros, os Globo boys responderam com pedras.
Ali estava uma entrevista chapa branca, acusaram.
Eu gostaria muito de saber agora qual é a avaliação que estes destemidos jornalistas fazem da entrevista dos patrões.
Coube a Matias Molina, lendário jornalista da Gazeta Mercantil dos anos 1980, a tarefa de estender o tapete para Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto.
Molina repetiu, no papel, o que Alberto Dines fizera na tevê com João Roberto alguns meses atrás: evitar qualquer pergunta embaraçosa.
Em favor de Molina é preciso lembrar que o Valor pertence aos Marinhos.
Se o mundo fosse menos imperfeito, os Marinhos teriam designado seus Globo boys para a entrevista.
Eles mandaram embora Boni assim que puderam, mas parece que não o esqueceram.
Nestes dias, ao comentar Babilônia, Boni afirmou que quando uma história é ruim basta mudá-la.
Vale para novela, mas a Globo parece tentar adotar a mesma estratégia para a vida real.
A Globo é quase uma vítima da ditadura, na versão 2015 de seus donos.
O irrestrito apoio editorial que a emissora deu aos militares é substituído agora por uma faca nas costas.
A censura, segundo a nova fábula, forçou a Globo a ser aquilo que Médici definiu tão bem. “Como é bom ligar à noite a televisão e, num mundo tão convulsionado, ver o Brasil tão em paz no noticiário da Globo”.
Mais um pouco e Roberto Marinho pegará em armas pela democracia, na história reescrita da Globo.
Como a realidade não é novela, essa versão terminará, merecidamente, no lixo e no escárnio.
No livro Dossiê Geisel, feito com base em documentos do ex-presidente só liberados depois de sua morte, fica claro quanto Roberto Marinho pressionava os generais por mais e mais mamatas, sob o argumento de que era “o melhor amigo do regime na imprensa”.
Na entrevista, João Roberto diz que o pai evitou pedir favores para a ditadura.
As insistentes solicitações de Roberto Marinho se deviam a uma cisma empresarial. Ele achava que uma empresa que não cresce começa a morrer.
E assim ia passar o pires no poder, em busca de novas concessões, mais publicidade, mais financiamentos em bancos públicos – tudo em troca do mundo paradisíaco no jornalismo da Globo a que se referiu Medici.
Roberto Marinho usou com tamanha voracidade as instituições financeiras públicas – federais ou estaduais – que o Pasquim o chamou, a certa altura, de “maior assaltante de bancos do Brasil”.
O pessoal do Pasquim estava particularmente cabreiro com a forma como a Globo construiu o Projac: com dinheiro do Banerj, o extinto banco estadual do Rio. O pagamento se deu em publicidade.
Já que o passado está sendo reescrito, por que não o presente também?
Roberto Irineu afirmou que são “ótimas” as relações da Globo com Dilma e Lula. E, na única pergunta menos indulgente, disse que a audiência da tevê aberta não cai.
Quer dizer: novelas que davam 70, 80 pontos hoje vão chegando a 20. O JN tem os piores índices de sua história.
Mas isso não significa queda de público, segundo a estranha lógica de Roberto Irineu.
Na entrevista, os irmãos anunciaram um investimento de 3 bilhões de reais rumo ao futuro digital.
Cuidado com sua carteira: na tradição da Globo, investimentos são sempre à base de dinheiro público, como se a empresa fosse uma quitanda.
Que se festejem estes 50 anos, construídos com imensos favorecimentos.
Com a Era Digital, dificilmente a Globo chegará aos próximos 50.
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