Paraná: O primo complica Beto Richa
O envolvimento de Luiz Abi Antoun em denúncias de corrupção complica a administração do tucano
por René Ruschel — publicado 12/04/2015 - na Carta Capital
Parente distante... Richa tenta se disvincular do primo, mas o passado está documentado Dilma Rousseff tem uma companhia na amargura da baixa popularidade. Beto Richa, governador do Paraná, vive o mesmo inferno astral. Entre dezembro e fevereiro, a popularidade do tucano foi do céu ao chão: de 64% de aprovação a 76% de rejeição. A mudança de humor do eleitor paranaense deu-se após a frustrada tentativa da administração estadual de impor um pacote de medidas econômicas que promovia um aumento de impostos e taxas, limitava os direitos trabalhistas e abocanhava 8 bilhões de reais do fundo de Previdência do funcionalismo. “O governo chegou ao fundo do poço”, avalia Murilo Hidalgo, diretor da Paraná Pesquisas, responsável pela pesquisa. |
Pela interpretação de Hidalgo, pior não poderia ficar. Ou poderia? Uma sucessão de escândalos recentemente revelados ameaça ainda mais a já carcomida imagem de Richa. O principal personagem do enredo é Luiz Abi Antoun, primo do governador e considerado eminência parda da administração paranaense. Antoun, suspeita o Ministério Público, comandaria um esquema de fraudes em licitações e contratos para a manutenção de veículos oficiais, sonegação de impostos e extorsão de empresários promovido por fiscais e auditores estaduais.
Segundo Leonir Batisti, procurador de Justiça e coordenador-geral do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, uma série de operações revelou a extensão do esquema. A primeira delas, batizada de Publicanos, teve início há cerca de nove meses e foi motivada por denúncias de extorsão encaminhadas por empresários ao Ministério Público. O líder seria Márcio de Albuquerque Lima, inspetor-geral de Fiscalização da Receita estadual. Foragido da Justiça, Lima costumava acompanhar o governador nas provas de automobilismo realizadas em Londrina. Os procuradores não calcularam o tamanho do prejuízo, mas a propina oscilaria entre 5% e 6% do valor devido pela empresa. Na quinta-feira 26 de março, o Gaeco indiciou 23 suspeitos de participar do esquema, entre fiscais, auditores e empresários.
Em janeiro deste ano, em outra operação, foi preso Marcelo Caramori, assessor da Governadoria do Estado, sob suspeita de participação em uma quadrilha de exploração sexual de crianças e adolescentes. Ao ser detido, Caramori apresentou-se, diz o MP, como “assessor do governador em Londrina”, além de mostrar uma tatuagem onde se lia “100% Beto Richa”. Disposto a colaborar com a Justiça, o assessor envolveu Antoun na história. Segundo ele, o primo de Richa seria o “caixa financeiro” tucano, responsável por arrecadar dinheiro para campanhas eleitorais. Foi além: Antoun teria organizado um esquema criminoso sustentado pela nomeação de apadrinhados em “pontos estratégicos” da estrutura do governo estadual e manteria um elo com Lima, o foragido. Em novo depoimento em 5 de fevereiro, Caramori reiterou as acusações.
A partir das delações do assessor, o Ministério Público realizou em 17 de março a Operação Voldemort e reuniu provas e indícios da participação de Antoun em fraudes nas licitações para serviços de manutenção em veículos oficiais. A Providence, uma oficina de propriedade do primo do governador, apontam os procuradores, foi contratada em regime de emergência pelo Departamento de Transporte Oficial do Estado do Paraná. Quando o contrato expirou, outra empresa venceu a licitação, mas assinou um acordo para subcontratar a Providence. Seria uma forma, descrevem os procuradores, de manter o esquema de enriquecimento ilícito.
Depois de uma semana na cadeia, Antoun foi solto graças a um habeas corpus do juiz substituto Márcio José Tokars, que nas redes sociais se comporta como um militante do PSDB. A denúncia contra os suspeitos, entre eles o primo de Richa, foi, no entanto, aceita por outro magistrado, Juliano Nanuncio, da 3ª Vara Criminal de Londrina. E ele e outros sete acusados viraram réus.
O governador se defende e diz combater a corrupção. Cita como prova a demissão de 14 servidores da Receita estadual durante o seu primeiro mandato. Descreve Antoun como um “parente distante” com quem mantinha relacionamento “apenas social”. Sua campanha, afirma, teve uma equipe responsável pela arrecadação financeira e o primo “jamais fez parte do grupo”.
Imagens e informações recentemente divulgadas enfraquecem os argumentos do tucano. Quando deputado estadual, Richa nomeou o primo como assessor de seu gabinete. Em 2009, então prefeito de Curitiba, ele aparece ao lado de Antoun durante uma visita ao ex-premier do Líbano Said Hariri. Em outra foto, a comitiva posa ao redor de uma mesa no convés de um iate, o Lady Y, de 62 pés, com seis suítes e avaliado em 30 milhões de dólares. Nas imagens, a relação parece bem mais estreita do que admite o governador.
Para Daniel Godoy Junior, presidente da Comissão da Verdade na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná, a corrupção permeia todos os escalões da vida pública brasileira. “O descrédito da sociedade com os homens públicos e partidos políticos é generalizado. Sem uma reforma política que estabeleça o financiamento público de campanha, acredita, a corrupção será retroalimentada pelo dinheiro de empresários que financiam as eleições. O criminalista e professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná, Francisco Monteiro Rocha Junior, defende a tese de que a questão fundamental não está apenas em apontar os responsáveis pelos crimes, mas vinculá-los aos responsáveis pelos “atos de decisão”. “Os principais responsáveis pela corrupção no Brasil não são os que executam, mas quem decide e não aparece.”
*Reportagem publicada originalmente na edição 844 de CartaCapital, com o título "O governador e o primo"
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