Mauricio Dias: O jabuti de Cunha
Enxerto ilegal em MP, apoiado por Eduardo Cunha, torna incêndio de shopping em desastre natural e pode liberar 50 milhões de reais do BNDES
O deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, pode enxertar nas Medidas Provisórias uma emenda ilegal |
Após botar grande parte do bloco do “baixo clero” da Câmara sob seu sovaco, o deputado Eduardo Cunha, presidente da Casa, ao sabor do duvidoso objetivo de resgatar a independência do Legislativo, virou vedete da direita escrita, falada, televisada e, assim, estabeleceu como prioridade a velocidade e não a qualidade dos resultados aprovados em plenário.
Não há partido que não se curve aos desígnios dele, até porque, justiça se faça, poucos conhecem como Cunha os labirintos e os mistérios regimentais. Em compensação, depois de três mandatos, a Câmara conhece bem os vícios do atual presidente. Antes de alcançar a presidência era costume dele enxertar nas Medidas Provisórias emendas sem vínculo com o teor das mesmas. Agora, para se resguardar, usa seus sequazes.
Quinta-feira 9, a partir de um bate-boca iniciado às 15h22 em torno da MP 661/2014, relatada pelo deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), escudeiro de Cunha. O qual subjugou aos parlamentares do governo e da oposição para manter o enxerto na MP, que, entre outras causas estranhas, transforma em desastre natural um incêndio no Shopping Nova América, no Rio de Janeiro, domicílio eleitoral de Cunha. Abaixo o diálogo.
Silvio Costa (PSC-PE) - Sr. presidente, uma questão de ordem.
Eduardo Cunha - Qual o artigo?
Costa - Eu vou ler. Tenho cinco minutos.
Cunha - Não tem não. Se não disser o artigo, não tem um minuto.
Costa - É baseada no artigo 95.
Cunha - Não há questão de ordem no artigo 95.
Costa - Eu quero alertar o plenário para uma indecência. O deputado Leonardo Quintão está autorizando o BNDES a conceder 50 milhões de reais para um shopping. Desde quando incêndio é desastre natural? É um jabuti, dos maiores que já vi aqui.
Cunha - Não há questão de ordem. O parecer já foi votado e aprovado na admissibilidade e no mérito.
Esperidião Amin (PP-SC) - É muito triste dar como fato consumado algo tão gritantemente casuístico e descabido.
Costa - Isso é uma imoralidade.
Mendonça Filho (DEM-PE) - Ao longo da minha vida pública, eu nunca vi se aprovar uma lei em que conste um artigo ou um parágrafo que obriga a concessão de empréstimo a uma empresa especificada no diploma legal. Isso é uma coisa que desmoraliza o Parlamento, depõe contra nós. Situação constrangedora.
Roberto Freire (PPS-PE) - Sr. presidente, apenas para...
Cunha - Sou obrigado a conduzir a sessão dentro daquilo que está no regimento.
Costa - Presidente, artigo 96, é uma reclamação.
Cunha - Não existe isso.
Costa - Eu quero fazer a reclamação.
Cunha - Não cabe neste momento.
Costa - Cabe.
Cunha - Não cabe.
Costa - Eu quero fazer!
Cunha - Não cabe.
Depois desse desfecho, sem ter conseguido ser ouvido ao longo do bate-boca, o deputado Roberto Freire dizia nos corredores da Câmara: “Ele é um cara de pau”.
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