Luis Nassif: Serra, o camaleão desenvolvimentista
No "Valor Econômico" de ontem, uma longa entrevista com o senador José Serra. Esgrime argumentos desenvolvimentistas, critica o câmbio, tenta retomar o figurino que vestia nos anos 80, quando retornou do exílio e tornou-se um parlamentar eficiente.
A história política de Serra é significativa de um perfil típico da política brasileira: o camaleão ideológico.
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No início do governo FHC, as bandeiras desenvolvimentistas estavam vagas. Serra empunhou-as, tornando-se uma espécie de porta-voz da indústria.
Mas apenas para fora. À medida que foram sendo vazados os bastidores do plano Real, os depoimentos dos economistas mostravam um Serra vazio, sem participar dos debates internos devido a um amplo desconhecimento da macroeconomia.
Para fora, Serra era contra o câmbio apreciado e a privatização selvagem. Conforme depoimento recente de FHC, para dentro era o mais intimorato defensor da privatização da Vale.
A partir de determinado momento, o economista que se fizera como sucessor das teses cepalinas (da Comissão para o Desenvolvimento da América Latina) envergonhava-se dessa condição. Eram tempos de neoliberalismo, e Serra não mais se adaptava ao seu figurino original.
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Em cargos executivos, a eloqüência de Serra sempre cedia lugar a um político acomodatício, fugindo de qualquer conflito.
No governo de São Paulo, quando estourou a crise de 2008, o antigo industrialista recusava-se a receber as associações da industriais. E sobressaiu o perfil mais fiel de Serra: aquele capaz de fazer a crítica correta, mas incapaz de tomar as medidas corretas.
De um lado, criticou o aumento de juros do Banco Central. De outro, em plena crise, aumentou substancialmente a tributação sobre as empresas com a figura do contribuinte substituto - que recolhia antecipadamente os tributos da cadeia de vendas.
Para ser recebido por Serra, a Abimaq ameaçou manifestação na porta do Palácio, ao lado da CUT e da Força Sindical.
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Quando o discurso econômico se esgotou e teve início a ofensiva moralista, imediatamente Serra converteu-se em um pastor tresloucado, lendo a Bíblia na casa das pessoas, deblaterando contra o aborto e as drogas.
Antigos jornalistas que, nos anos 80 ajudaram na formação da sua imagem, espantavam-se com sua superficialidade, com a maneira como seus conceitos tinham envelhecido sem entender nenhuma das revoluções empresariais dos anos 90 - os programas de qualidade, de inovação, a revolução no mercado de capitais.
Governador do mais importante e industrializado estado brasileiro, com as melhores cidades médias, os mais importantes institutos de pesquisa, as empresas mais modernas, Serra não logrou desenvolver um projeto sequer de competitividade, de reestruturação competitiva da economia paulista.
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Agora que a anomia de Dilma Rousseff entrega a política econômica nas mãos ortodoxas de Joaquim Levy, e que Aécio Neves se afunda em uma superficialidade ampla e irrestrita, Serra tenta recuperar a imagem que consolidou como parlamentar, em tempos distantes.
Não conseguirá. Sua imagem esta indelevelmente ligada aos dossiês contra adversários, ao oportunismo ideológico que o fez perder toda a confiança da esquerda sem ganhar nenhuma confiabilidade junto à direita.
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