Dilma deve evitar as armadilhas de Washington
O interesse americano pelo fim do modelo de partilha nas explorações de petróleo e o ressurgimento de propostas de uma nova ALCA são muito perigosos.
Dario Pignotti - na Carta Maior
É conveniente para Dilma se reunir com Obama durante a Cúpula das Américas? Antes de responder a essa indagação, digamos que, por princípio, todo encontro entre chefes de governo é a atualização das relações entre os Estados.
Essas instâncias só se levam a cabo quando as partes envolvidas já avaliaram seu vínculo, o quadro internacional (neste caso, o que ocorre nas Américas) e também o panorama local de cada país. É na política externa que se refletem as contradições e objetivos da realidade doméstica.
É precisamente devido a essa difícil conjuntura interna brasileira, e sua projeção internacional, que não é recomendável para Dilma sentar-se na mesa com Barack Obama.
A presidenta do Brasil aterriza no Panamá carregando o peso de um trimestre político infernal, o que debilitará sua capacidade de negociação frente ao presidente da maior potência imperial (os EUA ainda é, apesar de seu relativo declínio).
E é no escândalo da Petrobras (magnificado e distorcido na imprensa local e estrangeira) onde está o flanco mais vulnerável do governo, algo que os Estados Unidos saberão aproveitar.
(Parênteses para um rápido exercício de ficção: se algum dia Wikileaks obtiver os telegramas despachados atualmente pela embaixada norte-americana, certamente se observará uma grande atenção às CPIs da Petrobras, suas consequências e os movimentos ao redor dela)
OBAMA, CHEVRON E PETROBRAS
Em princípio, o que se sabe sobre a agenda de Obama é o que foi antecipado por seus porta-vozes esta semana, que colocaram ênfase no tema “energia”.
Significa que Washington fará novas investidas contra a legislação que devolveu à Petrobras o poder que havia perdido durante a gestão de FHC, sempre elogiada pelas multinacionais e seus lobistas.
Desde 2010, quando se promulgou o novo marco regulatório, os Estados Unidos, a Chevron e a Exxon começaram a pressionar em favor da revisão dessa legislação, cujo objetivo principal foi garantir que operação dos jazimentos do Pré-Sals erão da Petrobras.
Esse assédio se incrementou nas últimas semanas.
Enquanto o governo sofre derrotas no Congresso, o senador José Serra propôs um projeto para diminuir as atribuições da Petrobras, iniciativa aplaudida pela imprensa tradicional.
Já em 2010, o então candidato presidencial Serra prometeu à Chevron que acabaria com o modelo de partilha, e retornaria ao sistema de licitações implantado nos Anos 90 por FHC.
Assim consta em documentos divulgados por Wikileaks, onde se percebe como a diplomacia norte-americana e algumas companhias desse país estavam contrariadas com o nacionalismo petista.
DILMA 2011-2015
A atual musculatura política de Dilma não é nem sombra da que exibia no primeiro encontro bilateral, realizado em Brasília, quatro meses depois dela iniciar seu primeiro mandato.
Naquele então, com seu poder intacto e uma alta popularidade, uma Dilma exultante acolheu Obama no Palácio do Planalto, apresentando uma exposição de obras de Tarsila de Amaral, artista considerada símbolo do feminismo e da modernidade estética.
Aquela reunião de abril de 2011 prometia ser o início do descongelar das relações diplomáticas entre os dois países, algo que nunca de concretizou.
Dois anos depois, em setembro de 2013, a presidenta cancelou uma visita de Estado a Washington ao saber que a inteligência norte-americana havia violado seus arquivos e os da Petrobras.
O país mostrou uma posição altiva e condizente com os oito anos de política externa independente e não mais subordinada a Washington, postura inaugurada em 2003 pelo governo do presidente Lula, com especial participação de seu assessor internacional Marco Aurélio Garcia e do chanceler Celso Amorim.
Mas o gesto digno da presidenta não foi correspondido por Obama.
Desde 2013, Dilma falou por telefone com seu colega estadunidense em algumas ocasiões, e manteve ao menos dois encontros pessoais com o sempre sorridente vice-presidente Joe Biden, que viajou ao Brasil, assim como o secretário de Estado John Kerry.
A cortesia de Obama e seus colaboradores passou a se resumir ao meramente protocolar, já que até hoje não houve resposta às exigências brasileiras respaldadas pela Assembleia da ONU – apesar das promessas, os EUA nunca entregaram a informação roubada, e tampouco excluiram formalmente a presidenta do Brasil da lista de líderes espionados pela NSA.
CÚPULA DAS AMÉRICAS 2005-2015
Os presidentes de todos os países do continente americano – incluindo o presidente cubano Raúl Castro, na primeira participação de um representante da ilha no evento – já se encontram no Panamá, dez anos depois da história reunião em Mar del Plata.
Aquela vez, encabeçados por Lula, Kirchner e Chávez, a maioria dos governos latino-americanos se insubordinaram diante de um George W. Bush atônito, que assistiu o rechaço dos latinos à sua proposta de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
“Alca, Alca, Al Carajo (ao caralho)”, bradou Chávez, num estádio de futebol marplatense, para uma multidão de militantes de movimentos sociais.
Lula usou um tom menos sonoro que seu companheiro venezuelano, mas foi igualmente firme na hora de confrontar a proposta de um mercado livre hemisférico inspirada no Consenso de Washington.
Com o passar do tempo, uma década depois, a IV Cúpula das Américas de Mar del Plata se transformou num dos momentos mais importantes da história diplomática latino-americana.
Poucas horas depois de finalizada aquela conferência no litoral argentino, Lula conversava com Bush na Granja do Torto. O brasileiro ofereceu ao colega estadunidense um churrasco e conversa relaxada, com as mangas arregaçadas, sob o intenso sol do Planalto Central.
Foi uma conversa na qual o presidente brasileiro se situava numa posição vantajosa: acabava de conquistar uma vitória diplomática inédita, construída a partir da unidade regional. Lula conseguiu impor sua tese contra a ALCA, que ele definia não como um projeto de integração, mas sim de anexação aos Estados Unidos.
Aquele contexto diplomático era muito diferente ao que precede essa possível conversa entre Dilma e Obama. Aquele Lula havia enterrado a ALCA e já começava a esquentar os motores da Unasul e da CELAC.
As circunstâncias nacionais e internacionais eram diferentes às dos tempos atuais: agora, Dilma se reunirá com Obama (caso isso venha mesmo a ocorrer) em uma situação de evidente desvantagem, que a torna mais vulnerável aos apertos ianques.
Também é mais vulnerável à chantagem dos cúmplices de Washington, como Gabriel Rico, titular da Câmara Americana de Comércio. Rico defende que o Brasil assine, sem a adesão dos demais membros do Mercosul, um acordo bilateral com os Estados Unidos.
Para viabilizar esse pacto bilateral, Rico propõe eliminar a cláusula 32 do Mercosul, onde está estabelecido que nenhum membro do bloco poderá conformar pactos de livre comércio com terceiros.
Assim como o economista tucano Edmar Bacha, Rico sonha com reeditar a utopia conservadora de Bush, e reformular a proposta de uma nova ALCA, ou qualquer outro desenho de associação hemisférica sob a lógica do livre comércio.
Essas instâncias só se levam a cabo quando as partes envolvidas já avaliaram seu vínculo, o quadro internacional (neste caso, o que ocorre nas Américas) e também o panorama local de cada país. É na política externa que se refletem as contradições e objetivos da realidade doméstica.
É precisamente devido a essa difícil conjuntura interna brasileira, e sua projeção internacional, que não é recomendável para Dilma sentar-se na mesa com Barack Obama.
A presidenta do Brasil aterriza no Panamá carregando o peso de um trimestre político infernal, o que debilitará sua capacidade de negociação frente ao presidente da maior potência imperial (os EUA ainda é, apesar de seu relativo declínio).
E é no escândalo da Petrobras (magnificado e distorcido na imprensa local e estrangeira) onde está o flanco mais vulnerável do governo, algo que os Estados Unidos saberão aproveitar.
(Parênteses para um rápido exercício de ficção: se algum dia Wikileaks obtiver os telegramas despachados atualmente pela embaixada norte-americana, certamente se observará uma grande atenção às CPIs da Petrobras, suas consequências e os movimentos ao redor dela)
OBAMA, CHEVRON E PETROBRAS
Em princípio, o que se sabe sobre a agenda de Obama é o que foi antecipado por seus porta-vozes esta semana, que colocaram ênfase no tema “energia”.
Significa que Washington fará novas investidas contra a legislação que devolveu à Petrobras o poder que havia perdido durante a gestão de FHC, sempre elogiada pelas multinacionais e seus lobistas.
Desde 2010, quando se promulgou o novo marco regulatório, os Estados Unidos, a Chevron e a Exxon começaram a pressionar em favor da revisão dessa legislação, cujo objetivo principal foi garantir que operação dos jazimentos do Pré-Sals erão da Petrobras.
Esse assédio se incrementou nas últimas semanas.
Enquanto o governo sofre derrotas no Congresso, o senador José Serra propôs um projeto para diminuir as atribuições da Petrobras, iniciativa aplaudida pela imprensa tradicional.
Já em 2010, o então candidato presidencial Serra prometeu à Chevron que acabaria com o modelo de partilha, e retornaria ao sistema de licitações implantado nos Anos 90 por FHC.
Assim consta em documentos divulgados por Wikileaks, onde se percebe como a diplomacia norte-americana e algumas companhias desse país estavam contrariadas com o nacionalismo petista.
DILMA 2011-2015
A atual musculatura política de Dilma não é nem sombra da que exibia no primeiro encontro bilateral, realizado em Brasília, quatro meses depois dela iniciar seu primeiro mandato.
Naquele então, com seu poder intacto e uma alta popularidade, uma Dilma exultante acolheu Obama no Palácio do Planalto, apresentando uma exposição de obras de Tarsila de Amaral, artista considerada símbolo do feminismo e da modernidade estética.
Aquela reunião de abril de 2011 prometia ser o início do descongelar das relações diplomáticas entre os dois países, algo que nunca de concretizou.
Dois anos depois, em setembro de 2013, a presidenta cancelou uma visita de Estado a Washington ao saber que a inteligência norte-americana havia violado seus arquivos e os da Petrobras.
O país mostrou uma posição altiva e condizente com os oito anos de política externa independente e não mais subordinada a Washington, postura inaugurada em 2003 pelo governo do presidente Lula, com especial participação de seu assessor internacional Marco Aurélio Garcia e do chanceler Celso Amorim.
Mas o gesto digno da presidenta não foi correspondido por Obama.
Desde 2013, Dilma falou por telefone com seu colega estadunidense em algumas ocasiões, e manteve ao menos dois encontros pessoais com o sempre sorridente vice-presidente Joe Biden, que viajou ao Brasil, assim como o secretário de Estado John Kerry.
A cortesia de Obama e seus colaboradores passou a se resumir ao meramente protocolar, já que até hoje não houve resposta às exigências brasileiras respaldadas pela Assembleia da ONU – apesar das promessas, os EUA nunca entregaram a informação roubada, e tampouco excluiram formalmente a presidenta do Brasil da lista de líderes espionados pela NSA.
CÚPULA DAS AMÉRICAS 2005-2015
Os presidentes de todos os países do continente americano – incluindo o presidente cubano Raúl Castro, na primeira participação de um representante da ilha no evento – já se encontram no Panamá, dez anos depois da história reunião em Mar del Plata.
Aquela vez, encabeçados por Lula, Kirchner e Chávez, a maioria dos governos latino-americanos se insubordinaram diante de um George W. Bush atônito, que assistiu o rechaço dos latinos à sua proposta de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
“Alca, Alca, Al Carajo (ao caralho)”, bradou Chávez, num estádio de futebol marplatense, para uma multidão de militantes de movimentos sociais.
Lula usou um tom menos sonoro que seu companheiro venezuelano, mas foi igualmente firme na hora de confrontar a proposta de um mercado livre hemisférico inspirada no Consenso de Washington.
Com o passar do tempo, uma década depois, a IV Cúpula das Américas de Mar del Plata se transformou num dos momentos mais importantes da história diplomática latino-americana.
Poucas horas depois de finalizada aquela conferência no litoral argentino, Lula conversava com Bush na Granja do Torto. O brasileiro ofereceu ao colega estadunidense um churrasco e conversa relaxada, com as mangas arregaçadas, sob o intenso sol do Planalto Central.
Foi uma conversa na qual o presidente brasileiro se situava numa posição vantajosa: acabava de conquistar uma vitória diplomática inédita, construída a partir da unidade regional. Lula conseguiu impor sua tese contra a ALCA, que ele definia não como um projeto de integração, mas sim de anexação aos Estados Unidos.
Aquele contexto diplomático era muito diferente ao que precede essa possível conversa entre Dilma e Obama. Aquele Lula havia enterrado a ALCA e já começava a esquentar os motores da Unasul e da CELAC.
As circunstâncias nacionais e internacionais eram diferentes às dos tempos atuais: agora, Dilma se reunirá com Obama (caso isso venha mesmo a ocorrer) em uma situação de evidente desvantagem, que a torna mais vulnerável aos apertos ianques.
Também é mais vulnerável à chantagem dos cúmplices de Washington, como Gabriel Rico, titular da Câmara Americana de Comércio. Rico defende que o Brasil assine, sem a adesão dos demais membros do Mercosul, um acordo bilateral com os Estados Unidos.
Para viabilizar esse pacto bilateral, Rico propõe eliminar a cláusula 32 do Mercosul, onde está estabelecido que nenhum membro do bloco poderá conformar pactos de livre comércio com terceiros.
Assim como o economista tucano Edmar Bacha, Rico sonha com reeditar a utopia conservadora de Bush, e reformular a proposta de uma nova ALCA, ou qualquer outro desenho de associação hemisférica sob a lógica do livre comércio.
Créditos da foto: Leopoldo Silva / Senado Federal
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