ABUSO: Reajuste de tarifas pedido pela Sabesp 'não tem pé nem cabeça', avalia Idec
Companhia aumentou o pedido de reajuste feito em março de 13,87% para 22,7%. Idec cogita ir à Justiça se valor for autorizado
por Rodrigo Gomes, da RBA publicado 16/04/2015 19:06, última modificação 16/04/2015 19:26
MARCOS SANTOS/JORNAL DA USP/FOTOS PÚBLICAS
Para Idec, descontos oferecidos pela economia de água serão minados pelo reajuste que a Sabesp reivindica
São Paulo – O gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Carlos Thadeu de Oliveira avalia que o pedido de reajuste de 22,7% feito ontem (15) pela Sabesp demonstra que a companhia “está jogando no povo o custo da crise”. O valor foi apresentado durante audiência pública organizada pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo (Arsesp), em sua sede, na capital, para discutir o índice de 13,82% de aumento pedido pela companhia em março. O último reajuste da tarifa da água foi de 6,49%, em vigor desde 27 de dezembro passado.
Segundo Oliveira, o máximo que a companhia poderia pedir seria a reposição da inflação do período entre abril do ano passado e março deste ano. Isso porque, segundo ele, o último reajuste só foi aplicado no fim do ano por razões políticas, mas era referente à inflação do período 2013-2014. “Esse valor estava autorizado desde abril. Mas a companhia o segurou claramente por conta da eleição. Seria normal que solicitasse agora a compensação da inflação do período 2014-2015”, explicou.
Se a Arsesp autorizar este valor, a tarifa básica atual, de R$ 35,82 para quem gasta até 10 mil litros por mês, irá para R$ 43,95.
O pedido inicial da Sabesp inclui reposição da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, e reposição das perdas alegadas pela companhia, em virtude da redução na oferta de água, por conta da queda do nível do Sistema Cantareira – que ainda opera com o volume morto dos reservatórios, apesar das chuvas que ocorreram em fevereiro e março. O índice final era de 13,87%.
A companhia alega estar em dificuldades financeiras por ter implementado o desconto de 30% nas contas de água para quem reduzisse 20% no consumo (Programa de Bônus), ao mesmo tempo em que precisou reduzir a oferta de água, por conta dos baixos níveis dos reservatórios, principalmente do Sistema Cantareira, que, apesar das chuvas de fevereiro e março, ainda opera no volume morto, atualmente com 15,4% da capacidade total.
O lucro líquido anunciado pela empresa para 2014 foi de R$ 903 milhões, redução de praticamente R$ 1 bilhão em relação ao lucro do ano anterior. A companhia também anunciou redução no investimento em tratamento de esgoto neste ano. No entanto, neste mês foram pagos R$ 504 mil em bônus aos diretores da Sabesp, referentes ao desempenho da estatal em 2014. “A Sabesp quer lucrar com a água. O interesse é continuar distribuindo dividendos”, afirmou Oliveira.
O gerente do Idec avalia que o reajuste – que vai incidir sobre todos os clientes da Sabesp – vai anular os descontos concedidos com o bônus. E ressalta que a Arsesp não está considerando a multa de até 100% para quem aumentar o consumo de água, instituída em fevereiro deste ano. “Esse valor deveria ser utilizado para cobrir os investimentos necessários ao enfrentamento da crise. Mas até agora não se sabe quanto foi arrecadado e no que foi investido”, afirmou.
Ontem, a Associação Brasileira de Consumidores-Proteste também se posicionou contra o reajuste, em qualquer dos valores requisitados pela Sabesp. Para a entidade, o pedido está diretamente relacionado à queda no lucro da companhia e não a uma real penúria financeira. “Não é justo que tão-somente o consumidor arque com o custo que representará sua redução de consumo. Também e, principalmente, a concessionária deverá arcar com tais custos, e repassá-los a seus acionistas”, afirmou a coordenadora institucional da Proteste, Maria Inês Dolci.
O acréscimo de 8,88 pontos percentuais no valor de reajuste pedido pela companhia se deve a algumas alterações na fórmula de cálculo do reajuste. O primeiro é um acréscimo de 0,8% na reposição da inflação. Depois uma redução de 0,5 ponto percentual no valor da reposição das perdas por menor oferta de água e aumento dos custos de energia, para 6,37%. E por fim, a aplicação de mais 7,02%, referente a um “período de compensação”.
O último item se deve ao fato de a estatal querer que o reajuste seja retroativo às perdas do período 2013-2014 e não somente do ano passado. “Esse pedido não tem pé nem cabeça. Eles estão pedindo que sejam repostos os custos dos dois anos anteriores ao ciclo tarifário. Mas se a companhia sofreu algum prejuízo no primeiro ano do ciclo, tinha de pedir compensação naquele momento. Não se pode esperar dois anos para isso”, explicou Oliveira. O ciclo tarifário atual compreende o período de 2013 a 2016.
Para Oliveira, a Arsesp deve cumprir sua função de órgão regulador e vetar essa proposta, considerada abusiva pelo Idec. “A Sabesp pede o que quer. Cabe à agência ser mediadora entre a concessionária e a sociedade. E processar isso de maneira justa”, afirmou. Ele, no entanto, acredita que a entidade terá de recorrer à via judicial para barrar esse reajuste. “Certamente, caso não haja interferência do poder Judiciário, vai se cometer uma injustiça. Eu não tenho a menor dúvida de que a Arsesp vai autorizar”, afirmou.
O órgão informou hoje que está analisando as colocações de entidades e da Sabesp na audiência pública, e também as contribuições do período de consulta pública, entre os últimos dias 1º e ontem. E deve manifestar sua decisão em 15 dias. Mas já adiantou que não serão realizadas novas consultas ou audiências públicas. A decisão agora cabe somente à Arsesp.
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