Sociedade precisa se mobilizar rápido contra escalada autoritária e risco de barbárie no Congresso
por Patrick Mariano, especial para o Viomundo
O deputado Glauber Braga do PSB/RJ subiu à tribuna do plenário da Câmara dos Deputados (vídeo abaixo)e fez um contundente discurso contra a preocupante escalada autoritária patrocinada pelo presidente Eduardo Cunha nos últimos dias.
Projetos de lei que podem contribuir ainda mais para agravar o já nefasto quadro do sistema penal brasileiro são votados e antigos fantasmas são ressuscitados, como a redução da maioridade penal e a ampliação dos crimes hediondos. Etapas procedimentais e regimentais são suplantadas no afã de um toque de caixa.
Vale a pena ler o que disse o deputado:
“semana passada os deputados e deputadas federais quase tiveram oportunidade de votar a flexibilização da tortura sem que a gente soubesse que estava sendo votado isso. Nós temos que ter responsabilidade com o país, com o processo, com o que tá acontecendo como um todo”.
Para quem gosta de seriado, um retrato mais fiel dos tempos atuais não é o de Frank Underwood de House of Cards, mas sim o do Rei Joffrey de Game of Thrones. Sem nenhuma ética, o Rei mandava matar, prender e torturar porque sentia pulsão punitiva e retirava dai o seu mais profundo prazer. As propostas de alteração legislativas penais que estão sendo debatidas e votadas nos dias atuais estão mais para um exercício de poder despótico e medieval.
A correlação de forças no Parlamento brasileiro que já se anunciava tremendamente desfavorável a uma visão democrática, garantista e humanista, deu uma guinada ainda maior no contexto de crise política.
O atual presidente da casa ganhou as eleições com o apoio dos grupos mais conservadores e, pragmático ao extremo, tem colocado em votação projetos de lei sem o mínimo debate para atender a agenda desses setores. Por evidente, não se trata somente de prestação de contas, mas sim de afinidade ideológica.
Em outra passagem, Glauber dá-nos um quadro da realidade:
“A liderança do governo fica em dificuldade de enfrentar o presidente da Câmara porque existe uma fragilidade institucional que precisa ser superada. O PSDB, por exemplo, e as oposições agradam o presidente da casa esperando que tenham nele quem vai facilitar a existência de um golpe. Nos não podemos mais fazer com a que a agenda conservadora seja colocada em pauta como se nada tivesse acontecendo. O deputado Bolsonaro não seria tao eficaz no estabelecimento dessa agenda como tem sido o presidente da casa Eduardo Cunha”.
Vê-se, portanto, que as grandes forças políticas estão de mãos atadas por razões distintas. O PT ainda tentando se encontrar em meio à crise e o PSDB apostando na tese do quanto pior melhor. Dessa forma, reina absoluta uma visão de mundo obscurantista que fere e avilta a dignidade da pessoa humana em nosso parlamento.
Projetos de lei como a redução da maioridade penal, tipificação do terrorismo, ampliação dos crimes hediondos podem se tornar lei sem o mínimo debate. Seja na própria casa legislativa, seja com a sociedade.
Dias atrás, o então ministro da Educação, Cid Gomes, deu de dedo no presidente da casa, no mesmo plenário em que Glauber fez sua denúncia. Saiu de lá demitido pela presidenta da república. Ao que parece, o poder caminhou uns 100 metros e hoje está mais próximo das duas torres de Niemeyer do que de suas belas colunas em frente à praça dos Três Poderes.
As razões do discurso do deputado carioca são muito mais nobres que a do ex-ministro, sua indignação é mais genuína e comprometida com os ideais de um país mais justo e menos desigual, mas infelizmente não terá sequer um terço da repercussão, porque os grandes meios de comunicação são entusiastas desse discurso punitivo sem freios e se nutrem politica e ideologicamente desse atual trágico estado das coisas.
Parlamentares como Glauber, Jean Wyllis, Molon e outros poucos não conseguirão segurar sozinhos essa escalada. O tempo político acelerou e é preciso que juristas, professores, movimentos, entidades e toda sociedade se mobilize rápido para tentar frear esse quadro, do contrário assistiremos impassíveis ao retorno da barbárie. Se é que ela já não chegou.
Patrick Mariano é doutorando em Direito, Justiça e Cidadania no século XXI na Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em direito, estado e Constituição pela Universidade de Brasília, integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares-RENAP, do coletivo Diálogos Lyrianos da UnB e autor do livro 11 Retratos por 20 Contos
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