Só o socialismo protegerá a Venezuela
Contra o “perene mito da social-democracia”
11/3/2015, [*] Chris Gilbert, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Caracas – Ao responder à recente Ordem Executiva da Casa Branca que declara a Venezuela ameaça à segurança nacional dos EUA, o presidente Maduro disse, primeiro, que é “declaração Frankenstein”; depois, que é “esquizofrênica”.
Pode até ter cometido alguns insignificantes deslizes “literários” e “psiquiátricos”, mas acertou integralmente na crítica: o documento que Obama assinou É realmente parecido com o monstro que o Dr. Frankestein construiu com pedaços de cadáveres; e, sim, realmente É documento brotado de um governo que padece de uma fissura profunda na “personalidade”.
Verdade é que a política dos EUA, como a de quase todos os governos do norte, é profundamente irracional. Em parte, porque é “combinada” entre vários interesses oligárquicos e grupos monopolistas, o que faz do discurso oficial praticamente só um epifenômeno, coisa superficialíssima. Acontece assim também porque a esfera política segue quadros temporais discordantes, heterogêneos.
O relógio interno da política dos EUA – que pulsa nas entranhas do país – é o relógio da acumulação de capital. As demandas da acumulação de capital, quando irrompem à superfície da política nacional e internacional diária (com sua ração cotidiana de cúpulas, meetings, eleições e atividades legiferantes) produz efeitos estranhíssimos, que desafiam a racionalidade nas arenas mais visíveis para todos.
Considerem o caso das políticas dos EUA para a Venezuela. O panorama político recente desse país foi redefinido, em primeiro lugar, por um governo bolivariano reformador, que optou por um projeto de estilo chinês, para gradualmente diversificar o seu aparelho produtivo; e, em segundo lugar, por uma oposição de direita que (porque ela era infalivelmente consultada sobre reformas do governo) tendia a esperar pacientemente por eleições futuras, nas quais contava com obter sucessos impressionantes.
Repentinamente, tudo isso mudou. Em meses, se não em semanas, o antigo cenário deu lugar a uma situação marcada por disseminada desobediência política do lado da oposição; situação econômica mais grave; informações a cada dia mais alarmistas sobre golpes e golpismos; e, agora, aí está: ação aberta de interferência dos EUA em assuntos internos da Venezuela.
Por que aconteceu tal coisa? Nenhuma sequência racional de passos na arena interna explicaria por que o governo de Maduro devesse abandonar o projeto de reformas cuidadosamente pensadas e planejadas, ou que a oposição Venezuelana devesse alterar seus planos com vistas a sucessos eleitorais bastante prováveis para o final de 2015 e 2018.
A primeira chave para explicações sérias para tudo isso só será encontrada no plano urdido entre EUA e Arábia Saudita, para derrubar os preços do petróleo – o que aconteceu em novembro passado (2014).
Aquela derrubada dos preços do petróleo foi a voz profunda do capital internacional que então “se pronunciou”, irrompendo como que vinda de lugar-nenhum e em contraponto com os ritmos da política local e visível da Venezuela.
Quando o capital internacional falou, ele pôs abaixo todos os planos locais. Porque (1) o projeto de diversificação econômica lenta e segura em que o governo bolivariano trabalhava; e (2) os passos de tartaruga também lentos e graduais da marcha da oposição venezuelana rumo às próximas eleições – tudo isso (1) e (2) – deixaram repentinamente de ser projetos e passos viáveis.
Novos atores e ações novas, surpreendentes, apareceram de todos os lados. Dentre esses, os vários representantes de um tal “Poder Cidadão” que a oposição nomeou em dezembro; a desobediência extra-parlamentar daquelas figuras; uma misteriosa conspiração da Força Aérea e, agora, as exóticas “declarações” da Casa Branca. São, todos esses, efeitos políticos de superfície, que correspondem aos ritmos da acumulação capitalista. Fato é que a queda orquestrada dos preços do petróleo têm de ser “quitada” já; não no médio prazo, não no longo prazo, mas mais rapidamente.
Os golpistas Leopoldo Lopez, María Corina Machado e Antonio Ledezma |
Agora que a surpresa já está aí, o que devem fazer o povo e o governo da Venezuela? Os riscos dessa nova situação são mais que evidentes, mas, pela mesma razão, é preciso assumir desde já que o governo bolivariano errou muito gravemente ao supor que haveria estrada à prova de riscos para o socialismo. E essa “estrada segura” é a fantasia que se vê manifesta no “modelo chinês” de desenvolvimento lento das forças produtivas do país mediante reformas e reformas e reformas.
Esse é o perene mito da social-democracia. É mito. É o mito perpetuamente projetado que se vê nas fantasias de normalidade e gradualismo da operações “lentas, graduais e seguras” [1] do capitalismo.
É mito que o próprio capitalismo encarrega-se de desmascarar, sempre que, periodicamente, o capitalismo assume alguma modalidade fascista.
E então? Será que com a “normalidade” legalista já lançada contra os rochedos e espatifada, não será hora de a Venezuela tentar outra via?
O fato de Maduro brandir a Constituição da Venezuela como se fosse um talismã, ao mesmo tempo em que pede ao Congresso poderes excepcionais mostra que também ele já foi apanhado entre duas opções.
Seja como for, para o movimento bolivariano socialista como um todo, já é claro que a saída está entre os poderes excepcionais: o caminho certo é Maduro declarar Estado de Exceção.
Afinal, o mais real dos estados de exceção é e sempre será o socialismo: a negação dos mecanismos e relógios e timings automáticos do capitalismo, para favorecer um projeto de construção humanamente planejado.
MONSTRO IMPERIALISTA |
Não implica nem expulsar o monstro imperialista para o Polo Norte, nem ignorá-lo como se não existisse. Implica, isso sim, organizar a marcha pela batida de um único bumbo-mestre.
O ritmo desse bumbo-mestre quem lhe dá são as necessidades das pessoas.
A satisfação programada, planificada, das necessidades das pessoas – mediante passos sólidos na direção do socialismo – é a mais segura proteção com que o governo de Maduro pode contar, sempre que a violência do imperialismo erguer-se contra a Venezuela.
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Nota dos tradutores
[1] A expressão circulou no Brasil dos anos finais da ditadura militar, com Geisel e sua “abertura lenta, gradual e segura”, que, sim, era também movimento dos intestinos do capital.
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[*] Chris Gilbert é professor de Ciência Política na Universidade Bolivariana da Venezuela. Ministra cursos sobre política dos EUA, religião e organizou a pesquisa sobre 1ª. parte do Projeto Manhattan. É autor e co-autor de diversos livros. Foi Diretor do Departamento de Arte Contemporânea do Baltimore Museum e posteriormente do Berkeley Art Museum, Califórnia. Recebeu seu diploma de bacharel em 1986 no Moravian College, cidade Bethlehem, Pensilvânia, e seu Ph.D. na Universidade de Washington em St. Louis, em 1990. Sua tese de doutorado de doutorado incluiu ambientes religiosos e atores políticos tendo recebido o Award 1991 Schattschneider da American Political Science Association, dissertação que destacou-se no estudo do governo dos EUA. Publica artigos e ensaios em diversos sites e blogs entre os quais o Counterpunch.
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