Pepe Escobar: Irã, EUA, Rússia e China, a verdadeira história
4/3/2015, [*] Pepe Escobar, Sputnik News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO
Mohammad Javad Zarif - MRE do Irã |
A verdadeira história nunca teve coisa alguma a ver com o primeiro-ministro de Israel, doente-por-guerras, Bibi Netanyahu, líder estrangeiro que se serviu violentamente do Castelo de Cartas (House of Cards), desculpem, do Capitólio, nos EUA, como palancão de campanha de reeleição e para enquadrar a presidência e a política externa dos EUA.
Prova muito clara disso é que, enquanto em Washington, Bibi “Bombardeie o Irã” destilava aquela arenga de 39 minutos, em Montreux o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry e o Ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif trabalhavam na terceira rodada de negociações nucleares.
A verdadeira história é também, em parte, sobre esse novelão perene – o dossiê nuclear iraniano. Mas ao final do corrente mês há um prazo a ser cumprido para um primeiro arranjo; e em junho – com otimismo – um acordo final amplo.
O que está em jogo nesse mais alto nível é coisa que todos os principais jogadores já sabem há eras. Teerã não assinará acordo algum que não ponha fim ao imundo e ilegal pacote de sanções ainda vigentes. E Washington, inspirada sempre pela política de “Não faça nenhuma merda coisa estúpida” do governo Obama, só faz puxar as traves do gol, de um lado para o outro, ao longo das negociações.
A mais recente “ideia” de Obama foi “exigir” que o Irã suspenda toda a atividade nuclear por dez anos. Para Zarif, a coisa é “ilógica” e “excessiva”.
É. Tão ilógica quando a paranoia que é marca registrada da cesta de neoconservadores e extremistas de direita no governo dos EUA. Comparem-se a reação dos norte-americanos e o modo como o líder supremo do Irã, Aiatolá Khamenei considera o poder nuclear – com todas as implicações que tem; e é posição divulgada há eras, para todos verem. Assista vídeo dele a seguir legendado em inglês:
China, Rússia e o Plano B
Diferente do regime Cheney, o governo Obama parece ter chegado a uma conclusão lógica – induzida por horas e horas que o Pentágono perde de joystickna mão: Washington não pode destruir o sistema nuclear iraniano – a não ser que use armas nucleares.
Ao longo da maior parte da década passada, esse foi o Plano A. Plano B são as “negociações” que nunca terminam, que se resumem a aparecer sempre com várias limitações ao programa nuclear iraniano em troca de um sempre muito duvidoso fim das sanções.
De fato, o verdadeiro objetivo dos Masters of the Universe que controlam o teatro de sombras no eixo Washington/Wall Street é administrar o declínio imperial. Implica, no sudeste da Ásia, uma nova sessão de “Dividir para Governar”, dessa vez com Turquia, Irã, Arábia Saudita e Israel nos papeis principais.
Alguns jogadores−chave em Washington estão ficando cada dia mais impacientes com a Casa de Saud, a qual – com sua estratégia de baixo preço do petróleo – está bombardeando a indústria de petróleo de xisto dos EUA. Outros se preocupam por a Turquia – depois de negócio-monstro no Oleogasodutostão, o Ramo Turco – estar-se deslocando para mais perto da Rússia. Assim, enquanto não for fechada, a opção de reintegrar o Irã numa colaboração com o ocidente, continua a render negócios lucrativos para empresas norte-americanas.
Mas Rússia e China tampouco estão sentadas vendo a vida passar: lá estão, como partes importantes do grupo P5+1 que negocia com os especialistas e autoridades do Irã. Os dois países BRICS podem usar – e usam – o Irã como alavanca no modo como negociam com o hegemon, sempre encontrando vias pelas quais minar o “pivoteamento para a Ásia”, dos EUA.
Organização de Cooperação de Xangai |
Tão logo estejam normalizadas as relações com o Irã, Teerã será admitida à Organização de Cooperação de Xangai [Shanghai Cooperation Organization (SCO)]; atualmente, o Irã participa como observador. Washington teme esse movimento – porque acelera a integração eurasiana do Irã, e dá firmeza a um eixo político/comercial Moscou-Teerã-Pequim.
A Rússia já mantém bons negócios com o Irã – de usinas nucleares à venda de armas. Nenhum acerto EUA-Irã acontecerá sem aquiescência tácita (no mínimo) dos russos – e os norte-americanos sabem disso. Pequim, por sua vez, tende a firmar-se no status quo. A China não quer Teerã muito mais próxima do ocidente, porque implicaria um hegemon muito mais ‘'solto'’ no movimento de “pivotear-se” para a Ásia. A China corretamente vê o Irã numa função de conter o “ocidente”.
No futuro, passos adiante, nessa estrada, Teerã pode usar essa alguma ‘'reaproximação'’ com o ocidente, para aumentar seu poder de barganha com Pequim. Se algum acordo for obtido nesse verão, Teerã estará numa excelente posição para extrair concessões – na economia, segurança, defesa – de seus parceiros chineses. Mas em todos os casos o nome do jogo sempre é integração eurasiana.
O Califato, “nossos” filhos-da-puta
Quanto ao vociferante Bibi, só lhe restou mais uma vez tentar vender a Washington a escolha de uma guerra israelense contra um Irã demonizado ensandecidamente. Não funcionou – mais essa tentativa de os suspeitos de sempre, o lobby organizado no AIPAC, ordenarem, sem meias palavras, que suas tropas de choque dissessem ao Castelo de Cartas [House of Cards], digo, ao Congresso dos EUA, que guerra é paz, e acordo nuclear é acordo com o demônio em pessoa.
Como escreveu Trita Parsi, para Bibi, a verdadeira “ameaça existencial” é a paz.
O culpado é o Irã! |
Mais uma vez, também aqui a história verdadeira não é algum Irã nuclear; é a possibilidade de uma détente EUA–Irã; nesse caso, as garras de Israel sobre a política exterior dos EUA enfraquecem, deixam de ser garras de ferro.
Como se poderia prever, Bibi esbravejou furiosamente contra aquelas forças do mal que pululam em sua “vizinhança”, de Irã e “Líbano” (falava do Hezbollah), à Síria de Assad e ao Hamas. Mas... nem uma palavra contra ISIS/ISIL/Daesh. É como declarar que um Irã não nuclear é ameaça pior à civilização que o Califatofake, viciado em degolas. Esposando tal visão de mundo, Bibi não pode aspirar nem a extra no seriado House of Cards [Castelo de Cartas] – agora no Netflix.
Enquanto isso, a verdadeira história de Israel – o apartheid/ocupação ilegal imposto aos palestinos – prossegue, ocultada pelo cacarejo daqueles sonâmbulos que circulam na House of Cards, desculpem, no Senado dos EUA, que Bibi bombardeou até deixar em ruínas.
_________________________________________________________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Adquira seu novo livro, Empire of Chaos, que acaba de ser publicado pela Nimble Books.
Comentários