Paulo Moreira Leite :“NÃO HÁ SAÍDA FORA DA PARTICIPAÇÃO POPULAR”
por Paulo Moreira Leite
O que aconteceu no dia em que a Câmara de Vereadores foi ao Campo Limpo para ouvir os moradores dos bairros de São Paulo
Nove meses depois que um decreto da presidente Dilma Rousseff definindo uma Política Nacional de Participação Popular gerou um debate em tom apocalíptico nas fileiras da oposição, a Câmara Municipal de São Paulo decidiu convocar os moradores dos 32 bairros da maior cidade brasileira para debater seus problemas, ouvir propostas e encaminhar soluções.
O primeiro encontro do projeto “Câmara no seu Bairro” ocorreu no sábado passado, no auditório do CEU de Campo Limpo, na Zona Sul da cidade, onde residem meio milhão de pessoas. Entre os próprios vereadores, o evento não foi grande coisa. Apenas 18, sobre um total de 50, compareceram.
O primeiro encontro do projeto “Câmara no seu Bairro” ocorreu no sábado passado, no auditório do CEU de Campo Limpo, na Zona Sul da cidade, onde residem meio milhão de pessoas. Entre os próprios vereadores, o evento não foi grande coisa. Apenas 18, sobre um total de 50, compareceram.
Já a presença das lideranças populares foi concorrida. Convocadas numa campanha de publicidade massiva pels principais meios de comunicação, 600 ativistas formados em associações de moradores, conselhos tutelares, saraus e essa infinidade de entidades que fazem a riqueza cotidana da sociedade civil brasileira, desconhecida pelas pessoas que conhecem os bairros populares de fora, compareceram para uma jornada política grandiosa, pela participação, vibrante, pelo tom das discussões, e didática, como exercício de democracia.
Quando a mesa abriu inscrições para o plenário, 45 pessoas se inscreveram para falar — obrigando a realização de um sorteio, que garantiu a palavra de 30 presentes, com direito a 3 minutos cada um. No final, o ambiente de lideranças políticas, funcionários de regionais, vereadores e militantes presente era de celebração. Idealizador do projeto e seu principal organizador, o presidente da Câmara, vereador Antonio Donato, do PT, deixou o CEU convencido de que fora possível confirmar uma verdade conhecida da vida política moderna: “Este encontro mostrou aquilo que sempre se soube: a população quer participar da política, tem sua opinião e conhece seus interesses. Só precisa de uma oportunidade.”
Preparado pelo próprio Donato nos últimos meses, o projeto nasce como uma possibilidade de mudança no calendário político da capital paulista. Neste sábado, o “Câmara no seu Bairro” será realizado em São Miguel Paulista — na extrema Zona Leste. No sábado seguinte, 21, haverá um encontro em Pirituba, e, no dia 28, será a vez do Jaçanã/Tremembé — e assim por diante. A partir de agora, todo sábado será um dia de encontro entre vereadores e lideranças populares, cada fim de semana num lugar diferente. (As excessões serão julho, mes de recesso, e os fins de semana com feriado).
Considerando que haverão eleições para prefeito e vereador em 2016, pode-se imaginar o que pode acontecer nos próximos meses, quando as máquinas políticas começam a se mobilizadas para a disputa de votos, num pleito que irá reunir pelo menos três estrelas de primeira grandeza e várias incógnitas políticas. Candidato a reeleição, o prefeito Fernando Haddad tentará confirmar sua capacidade de alçar vôo próprio, num ambiente muito mais complicado do que a eleição de 2012. Com a camisa do PSB e um discurso bastante sanguíneo para quem ocupava um ministério no governo Dilma Rousseff até o fim do ano passado, Marta Suplicy busca recuperar a herança de uma gestão que, entre 2000 e 2004, deixou marcas importantes na cidade. Com uma força na periferia que lhe garantiu a condição de parlamentar mais votado de 2014, Celso Russomano entra na guerra para tentar recuperar o troféu que Haddad lhe tomou na reta final de 2012.
Representando o prefeito Fernando Haddad no evento do Campo Limpo, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, atual Secretário Municipal, fez um pronunciamento na parte final do evento. Disse que “isso aqui vai mudar essencialmente a cultura de cidadania. Essa foi apenas a primeira sessão e as pessoas começarão a se acostumar com esse clima de aproximação de suas demandas com os vereadores.” Padilha anunciou que o prefeito irá fazer um projeto semelhante, determinando aos secretários que façam visitas regulares aos bairros, passando uma semana em contato com a população.”
A liderança de Antônio Donato, petista como o prefeito Fernando Haddad, poderia sugerir que São Paulo irá assistir a um desfile de encontros chapas-branca. Até porque, com dez integrantes, a bancada petista é a maior da Câmara. Mas essa é uma visão enganosa.
Não só porque o PT e o prefeito mantém uma relação morna, onde as estações frias são mais frequentes do que as quentes. O ponto principal é que a periferia de São Paulo é um laboratório político idêntico àquele que se vê nas grandes cidades brasileiras.
O grau de politização do cidadão comum é cada vez mais claro, acentuado e agressivo — enquanto sua fidelidade aos partidos organizados e aos políticos tradicionais é cada vez mais fluida, rarefeita e mesmo nula. “A aproximação do eleitor e do candidato é o melhor remédio para o desgaste dos políticos,” afirma o deputado estadual José Américo Dias, também do PT, antecessor de Donato na presidência da Câmara.
Avaliado pelo critério da autenticidade dos discursos e das reivindicações, o Campo Limpo assistiu a um encontro de cobranças, críticas e nenhum elogio. Nenhum partido compareceu ao evento com militantes exibindo bandeiras ou broches. Mesmo o discurso de Alexandre Padilha, falando em reforçar a presença de secretários nos bairros, pode servir como uma resposta a uma crítica do morador Claudio de Oliveira Silva, residente na Vila Rica, que foi a tribuna protestar contra o subprefeito, encarregado de dar o primeiro atendimento aos dramas do lugar. Claudio Oliveira disse que “o subprefeito precisa ter a mesma atitude que a Câmara está tendo conosco hoje aqui, ou seja, precisa criar um canal de acesso onde a população possa dialogar diretamente. Estar perto dos vereadores é muito importante, mas tem coisas que a subprefeitura pode resolver muito mais rápido”.
(No fim do encontro, Sérgio Roberto dos Santos, subprefeito do Campo Limpo, respondeu às criticas: “Infelizmente a gente não tem tempo para atender todas as pessoas, mas meu gabinete está e sempre esteve aberto a qualquer um que quiser falar comigo, e se não pude atendê-los plenamente, provavelmente foi por falta de recursos. O que a gente pode resolver, se ainda não foi, será feito num curto espaço de tempo”).
Não só porque o PT e o prefeito mantém uma relação morna, onde as estações frias são mais frequentes do que as quentes. O ponto principal é que a periferia de São Paulo é um laboratório político idêntico àquele que se vê nas grandes cidades brasileiras.
O grau de politização do cidadão comum é cada vez mais claro, acentuado e agressivo — enquanto sua fidelidade aos partidos organizados e aos políticos tradicionais é cada vez mais fluida, rarefeita e mesmo nula. “A aproximação do eleitor e do candidato é o melhor remédio para o desgaste dos políticos,” afirma o deputado estadual José Américo Dias, também do PT, antecessor de Donato na presidência da Câmara.
Avaliado pelo critério da autenticidade dos discursos e das reivindicações, o Campo Limpo assistiu a um encontro de cobranças, críticas e nenhum elogio. Nenhum partido compareceu ao evento com militantes exibindo bandeiras ou broches. Mesmo o discurso de Alexandre Padilha, falando em reforçar a presença de secretários nos bairros, pode servir como uma resposta a uma crítica do morador Claudio de Oliveira Silva, residente na Vila Rica, que foi a tribuna protestar contra o subprefeito, encarregado de dar o primeiro atendimento aos dramas do lugar. Claudio Oliveira disse que “o subprefeito precisa ter a mesma atitude que a Câmara está tendo conosco hoje aqui, ou seja, precisa criar um canal de acesso onde a população possa dialogar diretamente. Estar perto dos vereadores é muito importante, mas tem coisas que a subprefeitura pode resolver muito mais rápido”.
(No fim do encontro, Sérgio Roberto dos Santos, subprefeito do Campo Limpo, respondeu às criticas: “Infelizmente a gente não tem tempo para atender todas as pessoas, mas meu gabinete está e sempre esteve aberto a qualquer um que quiser falar comigo, e se não pude atendê-los plenamente, provavelmente foi por falta de recursos. O que a gente pode resolver, se ainda não foi, será feito num curto espaço de tempo”).
Um dos primeiros oradores foi o médico Raul Fernandes Marinheiro, que tem uma atuação reconhecida nos movimentos de saúde publica no bairro. Diretor do pronto-socorro do Hospital do Campo Limpo, para onde são encaminhados os pacientes mais graves da região, ele é o primeiro a admitir: “Não posso negar que, nos últimos anos, ocorreram melhorias muito importantes no atendimento e nas instalações.” Mas, quando foi à tribuna fazer uso dos 3 minutos a que tinha direito, Raul Marinheiro concentrou fogo numa reivindicação antiga, que o deixa indignado: a falta de ar condicionado na UTI e no Centro Cirúrgico. “Não tem nada a ver com luxo e conforto dos médicos e enfermeiros,” explica ele, falando ao 24/7. “Estamos falando do sofrimento de pacientes onde o calor chega a 50 graus. Imagine a dificuldade fazer uma cirurgia nessa situação. Pense em quem está com a saúde tão frágil que deve ser mantido numa UTI mas ali o calor é insuportável. ” Conforme Raul Marinheiro, “esse problema é conhecido há muitos anos e nunca se resolve.”
Na tribuna popular do Campo Limpo, um dos primeiros oradores advertiu (“a comunidade está ficando enfezada”). As intervenções seguintes confirmaram essas palavras, fosse para falar de questões individuais, fosse para tratar de dramas coletivos. Uma moradora da favela de Paraisópolis, a maior do bairro — e a segunda maior de São Paulo — denunciou uma “panelinha no CEU” onde só os amigos de quem ocupa cargos de direção têm vez nas atividades.
Várias donas de casa denunciaram o inferno dos Pancadões, que são a versão selvagem dos bailes funk. Num depoimento comovente, a moradora mais veemente descreveu ruas fechadas, noites sem dormir, o “chão de casa treme!”, exclamou — e autoridades policiais que fazem corpo mole diante da obrigação de defender os direitos dos cidadãos. Convidada a gravar depoimento numa TV comunitária, ela descartou o convite — numa reação óbvia de quem teme alguma retaliação.
Marcelo Ricardo, que é moto-frete, expressão que define os antigos motoboys depois que a profissão foi reconhecida em lei, pegou o microfone para fazer uma intervenção bem preparada (e aplaudida) de crítica às ciclovias que são uma das marcas da prefeitura de Haddad. Ele disse que gosta de andar de bicicleta com os filhos e admitiu que as ciclovias podem ser úteis, “desde que sejam construídas nos lugares certos. ” O problema, disse, “são os elefantes brancos. Aqui no bairro tem ciclovia que fica vazia por mais de meia hora. ” Ganhando o sustento familiar no chão mais duro das economias urbanas, Marcelo Ricardo diz que a ciclovia lhe trouxe prejuízos econômicos, ao diminuir seu espaço de circulação para entrega de documentos e mercadorias. “Uso moto mas para a lei sou igual a automóvel: se entrar na ciclovia, tomo multa e pontos na carteira de motorista.” (Com argumentos menos enfáticos, um orador fez a defesa das ciclovias).
Várias donas de casa denunciaram o inferno dos Pancadões, que são a versão selvagem dos bailes funk. Num depoimento comovente, a moradora mais veemente descreveu ruas fechadas, noites sem dormir, o “chão de casa treme!”, exclamou — e autoridades policiais que fazem corpo mole diante da obrigação de defender os direitos dos cidadãos. Convidada a gravar depoimento numa TV comunitária, ela descartou o convite — numa reação óbvia de quem teme alguma retaliação.
Marcelo Ricardo, que é moto-frete, expressão que define os antigos motoboys depois que a profissão foi reconhecida em lei, pegou o microfone para fazer uma intervenção bem preparada (e aplaudida) de crítica às ciclovias que são uma das marcas da prefeitura de Haddad. Ele disse que gosta de andar de bicicleta com os filhos e admitiu que as ciclovias podem ser úteis, “desde que sejam construídas nos lugares certos. ” O problema, disse, “são os elefantes brancos. Aqui no bairro tem ciclovia que fica vazia por mais de meia hora. ” Ganhando o sustento familiar no chão mais duro das economias urbanas, Marcelo Ricardo diz que a ciclovia lhe trouxe prejuízos econômicos, ao diminuir seu espaço de circulação para entrega de documentos e mercadorias. “Uso moto mas para a lei sou igual a automóvel: se entrar na ciclovia, tomo multa e pontos na carteira de motorista.” (Com argumentos menos enfáticos, um orador fez a defesa das ciclovias).
Neste ambiente de reinvindicação em estado bruto, a comunidade da Portelinha e Viela 18 chamou a atenção. Seus integrantes foram ao CEU usando uma camisa azul e amarela que serve de uniforme. O porta-voz, Paulo Rodrigues de Lima, foi à tribuna lembrar as conquistas da auto-organização dos moradores. Contou que, com apoio da população, foi possível enfrentar os Pancadões promovendo, um domingo por mês, uma roda de samba que começa às três da tarde e se prolonga até dez noite. A comunidade também promove, na rua, uma sessão de vídeos infantis, o Cine Viela, que costuma reunir 100 pessoas.
Militante das lutas estudantis contra a ditadura militar, quando integrou o Diretório Central de Estudantes da USP, Antônio Donato participa das mobilizações do Campo Limpo desde aquele período. Ele nasceu e criou-se no bairro, que a maioria das pessoas conhece pelos índices de violência e outras indicadores sociais preocupantes, ignorando que ali se construiu um universo cultural de valor respeitável. Foi numa área do bairro, o Capão Redondo, que se formou o escritor Ferrez, pioneiro de uma literatura áspera sobre a periferia brasileira. No bairro também nasceu a música de Mano Brown e dos Racionais MC. Em vários lugares, moradores se organizam em saraus literários, sendo que o mais antigo deles, o Sarau do Binho, faz encontros frequentes, que atraem moradores e estudiosos de outros bairros.
Aos 54 anos, Antônio Donato Madorno tem uma história respeitável no PT paulista. Como vereador, foi presidente de duas CPIs. Ocupou duas secretarias na gestão de Marta Suplicy e, em 2012, coordenou a campanha de Fernando Haddad.
Após a vitória, assumiu a Secretaria de Governo, de onde afastou-se no final de 2013, quando foi alvejado por insinuações vazadas durante uma investigação sobre corrupção de fiscais na prefeitura. Nunca respondeu a inquéritos nem a denúncias formais. Foi chamado para dar explicações num depoimento que durou alguns minutos. Preferiu voltar à Câmara, onde reconstruiu a vida como parlamentar da cidade e um ano depois tornou–se presidente da instituição. A primeira vez em que pensou num projeto semelhante ao “Câmara em Seu Bairro” foi no início de 2012, quando organizou as plenárias usadas pelo PT para escolher o candidato a prefeito. “Eu vi que seria possível fazer uma atividade maior, em toda a cidade, permitindo que a Câmara se aproximasse dos eleitores. Esse é o ponto fundamental de toda democracia.”
Após a vitória, assumiu a Secretaria de Governo, de onde afastou-se no final de 2013, quando foi alvejado por insinuações vazadas durante uma investigação sobre corrupção de fiscais na prefeitura. Nunca respondeu a inquéritos nem a denúncias formais. Foi chamado para dar explicações num depoimento que durou alguns minutos. Preferiu voltar à Câmara, onde reconstruiu a vida como parlamentar da cidade e um ano depois tornou–se presidente da instituição. A primeira vez em que pensou num projeto semelhante ao “Câmara em Seu Bairro” foi no início de 2012, quando organizou as plenárias usadas pelo PT para escolher o candidato a prefeito. “Eu vi que seria possível fazer uma atividade maior, em toda a cidade, permitindo que a Câmara se aproximasse dos eleitores. Esse é o ponto fundamental de toda democracia.”
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