Para evitar mais uma crise entre governo e Congresso, Gomes pede demissão



Saída foi confirmada pelo Planalto. Ministro reiterou declaração de que há 'achacadores' entre os deputados e disse que integrantes da base que não votam com o governo deveriam ‘procurar a oposição’
por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 18/03/2015 18:53, última modificação 18/03/2015 19:42
GUSTAVO LIMA/CÂMARA DOS DEPUTADOS
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Cid Gomes manteve afirmação, convidando os deputados da base aliada que costumam se posicionar contrários ao governo a se mudarem “para a oposição”
Brasília – O ministro da Educação, Cid Gomes, pediu demissão logo depois de uma desastrada audiência na Câmara dos Deputados, na tarde de hoje (18). Gomes irritou os parlamentares ao confirmar declarações feitas recentemente e, dessa forma, ensaiar mais uma crise entre Executivo e Legislativo. O pedido do ministro se deu em função da preocupação que o Palácio do Planalto mantinha com a sua ida ao Congresso e, justamente, num período em que o governo mal começou a “afinar a viola” – como se diz na sua terra, o Ceará – com os parlamentares no seu já tão conturbado relacionamento.

Gomes disse que pediu demissão em “caráter irrevogável” à presidenta Dilma Rousseff porque não queria criar constrangimento à base aliada do governo. "A minha declaração e mais do que ela, a forma como eu coloquei minha posição na Câmara cria dificuldades para a base do governo e portanto não quis criar nenhum constrangimento. Pedi demissão em caráter irrevogável, agradecendo a ela", afirmou em entrevista.
Como se não bastasse, a fala do ministro se deu menos de cinco horas após solenidade em que a presidenta pregou a importância de diálogo entre os poderes. Cid Gomes deixou claro que não consegue deixar de lado a fama de durão e o gene briguento da família. Foi convocado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para participar da audiência na Casa a fim de se justificar sobre declarações de que existiam lá “300 a 400 achacadores”, numa referência aos deputados.
Conforme informações de bastidores, a presidenta e integrantes da chamada “equipe de crise do governo” insistiram na sua ida ao Congresso como forma de amainar os ânimos e ser mantido um bom relacionamento entre todos os titulares dos ministérios com a Câmara e o Senado. Especialmente num momento em que matérias delicadas – como o ajuste fiscal e o pacote de medidas anticorrupção – se encontram em fase de tramitação. A estratégia, contudo, não deu certo.
Mantendo estilo assemelhado ao do irmão, o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes, Cid disse que se desculpava pelas declarações aos deputados que não possuem esta prática de achacar o governo em troca de favores. Numa tentativa de esclarecimento, afirmou que suas declarações não foram feitas num local público, mas na sala do reitor de uma universidade do Pará, para um grupo de estudantes. Mas reiterou suas palavras, convidando os deputados da base aliada que costumam se posicionar contrários ao governo a se mudarem “para a oposição”.
Cid Gomes tinha afirmado, na ocasião que provocou todo esse turbilhão de discussões, que a Câmara possui 300 a 400 parlamentares que são do contra e torcem sempre para que tudo dê errado, “para que consigam encontrar um pretexto para achacar o governo e conseguir usufruir da antiga técnica de troca de favores”. Ao manifestar-se na tarde de hoje, o ministro irritou mais ainda os deputados que se sentiram ofendidos, ao desculpar-se para “a parcela que não faz parte deste grupo” e ao dar o conselho de que deixem a base aliada. Foi chamado por líderes da oposição de "arrogante" e “sem moral para ditar valores à Câmara”.

'Larguem o osso'

Em sua fala, Cid Gomes disse ainda que tem 20 anos de vida pública e está velho para negar afirmações. Por isso, confirma o que disse e sente que sua conversa, tida em caráter extraoficial, tenha sido vazada para todo o país, por meio da imprensa. “Se alguém teve acesso a uma gravação não autorizada que não reflete a minha opinião pública, que me perdoe. Eu não tenho como negar aquilo que pessoalmente, de maneira reservada, falei no gabinete do reitor”, destacou.
Ele ressaltou, ainda, que desde o período em que foi prefeito e depois, como governador, manteve uma relação respeitosa com o parlamento e que compreende o papel do Legislativo na gestão e no controle do Estado. Mas, salientou, entende que quem integra a base do governo e se esquiva de votar conforme a orientação do Palácio do Planalto deveria “largar o osso”. “Partidos de oposição têm o dever de fazer oposição. Partidos de situação têm o dever de ser situação ou então larguem o osso, saiam do governo”, afirmou.
Numa outra provocação, o ministro disse que se for avaliar a quantidade de deputados compondo as bancadas partidárias e com representantes nos ministérios do governo Dilma vai perceber que, teoricamente, o Executivo tem uma grande maioria na Casa. Porém, nem sempre isso é o que acontece. “O meu profundo respeito que sempre tive pelo Legislativo não significa que eu concorde com a postura de alguns, de vários, de muitos, que mesmo estando no governo, os seus partidos participando do governo, têm uma postura de oportunismo”, ironizou.
Já sobre declarações de Eduardo Cunha de que ele precisava ir até a Casa para se desculpar pessoalmente, e o envio de um grupo de deputados a São Paulo, na semana passada, para confirmar se ele estava mesmo hospitalizado – Gomes alegou crise de sinusite e complicações respiratórias e adiou sua ida ao Congresso –, o agora ex-ministro respondeu apontando para o presidente. “Prefiro ser acusado por ele (Cunha) de mal-educado do que ser acusado como ele de achaque”, salientou.
De pronto, o presidente da Casa disse que os deputados foram até o hospital visitar o ministro sem ônus para a Câmara e acrescentou: “Esta Casa se dá ao respeito”. Foi o que faltava para ser multiplicada a insatisfação dos parlamentares. O líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), queixou-se que Cid Gomes, com sua postura, "ultrapassou as regras de convivência democrática e perdeu as condições de continuar no cargo". E pediu que fossem cobradas do governo providências em relação à atitude do ministro.
O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), que foi o autor do requerimento pedindo a convocação de Cid Gomes, afirmou que via duas opções para ele: ser demitido ou se demitir. “Com as declarações feitas aqui, a base do governo na Câmara ficou em uma situação desmoralizante, sem necessidade de oposição”, ressaltou.
Outros líderes, embora em tom mais polido, também demonstraram preocupação com o quadro. “Este é o momento mais constrangedor que já vi em 25 anos de vida pública, um ministro acusando os deputados”, acrescentou o líder do Solidariedade, Arthur Oliveira (BA). “Enquanto este senhor diz isso, quando governador viajou por toda a Europa com recursos pagos pelo povo do Ceará. Um político que age assim tem moral para falar dos deputados?”, questionou o líder do PSC, André Moura (SE).
“Essa troca de acusações entre os parlamentares e o ministro da Educação não traz benefícios a nenhum dos lados. Uma sessão pastelão, que só pega bem para olharem de fora e rirem de todos nós dizendo ‘lá estão os bobos' ", acrescentou o vice-líder do PDT, Pompeo de Mattos (RS).

Vitória

Como resultado da audiência e em meio ao acirramento do debate, Gomes deixou a Câmara depois de ter sido chamado de “palhaço” pelo deputado Sergio Zveiter (PSD-RJ) e ter o microfone cortado. Minutos depois, Eduardo Cunha anunciou no plenário que recebeu um telefonema do Palácio do Planalto confirmando a saída de Gomes do cargo – com ares de alguém que ganhou uma disputa.
Antes de ser confirmada a saída de Cid Gomes, o procurador da Câmara, deputado Claudio Cajado (DEM-BA), confirmou que a Casa entrará com um processo extrajudicial e dois judiciais contra o então ministro para que ele reconheça a autoria da fala em que se refere a deputados como “300 ou 400 achacadores” e indique “quem seriam tais parlamentares e quais os malfeitos imputados a eles”.
Já Cunha, disse que vai, pessoalmente, processar Cid Gomes pelas acusações feitas a ele. Apesar do anúncio da saída do ministro do governo, o clima entre os deputados continua tenso no plenário, com repercussões da audiência. Pouco depois do anúncio de Cunha sobre a saída do ministro, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que Cid Gomes teria uma conversa, dentro de instantes, com Dilma Rousseff.

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