O MP vs Dirceu. Quem vigia os vigias?
Autor: Miguel do Rosário
Temos um problema grave no Brasil.
O ex-procurador da república, Sepúlveda Pertence, cunhou a frase famosa, referindo-se ao ministério público que viria a ser gestado, com sua colaboração, na Constituição de 1988.
“Criei um monstro”, disse.
Pois é, Pertence. O monstro não pára de crescer.
Uma instituição que investiga, acusa e participa do julgamento, com o procurador-geral sentado, impávido como um Richelieu, ao lado do presidente do Supremo Tribunal Federal, não pode ser considerada, nem de longe, democrática.
Nesta sexta-feira, o procurador Santos Lima dá entrevista ao Estadão acusando José Dirceu.
Quer dizer, não o acusa de nada. Apenas lança suspeitas ao vento, com a leviandade de uma noviça rebelde.
A sua fala contém tantas arbitrariedades quantas estrelas há no céu.
Em primeiro lugar, ele especula pela imprensa, à céu aberto, sobre a vida e a morte de um cidadão.
Sem prova de nada, ele afirma que “a situação está difícil” para Dirceu.
Daí enumera uma série de especulações que, por si só, já constituem uma condenação midiática e política.
O linchamento continua.
Pensávamos que o “domínio do fato” seria o ápice do arbítrio, que o julgamento do mensalão seria uma exceção, um ponto fora da curva, e que tudo voltaria ao normal.
Não voltou. Ficou pior.
Quis custodiet ipsos custodes?
A frase de Juvenal, satírico latino, nos leva a um problema fundamental de uma república.
Quem vigia os vigias?
Na teoria de Sócrates/Platão, os guardiões vigiariam a sociedade. O problema sobre quem, por sua vez, os vigiariam, seria resolvido com uma mentira contada a eles.
Diríamos aos guardiões que eles são melhores que os outros cidadãos, e por isso coube a eles a responsabilidade pela ordem pública.
Claro que a república de platão nunca deu certo, ou pelo menos não numa democracia.
Os nossos promotores, todavia, parecem se achar realmente melhores que todos. Tornaram-se verdadeiros mandarins, soberbos, implacáveis como magistrados do último estágio da revolução francesa.
Semideuses com poder de acusar, julgar e ser porta-vozes, na mídia, do clamor público.
Na operação Lava Jato, buscam destruir todas as empresas que prestam serviços à Petrobrás, inclusive a indústria de navegação, que tínhamos conseguido reerguer após ter sido devastada durante o pesadelo neoliberal.
Por pouco não pediram o fechamento da Petrobrás.
Tudo em nome da luta contra a corrupção, claro.
Na operação contra o trensalão, o MP pediu ontem a “dissolução” de quase todas as empresas importantes do setor ferroviário que operam no país.
Em nome da luta contra a corrupção, naturalmente.
E quem é o procurador Carlos Santos Lima, que agora persegue Dirceu sob os holofotes da mídia?
Uma reportagem da Istoé, de setembro de 2003, intitulada “Raposa no galinheiro”, nos dá uma ideia sobre a figura.
A matéria da Istoé foi escrita por Amaury Ribeiro, anos antes dele virar o menino maldito da mídia neoliberal por seu clássico “A Privataria Tucana”.
A primeira frase do artigo provoca calafrios: “A proverbial raposa volta a tentar tomar conta do galinheiro.”
A raposa, no caso, é Santos Lima, o mesmo procurador que agora persegue Dirceu com especulações.
Especulações que, veiculadas na imprensa, provocam o frisson político tão desejado por quem pretende reacender o clima de linchamento e arbítrio, que vem caracterizando a parceria entre mídia e MP, nos últimos tempos.
Parceria que se tornou um problema, a bem da verdade, não só no Brasil, mas sobre isso falaremos mais tarde.
E sempre, sempre, voltamos à “República do Paraná” e ao caso Banestado.
Voltamos aos mesmos promotores (Santos Lima, Vladimir Aras), ao mesmo juiz (Sergio Moro), ao mesmo doleiro (Youssef).
Trecho:
“É que entre os procuradores estava Carlos Fernando dos Santos Lima. Santos Lima, quando servia em Curitiba, foi quem recebeu e manteve engavetado, desde 1998, o dossiê detalhadíssimo sobre o caso Banestadoe uma lista de 107 pessoas que figuram na queixa-crime sobre remessa de dólares via agência em Nova York. No episódio houve aquilo que em termos jurídicos se chama de “instituto da suspeição”, já que o procurador é parte interessada no caso. Sua esposa, Vera Lúcia dos Santos Lima, trabalhava no Departamento de Abertura de Contas da filial do Banestado, em Foz do Iguaçu. Agora, na Big Apple, Santos Lima fez um tour de force para que a documentação da quebra de sigilo de várias contas, realizada pelo escritório da Procuradoria Distrital de Manhattan, também não viesse à luz, enveredando por um labirinto burocrático que, como sempre, tem seu final em pizza.”
É incrível a disposição destes procuradores, de manter engavetados processos por anos a fio.
Assim como também é notável a sua disposição para se posicionar na frente dos holofotes e acusar, levianamente, cidadãos brasileiros, com denúncias do seguinte quilate:
“A situação parece insustentável em termos de versões, ataca o procurador, que já atuou nas investigações do caso Banestado e em outros rumorosos escândalos de corrupção.”
“Parece” insustentável? “Ataca” o procurador?
O tucano Pimenta da Veiga, recebeu R$ 300 mil de Marcos Valério. Nunca foi investigado, tanto que se sentiu confiante o suficiente para ser o candidato do PSDB ao governo de Minas em 2014.
Não apresentou um documento. Apenas disse que prestou um serviço “oral”.
Já Dirceu apresenta todos os documentos referentes aos serviços prestados, tem todos os seus sigilos fiscais e bancários quebrados, e o procurador diz que sua situação está difícil, porque está achando “confuso”.
Isso é que dá a mesma pessoa investigar, a mesma pessoa acusar, a mesma pessoa participar do processo judicial, a mesma pessoa sugerir a prisão ou a liberdade.
O MP deixou de ser apenas o monstro citado por Sepúlveda Pertence.
Está se tornando uma verdadeira ameaça às liberdades individuais, à segurança jurídica de pessoas e empresas, à nossa democracia.
É por essas e outras que os mesmos dementes que saíram às ruas, no dia 15 de março, empunhando faixas pedindo “militar intervention”, também trouxeram um cartaz com os dizeres:
“Fora Supremo, Fora Dilma. Queremos só Ministério Público e Polícia Federal”.
Ou seja, nada de justiça, nada de soberania popular, essas frescuras humanistas e democráticas.
O que um fascista legítimo quer é apenas ouvir o assobio de acusação.
Um longo e interminável assobio de acusação, ecoando num mundo sombrio, num mundo sem direitos, sem liberdade.
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