Miguel do Rosário: Os erros políticos do governo e do PT

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Por Miguel do Rosário

No site do PT, seus dirigentes explicam o “panelaço”. Reproduzo trecho, depois comento.
(…) O chamado “panelaço”, realizado por moradores de bairros de classe média , como Águas Claras (DF), Morumbi e Vila Mariana, em São Paulo, e Ipanema, no Rio, foram mobilizados durante o final de semana por meio das redes sociais, conforme monitoramentos do PT.

“Tem circulado clipes eletrônicos sofisticados nas redes, o que indica a presença e o financiamento de partidos de oposição a essa mobilização”, afirma José Américo.
“Mas foi um movimento restrito que não se ampliou como queriam seus organizadores”, completa.
O secretário avalia que apesar da intensa convocação e dos investimentos na divulgação do protesto, a mobilização não repercutiu nas áreas populares e perdeu o alcance.
Para Cantalice, a movimentação via internet tem ligações com outras reações ao governo, oriundas de setores que pretendem um golpe contra a atual gestão.
“Existe uma orquestração com viés golpista que parte principalmente dos setores da burguesia e da classe média alta”, define o vice-presidente.
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É constrangedor constatar que tanto PT quanto governo (e num cenário de intensa polarização, ambos se tornam a mesma coisa) passaram 12 anos sem construir um think tank político decente.
A oposição está fazendo a sua parte: ser oposição. E se há financiamento de partidos de oposição aos movimentos de oposição, eles não fazem mais do que sua obrigação.
Em outras palavras: a oposição está certa. E, pela primeira vez em muito tempo, age com organização e competência.
Enquanto isso, o PT financia o quê?
Festas milionárias de aniversário do partido?
Estruturas burocráticas inúteis?
A oposição ao PT se tornou orgânica. Não precisa de “financiamento”.
Acusar os movimentos da oposição de serem financiados por partidos apenas irrita seus agentes orgânicos, e repete a crítica antidemocrática que a direita sempre fez à militância de esquerda e aos blogs, de serem financiados pelo PT ou com dinheiro público.
Chamar de “golpismo” aos movimentos naturais da oposição, como organizar algo simples e barato como um panelaço, vulgariza as denúncias do verdadeiro golpismo, que é a manipulação de aparelhos do Estado, como vemos no Ministério Público e setores do Judiciário.
Chamar “panelaço” de golpismo lança por terra as críticas sérias, gravíssimas, que fazemos ao golpismo de verdade.
O PT, além de não ajudar, ainda atrapalha.
O uso de expressões politicamente gastas como “setores da burguesia” e “classe média alta” também não faz jus à complexidade intelectual que um dia – que hoje parece tão distante – caracterizou o partido dos trabalhadores.
Ora, o PT é um partido eminentemente burguês, e o núcleo orgânico de sua militância vem da burguesia; não há nada demais nisso. A burguesia, num país como o Brasil, com uma classe trabalhadora profundamente despolitizada, ainda é o setor onde se dá a disputa central de ideias.
Mais que isso, os governos do PT buscaram, deliberadamente, aburguesar setores excluídos da classe trabalhadora, dando-lhes acesso a crédito, financiamentos, carro, aeroportos, etc.
A renovação do Estado proporcionada pelos governos petistas, também criou uma nova classe média alta.
As centenas de milhares de vagas abertas no setor público, nas universidades, nas estatais, e nas empresas fornecedoras do Estado, produziu muito mais classe média alta do que qualquer outro período da nossa história.
Foi um passo à frente no processo de desenvolvimento – ainda mais considerando que veio acompanhado de políticas de distribuição de renda, assistência social e moradia popular.
É estupidez agora vir com esse papo de “setores da burguesia”.
Esses setores deveriam ser ouvidos pelo governo e pelo partido, porque a maioria é composta de trabalhadores (embora se identifiquem, erroneamente, com nossas elites tradicionais).
O socialismo petista nunca foi revolucionário, e sim reformista e profundamente comprometido com valores democráticos.
O modelo político do petismo jamais foi Cuba, por exemplo, e sim os países da Escandinávia, como a Suécia.
Isso nunca foi trabalhado ou explicado para aqueles que os dirigentes petistas hoje chamam de “setores da burguesia”, setores que ainda vêem socialismo como alguma coisa perigosa, autoritária e antidemocrática.
Não adianta xingar ou desqualificar os paneleiros. Eles são cidadãos brasileiros que votam e tem tantos direitos políticos quanto quaisquer outros.
Além do mais, não é verdade que a oposição à Dilma se restringe à classe média alta. A insatisfação já vazou para vastas camadas da sociedade, e nem governo nem PT tem buscado estabelecer nenhum diálogo.
O fato é que “movimentos golpistas” ainda vão existir por muito tempo num país como o nosso, onde valores democráticos ainda não se enraizaram de maneira suficiente, mas não podemos confundi-los com o desejo legítimo da população, incluindo aí “setores da burguesia”, por mudanças.
No caso atual, o governo às vezes parece ser ele mesmo o mentor da oposição, tal a quantidade de erros políticos que comete.
Por exemplo, eleger o “ajuste fiscal” como a única bandeira mobilizadora do governo é flertar com o suicídio político.
Depois de meses de silêncio, a presidenta vem a público falar de… ajuste fiscal.
Mercadante, ministro da casa civil, finalmente intervêm no debate político para falar da importância do… ajuste fiscal.
Ora, o povo não é burro. Sabe que é preciso economizar e fazer ajustes para enxugar a máquina pública.
Mas isso não pode ser a “bandeira central” do governo. Tem de ser antes uma medida lateral, aplicada discretamente, abafada por iniciativas de caráter progressista, positivo, desenvolvimentista.
Medidas que ajudem, inclusive, a neutralizar os efeitos negativos dos “ajustes”.
Mercadante fala em diálogo, mas desde quando que ele fez qualquer esforço neste sentido?
A única vez que eu me lembro de Mercadante ter “dialogado” com a opinião pública, antes de sua intervenção de hoje, foi sua entrevista para… Miriam Leitão, em canal da TV fechada.
A mesma coisa vale para o ministro da Justiça, que também só dá entrevistas para órgãos como “TV Veja”.
É incrível que o governo, que em tese deveria entender de política, porque é pago para isso, tem ministérios especializados nisso, que tem recursos vastos, que acumula 12 anos de experiência, não tenha em nenhum momento percebido que o silêncio da presidenta e de seu governo agride o seu eleitorado e incentiva a oposição.
Incrível ainda que o governo despreze a política de maneira tão solene.
De um lado, temos uma imprensa udenista e fascistóide, que criminaliza a política.
De outro, um governo apático, que despreza a política.
É um cenário maravilhoso para o poder econômico, encarnado na mídia, que emerge como uma potência, livre das amarras do sufrágio universal, dos tribunais de conta, das necessidades de campanha.
Mas isso também não é mais desculpa para o governo, porque a mídia é um ator político conhecido.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prestigiou há pouco uma cerimônia do Innovare, uma excrescência antidemocrática que serve ao propósito escuso de fazer o poder econômico e midiático avançar sobre o judiciário.
O Innovare é uma iniciativa da Globo, e quem é a Globo para determinar quais são as melhores práticas ou filosofias judiciais, penais, investigativas, no país?
E o ministro Cardozo ainda faz elogios à iniciativa em público!
Não é para elogiar, ministro! O Innovare é um acinte à nossa democracia!
Quer dizer que uma corporação midiática, construída na ditadura, patrocina um evento que, notoriamente, visa influenciar nossas práticas judiciais, e o senhor o elogia?
E logo a mesma corporação que conspira diuturnamente contra seu governo e seu partido?
Qual o sentido de fazer isso e depois a presidenta participar de um evento do PT falando em “golpismo”?
Quanto ao discurso da presidenta, não é óbvio que se ela mantém silêncio por longo tempo, a sua fala se torna um fato político com um peso excessivo?
Além disso, o governo agendou a fala da presidente há meses, permitindo que a oposição organizasse uma reação.
Dilma conseguiu a proeza de, após o jejum de meses, transformar o seu primeiro discurso em rede nacional num fato político… negativo.
A presidenta desativou o único canal que possuía com a sociedade, o Café com a Presidenta, cujo áudio era distribuído para milhares de rádio do Brasil e tinha bastante audiência no interior.
Há tempos que esse Café deveria ser transformado em entrevistas em vídeo, e incrementado com recursos modernos de comunicação.
Ao invés disso, a presidenta trocou o rádio pelo silêncio.
O blog do Planalto, por sua vez, nunca passou por uma mísera reforma visual.
Qualquer bloguinho vagabundo está sempre tentando melhorar seu visual, introduzindo aplicativos e recursos novos, sempre de olho na audiência e na repercussão.
Não é o caso do blog da Presidência da República.
Não é um blog, na verdade.
É um arquivo frio e entediante dos discursos e vídeos da presidenta, ou canal para divulgação de comunicados oficiais.
As redes sociais da presidente ou foram abandonadas ou se transformaram em canais de propaganda vulgar.
E ainda temos o problema do ministério.
Era óbvio que Dilma precisava montar um ministério com nomes que tivessem prestígio na sociedade. Somente ministros com reconhecimento social terão capital simbólico para fazer a batalha da comunicação.
Ela fez o contrário. Montou um ministério medíocre, sem sequer combinar os partidos.
Sem sequer combinar com Lula, presidente de honra de seu próprio partido e figura política de maior projeção nacional e internacional!
Aliás, falemos mais da famigerada batalha da comunicação. Ela é a essência da política.
É óbvio para todos que o governo vem perdendo diariamente essa batalha. Até porque ele parece não entender nem o que é comunicação, nem o que é batalha.
A batalha requer planejamento, estrutura, exercício, prática.
Pois bem, não há planejamento, não há estrutura, não há exercício e não há prática.
O PT faz comunicação apenas para dentro. Tudo que pensa é melhorar a “Agência PT”, como se uma opinião pública envenenada pudesse ser influenciada por notícias publicadas num site institucional.
O partido tinha de criar projetos abertos, para fora do partido, como era o Vermelho antes de também se tornar um instrumento partidário.
As academias estão cheias de intelectuais de esquerda, com décadas de experiência, dispostos a ajudar e aflitos com a situação, mas o PT prefere que suas análises políticas sejam feitas por burocratas do partido sem nenhuma capacidade de síntese, sem nenhuma criatividade.
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