Lei francesa sobre informação preocupa Liga de Direitos Humanos

Na França, uma nova lei de segurança nacional, com o pretexto de proteger o país do terrorismo, pode também hipotecar liberdades individuais.

Leneide Duarte-Plon, de Paris - na Carta Maior
Steve Jurvetson / Flickr
Ao revelar, em junho de 2013, a mega-espionagem feita sistematicamente pela National Security Agency (NSA) sobre cidadãos americanos e chefes de Estado (inclusive de países aliados dos Estados Unidos), o ex-agente da NSA Edward Snowden criou um enorme problema para o governo Obama. A presidente Dilma Rousseff cancelou sua viagem oficial a Washington, Angela Merkel e os alemães pediram explicações. O mundo descobria a extensão dos tentaculares serviços de informação americanos.  

Desde o 11 de setembro as leis liberticidas do governo Bush fabricaram um « big brother » que lê mensagens privadas e escuta conversações telefônicas de todo mundo, a pretexto de garantir a segurança do país. A espionagem dos cidadãos é realizada em nome da famosa « segurança nacional » que está gravada no próprio nome da agência americana. Foi a mesma segurança nacional que serviu de doutrina a ditaduras sul-americanas que instalaram o terror de Estado nas décadas 1960 e 1970, prendendo, torturando e matando seus próprios cidadãos, em guerras civis que não se assumiam como tal. Nos Estados Unidos pós-11 de setembro, o famigerado « Patriot Act » foi a lei que melhor encarnou essa supervalorização dos serviços de informação em detrimento das liberdades do cidadão americano.

Depois da revelação de milhares de documentos através de jornalistas como o americano Glenn Greenwald, Edward Snowden tornou-se imediatamente o « inimigo número 1 » do governo de Obama, que fez tudo para levá-los aos tribunais como traidor. Acontece que no mundo inteiro, Snowden é considerado por muitos militantes dos direitos humanos como um herói e sua causa encontrou apoio em grupos que o ajudaram a se asilar na Rússia, onde vive hoje. Sua saga resultou no excelente filme « Citizenfour », da ativista Laura Poitras, Oscar de melhor filme documentário este ano. A história de Snowden supera em audácia e suspense qualquer romance policial imaginado pelo mais criativo autor.

Agora, os franceses querem dotar seus seis serviços de informação de uma nova lei, cujo projeto foi aprovado no Conselho de ministros no dia 19 de março. Acontece que a pretexto de proteger o país do terrorismo, a nova lei pode também hipotecar liberdades individuais. Essa discussão ocupou um grande espaço da mídia francesa na semana passada e vai continuar nos debates para a votação da lei no Parlamento. Há quem pense, como o presidente da Liga dos Direitos Humanos, Pierre Tartakowsky, que a lei sobre a informação « é muito vasta, vaga e intrusiva ».

Para o primeiro-ministro Manuel Valls, trata-se de « dar aos serviços de informação franceses meios à altura dos novos desafios  que a França enfrenta ». Ele chegou a garantir que não será feito nenhum controle massivo dos cidadãos. Mas a preocupação de muitos é justamente evitar um « Patriot Act à la française ».

Os críticos da lei francesa que vai ser votada dizem que, contrariamente ao que se passa atualmente, simples autorizações administrativas serão suficientes para promover escutas e espionagem eletrônica. O respeitado advogado William Bourdon, presidente do Sherpa, entidade que combate a criminalidade financeira e econômica, reconhece a necessidade de adaptar a legislação em face da ameaça do terrorismo contemporâneo. Mas em grande artigo no « Le Monde » ele se disse preocupado com um texto que “apresenta graves erosões de nossas liberdades públicas ».  Ele escreveu : « Quando uma democracia cede aos serviços de informação, estes não devolvem o que ela lhes deu ».

Ele informa que entre juízes isentos e insuspeitos há o temor que os poderes excessivos cedidos aos serviços de informação em diversos campos seja um grande risco, já que tudo sairá do rígido contrle dos juízes, como é atualmente. Segundo Bourdon, mesmo nos Estados Unidos o texto do projeto de lei francês foi considerado não muito longe das disposições estabelecidas pelo « Patriot Act » de outubro de 2001. Na prática, essa lei americana autoriza os serviços de segurança a terem acesso a dados informáticos detidos por particulares e por empresas sem autorização prévia e sem informar os utilizadores.

A Comissão Nacional da Informática e das Liberdades (Comission Nationale de l’Informatique et des libertés-CNIL) mostrou-se bastante crítica quanto ao texto que vai ser discutido. Segundo ela, os serviços de segurança poderão inclusive requerer dados de telefonemas e SMS diretamente das operadoras. Nesse sentido, a Comissão expressou sua preocupação quanto a algumas categorias profissionais como médicos, advogados e jornalistas que não são suficientemente protegidos pelo texto quando ele se refere aos dados informáticos.

Por outro lado, o texto do projeto de lei visa também, segundo comentaristas, a enquadrar de certa forma os serviços de informação que já realizavam ilegalmente algumas das ações que que se tornarão legais. Mas isso não é um argumento que convence pois se trata apenas de legalizar a intromissão dos agentes secretos do Estado na vida dos cidadãos, restringindo cada vez mais o espaço privado

« Os cidadãos devem por todos os meios tentar pesar para restaurar um equilíbrio que deveria ser o da tradição francesa », recomenda William Bourdon.




Créditos da foto: Steve Jurvetson / Flickr

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