Greve no Paraná: Crônica de uma assembleia no estádio

Tinha arquibancada lotada, venda de espetinho e isopor de refrigerante. O clima era de decisão. Mas não era futebol. Era assembleia.

Bernardo Pilotto, originalmente publicado no Correio da Cidadania
Bernardo Pilotto





Para quem já leu alguma coisa sobre nossa história contemporânea ou sobre a história das lutas sindicais em nosso país, certamente são marcantes as cenas das assembleias realizadas pelos metalúrgicos do ABC Paulista, no final dos anos 1970, que foram capazes de lotar o estádio da Vila Euclides em São Bernardo do Campo. Para quem nasceu depois dessa época, as assembleias de trabalhadores capazes de lotar um estádio pareciam destinadas aos livros e filmes.

 
Pareciam… Nesta quarta-feira, 04 de março, cerca de 20.000 professores e funcionários de escola do Paraná se reuniram no estádio Durival de Britto e Silva, a Vila Capanema, em Curitiba. A votação foi quase unânime pela manutenção da greve, que desde o dia 09 de fevereiro vem sacudindo o Paraná e o Brasil.
 
Tinha arquibancada lotada, venda de espetinho e isopor de refrigerante. O clima era de decisão. Mas não era futebol. O que acontecia ali era a Assembleia Estadual da APP - sindicato dos educadores da rede pública do estado do Paraná!
 
Mas o simbolismo do momento não se deu apenas pela lembrança das assembleias que fizeram nascer uma nova forma de sindicalismo no Brasil e que foram fundamentais para a derrocada da ditadura civil-militar de 1964. A Vila Capanema também tem as suas histórias: o Paraná Clube, time que hoje usa o estádio, foi formado pela fusão do Pinheiros e do Colorado, que por sua vez tinha sido a fusão do Britânia, do Palestra Itália e do Ferroviário.
 
Pois bem, o Clube Atlético Ferroviário, fundado em 1930, foi o time formado pelos trabalhadores da Rede Ferroviária Federal, que tinha sua sede, no Paraná, ao lado de onde está construído o Vila Capanema (inaugurada em 1947). Era um time humilde, de trabalhadores, que conseguiu ser campeão paranaense por 8 vezes.
 
Também é nesta região da cidade que se formou a primeira escola de samba do estado, a Colorado. Comandados por Maé da Cuíca, os bambas da Vila Tassi (local que ficava na região do estádio e que foi destruída pela especulação imobiliária) fizeram história na cidade e foram um símbolo de resistência cultural. Muitos trabalhadores e torcedores do Ferroviário eram também membros da Colorado.
 
E é essa força de resistência, dos trabalhadores das assembleias da Vila Euclides e dos ferroviários e bambas da Vila Capanema e da Vila Tassi, que parece estar presente na greve dos educadores do Paraná desde o seu início. Foi assim que eles derrotaram uma “base parlamentar aliada invencível”, ocupando a Assembleia Legislativa por 2 vezes. É essa força que os faz enfrentar atualmente a decisão da (in)justiça que decretou a greve ilegal.
 
Com a manutenção de quase 100% das escolas paradas, o governo estadual começa a sinalizar que vai reabrir a mesa de negociação. Muitas coisas estão pendentes, como o pagamento de progressões e promoções que estão atrasadas, em muitos casos há mais de 1 ano. E, além das escolas, também permanecem paralisadas as 7 universidades estaduais (UEM, UEM, UEPG, Unespar, UENP, Unioeste e Unicentro) e o Detran. Até o momento, apenas a greve dos servidores da Defensoria Pública foi encerrada, neste caso com vitória para os trabalhadores.
 
Parece-nos que a força das greves paranaenses tem contagiado os trabalhadores de outros estados brasileiros. Porque a dificuldade que vivemos por aqui, com atrasos de salário, calotes do governo e ameaças de retirada de direitos, é uma realidade nacional.
 
Também nos fica evidente que a greve “extrapolou” suas pautas. Além das reivindicações mais específicas da educação, os trabalhadores conseguiram derrotar o método da “comissão geral” na Assembleia Legislativa, o popular tratoraço. Esse método permitia que um projeto fosse votado de um dia para o outro, sem passar pelas comissões e pelo rito normal de tramitação. Depois dos protestos, o tratoraço foi retirado do regimento da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), por unanimidade. Outra pauta que também entrou em cena é a democratização das comunicações, fruto especialmente do fato de que o SBT local (a Rede Massa) tem como dono o apresentador Ratinho, pai de Ratinho Jr., deputado estadual licenciado e Secretário Estadual de Desenvolvimento Urbano.
 
O dia 04 de março foi histórico. Pra quem estava acostumado a ir a jogos de futebol em Curitiba ver o seu time tomar goleadas (sim, o Flamengo tem muito azar por aqui), a assembleia de hoje certamente vai trazer um novo significado sobre o que é sair vitorioso de um estádio de futebol.
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Bernardo Pilotto, sociólogo e técnico-administrativo da UFPR, foi candidato a governador do Paraná em 2014 pelo Psol.






Créditos da foto: Bernardo Pilotto

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