'Ajuste Levy' poupa os endinheirados

A presidenta apresentou medidas mais positivas de ajuste fiscal, que incidem sobre o 'andar de cima,' mas não tratou da taxação das grandes fortunas.

Najla Passos
Marcos Oliveira/Agência Senado
A reunião da presidenta Dilma Rousseff com os líderes partidários, nesta quarta (4), no Palácio do Planalto, pode ter cumprido o propósito de acalmar alguns ânimos em relação às medidas de ajuste fiscal do governo, a partir da apresentação de propostas mais positivas para a retomada do crescimento.
 
Mas sequer considerou a discussão sobre a principal alternativa apontada pelos partidos mais ideológicos de esquerda às medidas de retirada de direitos dos trabalhadores: a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas. De acordo com o líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-CE), o assunto não foi abordado no encontro.

 
O líder, porém, classificou a reunião como muito produtiva. Primeiro, porque a presidenta se comprometeu a discutir antecipadamente com a base aliada quaisquer novas medidas que venha a tomar no seu governo, sejam elas do âmbito de análise do parlamento ou não. Mas, principalmente, porque ela garantiu que as duras medidas de ajuste fiscal são transitórias.
 
Costa defendeu que as medidas já anunciadas são apenas parte de um pacote mais amplo, focado na retomada do crescimento. “A presidenta apontou o horizonte de mostrar ao Brasil que essas medidas que estão sendo tomadas agora não são a política do governo. Elas são medidas que estão sendo tomadas para uma transição à retomada do crescimento”, ressaltou.
 
Segundo ele, Dilma Rousseff explicou aos líderes que outras medidas, mais propositivas, ainda estão por vir e terão impacto muito mais positivo na economia, favorecendo, especialmente, o setor produtivo, agora afetado pela proposta de redução na desoneração da folha de pagamento de 56 setores.
 
“Agora virão outras medidas com características acíclicas e de desenvolvimento da economia como, por exemplo, um plano nacional para as exportações, a adoção de novas regras para o simples e supersimples, essa questão da retirada da cumulatividade de impostos sobre a cadeia produtiva e também investimentos do governo em habitação, ciência e tecnologia, educação e saúde”, atestou.
 
Quem paga a conta da crise?

 
Apesar do otimismo do líder do governo, no parlamento, os arranjos oficiais entre situação e oposição de nada servem quando o assunto é discutir quem vai pagar a conta da crise. Partidos da base, como PT e PCdoB, se unem a outro de oposição, como o PSOL, para evitar a aprovação das medidas que implicam na redução de direitos dos trabalhadores.
 
Todos os três já se pronunciaram contrários às medidas provisórias que afetam o seguro desemprego e a previdência, segundo o governo, com o objetivo de corrigir abusos e distorções nas políticas sociais.
 
“É claro que ninguém quer compactuar com abusos, mas a posição da bancada do PT é contrária à violação de direitos. Por isso, vamos trabalhar para mudar as medidas provisórias relacionadas às questões trabalhistas”, explica o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
 
O deputado defende que as diferentes medidas de ajuste fiscal sejam analisadas individualmente, para que o parlamento possa discutir, de fato, as especificidades de cada uma. “Temos que apoiar as medidas de equilíbrio fiscal, mas sem deixar que os trabalhadores paguem sozinhos a conta da crise”, ressaltou.
 
Do outro lado, o ‘governista’ PMDB se alinha com PSDB e afins para tentar impedir as medidas que afetam os mais ricos, como a redução da desoneração da folha de pagamento de 56 setores da economia, prevista na medida provisória que foi devolvida ao executivo pelo presidente do senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), nesta terça (3).
 
“Por que o presidente do senado aceitou as MPs que prejudicam os trabalhadores e devolveu logo a que começa a afetar os mais ricos?”, questiona o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), para quem a medida patrocinada pelo expoente do PMDB é contraditória, casuística e reveladora da sua opção pelos mais ricos.
 
“Há uma contradição de coerência. Em momentos anteriores, quando deveria devolver MPs, o presidente não o fez. Desta feita, ele faz a devolução de uma MP que trata claramente de fazer o ajuste fiscal sobre os mais ricos, e não se manifesta sobre as outras medidas provisórias, como as que incidem sobre os mais pobres”, justifica.
 
Ele acrescenta que a atitude é casuística em função do momento político, em que Calheiros é acusado pela Operação Lava Jato. “Há um casuísmo nesta atitude intempestiva, que coincide com o momento em que o presidente da casa está acuado por conta das denuncias da Operação Lava Jato. E como o governo não atende seus pedidos, ele faz uma retaliação que nada tem de republicana”, ataca.
 
Para apagar o incêndio
 
Para o líder Humberto Costa, apesar de toda a polêmica, tanto as medidas que incidem sobre questões previdenciárias e trabalhistas quanto a que atinge o setor produtivo serão aprovadas em tempo recorde. As duas primeiras serão analisadas como MPs e, ainda que modificadas com o apoio até mesmo do próprio PT, significarão economia para o país.
 
“Nenhuma MP que eu tenha conhecimento entrou e saiu daqui do congresso da mesma forma. Sempre há mudanças, às vezes mais substantivas, às vezes menos expressivas. Eu acredito que, neste caso, haverá uma negociação, que envolverá trabalhadores, governo e congresso. E daí sairá uma lei de conversão que, certamente, vai atender a todas as partes ou, pelo menos, a maior parte”, afirmou.
 
Já a medida que reduz a desoneração da folha de pagamento, devolvida por Calheiros, retornará ao parlamento na forma de projeto de lei que, em regime de urgência, deverá ser discutido e aprovado em 45 dias no máximo, em cada casa.
 
“Essa medida é mais simples do que a dos ajustes trabalhistas e previdenciários. Creio que o congresso vai se sensibilizar com a importância dela, que faz parte de uma política de transição para a retomada do crescimento econômico”, justificou.
 
Taxação das grandes fortunas
 
A taxação das grandes fortunas é apontada pelos movimentos sociais, sindicais e partidos de esquerda como forma de impedir que os trabalhadores paguem sozinhos a conta da crise. Une, por exemplo, partidos da base, como PT e PCdoB, e da oposição, como PSOL.
 
Segundo Paulo Teixeira, a taxação das grandes fortunas ganha cada vez mais espaço no campo da esquerda e, até o momento, parece ser a solução mais adequada para enfrentar a crise. “Na sua última reunião de executiva, o PT aprovou apoio a um dos projetos que trata do tema”, esclareceu.
 
 
O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP)  também acredita que a medida é a melhor solução para evitar o arrocho dos trabalhadores. “Tramitam tanto no senado quanto na Câmara vários projetos de taxação das grandes fortunas. Mas o ideal seria o governo apresentar o seu, principalmente após o presidente do Senado ter devolvido ao executivo a medida provisória que afetava o setor produtivo”, avalia.








Créditos da foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

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