Afinal, do que se trata? Simples: destituir Dilma e liquidar o PT.
O governo cometeu erros, alguns muito graves, não há como negar. Mas surge um sentimento injustificável de ódio. E não é um ódio banal: é ódio de classe.
Eric Nepomuceno - na Carta Maior
E então vieram os índices de inflação, que ainda estão longe de ser efetivamente graves e dramáticos, mas são, sim, preocupantes. O passo seguinte, nesse mostruário de pequenos (embora sanáveis) desastres, foi a articulação absolutamente desarticulada entre o governo, o Congresso e os aliados. E, como se tudo isso fosse pouco, continua em curso outro escândalo, graças às denúncias concretas de corrupção, desta vez na Petrobras.
Ou seja: foram oferecidos todos os ingredientes para uma receita de crise política de bom tamanho.
Acontece que o verdadeiro problema é outro. Pela primeira vez desde a retomada da democracia, em 1985 e depois de 21 anos de benefícios para os mesmos grupos econômicos e midiáticos que agora clamam pelo Estado de Direito, surge em pleno esplendor um sentimento que andou bem distanciado do cenário político, e que é o ódio.
Assim de fácil, assim de simples: o ódio. Mais que a fúria de um Carlos Lacerda, que em última instância era um orador brilhante, o que temos é um ódio rasteiro, sem pena nem glória.
E não é um ódio banal: é ódio de classe. Preconceito de classe. As elites e as classes médias tradicionais, que invejam as elites enquanto a elas se submetem, se lançam com fúria desatada não exatamente contra o alvo de seus preconceitos, mas contra seus promotores.
O alvo é essa nova classe ignara e bruta que de repente ocupa aeroportos, gente ralé que viaja em avião usando sandálias de borracha e deixam perfeitamente claro que não sabem como se portar à altura de ambientes seletos como os aeroportos; essa gentalha que compra geladeiras e nos obrigam, digo, nós, brancos, que só soubemos o que é ter fome quando a empregada atrasou o almoço, pois nos obrigam a esperar pela entrega de um novo modelo de tanto que compram; enfim, essa turba que de repente começa a exigir melhor qualidade na educação, na assassina saúde pública, no humilhante transporte público.
A essa gente, o verdadeiro alvo, o desprezo. Aos que promoveram essa gente a ponto de nos perturbar, o ódio.
Da mesma forma que o Brasil soube disfarçar doses colossais daquele preconceito racial que os cínicos mais indecentes negam existir, a questão agora é tentar disfarçar o preconceito de classe. Porque as elites brasileiras que odeiam os pobres e, mais ainda, os que deixaram de ser pobres, se dizem defensoras da justiça social – desde que, claro, seja feita de acordo com seus criterios esdrúxulos. Porque as elites brasileiras exigem, em primeiro lugar e acima de tudo, a preservação de seus privilégios de sempre, agora ameaçados por uma crise econômica provocada, dizem, por governos irresponsáveis e inconsequentes, que gastaram rios de dinheiro para que os miseráveis passasem a ser pobres, e os pobres passassem a integrar a mesma economia de mercado, de consumo, que alimenta esas mesmas elites.
No fundo, é esse o motor que gera o cenário que vivemos.
O governo é inábil, com certeza. Cometeu erros, alguns muito graves, não há como negar. Há muita culpa no cartório da corrupção, claro.
Mas não é disso que se trata. Do que se trata é de fazer o Estado dismilinguir, retomar o domínio do país. Devolver às margens o que é marginal, aos subúrbios o que é suburbano, ao pé do chão o que se atreveu a andar de avião.
De destituir Dilma, liquidar o PT, enterrar Lula da Silva. Que, claro, cometeram erros e equívocos, mas, acima de tudo, cometeram um pecado capital, imperdoável: levar adiante um projeto de país, e não um projeto de preservação dos beneficios de determinada classe.
E isso, vale repetir, é crime imprescritível. Pecado imperdoável.
Para os porta-vozes e porta-silêncios das elites preconceituosas, Dilma merece o direito de escolha. Os mais educados dizem que não é o caso de impeachment, e oferecem a ela o nobre gesto da renúncia. Os mais desembestados sentenciam que a saída é deixá-la – e a seu governo – sangrar. Os mais energúmenos preferem diretamente destituí-la.
Será que não há uma única alma capaz de convencê-la de que é preciso se defender? E não apenas se defender, mas defender um projeto de país?
Por que ela, que em seus anos jovens soube resistir a tudo, superar tudo, não dá um passo concreto, não faz um único gesto viável para reagir a uma conspiração baseada no mais vil dos sentimentos, que é o preconceito?
Não há como negar que existe uma concreta e substantiva dose de insatisfação geral, inclusive em parcelas significativas, talvez majoritárias, do eleitorado de Dilma Rousseff. Saber que a verdadeira situação da economía foi camuflada não apenas durante a campanha eleitoral, mas ao longo de todo o ano, é causa de frustração e inquietude. Ver como rápidamente – e da maneira mais torpe possível – foram anunciadas medidas restritivas, que durante a campanha eran imputadas ao adversário, caso alcançasse a vitória, também levou milhões de brasileiros a se sentirem enganados.
A – digamos – pouca hablidade de Dilma ao armar seu ministério, um dos mais formidáveis desfiles de mediocridades num país que já viu, entre outras bizarrices, Renan Calheiros ser ministro de Justiça, foi a sequência do mal estar.
A – digamos – pouca hablidade de Dilma ao armar seu ministério, um dos mais formidáveis desfiles de mediocridades num país que já viu, entre outras bizarrices, Renan Calheiros ser ministro de Justiça, foi a sequência do mal estar.
E então vieram os índices de inflação, que ainda estão longe de ser efetivamente graves e dramáticos, mas são, sim, preocupantes. O passo seguinte, nesse mostruário de pequenos (embora sanáveis) desastres, foi a articulação absolutamente desarticulada entre o governo, o Congresso e os aliados. E, como se tudo isso fosse pouco, continua em curso outro escândalo, graças às denúncias concretas de corrupção, desta vez na Petrobras.
Ou seja: foram oferecidos todos os ingredientes para uma receita de crise política de bom tamanho.
Acontece que o verdadeiro problema é outro. Pela primeira vez desde a retomada da democracia, em 1985 e depois de 21 anos de benefícios para os mesmos grupos econômicos e midiáticos que agora clamam pelo Estado de Direito, surge em pleno esplendor um sentimento que andou bem distanciado do cenário político, e que é o ódio.
Assim de fácil, assim de simples: o ódio. Mais que a fúria de um Carlos Lacerda, que em última instância era um orador brilhante, o que temos é um ódio rasteiro, sem pena nem glória.
E não é um ódio banal: é ódio de classe. Preconceito de classe. As elites e as classes médias tradicionais, que invejam as elites enquanto a elas se submetem, se lançam com fúria desatada não exatamente contra o alvo de seus preconceitos, mas contra seus promotores.
O alvo é essa nova classe ignara e bruta que de repente ocupa aeroportos, gente ralé que viaja em avião usando sandálias de borracha e deixam perfeitamente claro que não sabem como se portar à altura de ambientes seletos como os aeroportos; essa gentalha que compra geladeiras e nos obrigam, digo, nós, brancos, que só soubemos o que é ter fome quando a empregada atrasou o almoço, pois nos obrigam a esperar pela entrega de um novo modelo de tanto que compram; enfim, essa turba que de repente começa a exigir melhor qualidade na educação, na assassina saúde pública, no humilhante transporte público.
A essa gente, o verdadeiro alvo, o desprezo. Aos que promoveram essa gente a ponto de nos perturbar, o ódio.
Da mesma forma que o Brasil soube disfarçar doses colossais daquele preconceito racial que os cínicos mais indecentes negam existir, a questão agora é tentar disfarçar o preconceito de classe. Porque as elites brasileiras que odeiam os pobres e, mais ainda, os que deixaram de ser pobres, se dizem defensoras da justiça social – desde que, claro, seja feita de acordo com seus criterios esdrúxulos. Porque as elites brasileiras exigem, em primeiro lugar e acima de tudo, a preservação de seus privilégios de sempre, agora ameaçados por uma crise econômica provocada, dizem, por governos irresponsáveis e inconsequentes, que gastaram rios de dinheiro para que os miseráveis passasem a ser pobres, e os pobres passassem a integrar a mesma economia de mercado, de consumo, que alimenta esas mesmas elites.
No fundo, é esse o motor que gera o cenário que vivemos.
O governo é inábil, com certeza. Cometeu erros, alguns muito graves, não há como negar. Há muita culpa no cartório da corrupção, claro.
Mas não é disso que se trata. Do que se trata é de fazer o Estado dismilinguir, retomar o domínio do país. Devolver às margens o que é marginal, aos subúrbios o que é suburbano, ao pé do chão o que se atreveu a andar de avião.
De destituir Dilma, liquidar o PT, enterrar Lula da Silva. Que, claro, cometeram erros e equívocos, mas, acima de tudo, cometeram um pecado capital, imperdoável: levar adiante um projeto de país, e não um projeto de preservação dos beneficios de determinada classe.
E isso, vale repetir, é crime imprescritível. Pecado imperdoável.
Para os porta-vozes e porta-silêncios das elites preconceituosas, Dilma merece o direito de escolha. Os mais educados dizem que não é o caso de impeachment, e oferecem a ela o nobre gesto da renúncia. Os mais desembestados sentenciam que a saída é deixá-la – e a seu governo – sangrar. Os mais energúmenos preferem diretamente destituí-la.
Será que não há uma única alma capaz de convencê-la de que é preciso se defender? E não apenas se defender, mas defender um projeto de país?
Por que ela, que em seus anos jovens soube resistir a tudo, superar tudo, não dá um passo concreto, não faz um único gesto viável para reagir a uma conspiração baseada no mais vil dos sentimentos, que é o preconceito?
Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho / PR
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