A IMPORTÂNCIA DE LEMBRAR THEREZINHA ZERBINI

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por Paulo Moreira Leite

Num momento em que ocorrem manifestações inspiradas nas marchas que antecederam o golpe de 64, convém recordar o papel corajoso da senhora que iniciou a luta pela anistia
A morte de Therezinha Zerbini mereceu um espaço modesto na maioria dos meios de comunicação, o que é fácil de entender quando se repara no que acontece no mundos dos vivos no Brasil de 2015.

Uma das grandes protagonistas da luta democrática contra a ditadura militar, Therezinha Zerbini morreu de madrugada, num fim de semana em que a história das conspirações contra a democracia parece repetir-se, inclusive com protestos inspirados na mesma Marcha com Deus que ajudou a derrubar João Goulart em 1964.
Rebelde que defendeu a democracia em seu tempo, Therezinha Zerbini deixou um exemplo de dignidade e coragem que, do ponto de vista dos adversários dos direitos e liberdades, é conveniente diminuir, esconder e até apagar.
Ela iniciou-se na resistência civil ao golpe por um motivo que parecia doméstico mas era essencialmente político. No 1 de abril de 1964 precisava localizar o marido, pai de seus dois filhos pequenos, único general baseado em São Paulo que se manteve leal a João Goulart. Não descansou até que foi atendida ao telefone pelo próprio Marechal Castello Branco, comandante do golpe que Euryale de Jesus Zerbini recusou, sendo por isso mesmo levado prisioneiro, incomunicável, ao Forte de Copacabana.
Em 1968, quando uma secundarista de 17 anos apareceu em sua casa com as pernas torradas por uma bomba de ácido jogada por provocadores infiltrados na guerra da Maria Antonia, acompanhou a estudante até um hospital perto de casa e foi capaz de registrar-se como sua tia para garantir que tivesse um tratamento médico adequado.
Em 1970, uma equipe do DOI-CODI foi até sua casa no Pacaembu numa quarta feira de Cinzas para conduzí-la a um interrogatório. Therezinha determinou aos policiais e soldados de metralhadora da mão que esperassem a família terminar o jantar. O marido general, embora na reserva, perguntou se ela queria que ser acompanhada até a repartição militar. Therezinha agradeceu, explicou que precisava assumir a responsabilidade pelas causas que abraçara — e solicitou ao marido que cuidasse dos filhos.
Foi em 1975, em sua casa, que Therezinha Zerbini criou o Movimento Feminino pela Anistia, primeira das diversas entidades criadas que seriam criados nos anos seguintes. O manifesto do MFPA e a edição número 1 de seu jornal foram aprovadas na sala de visitas. A filha Eugênia foi uma das editoras. Mães, mulheres e viúvas de presos políticos faziam pate do MFPA. Em Porto Alegre, a antiga guerrilheira Dilma Rousseff — companheira de cela de Therezinha, presa por ter ajudado na organização do Congresso da UNE em Ibiúna — foi uma das primeiras coordenadoras das campanhas.
Quatro anos depois, aquela pequeno movimento havia crescido e se multiplicado várias vezes, o que obrigou a ditadura — pela primeira vez — a sentar-se para negociar com a oposição democrática para fazer concessões de interesse do conjunto da sociedade. Seguindo a mesma escola francesa que ministrava cursos de tortura a militares sul-americanos, os generais brasileiros garantiam uma anistia prévia para si antes de negociar o destino de suas vítimas. Mas o perdão político incluiu as principais lideranças civis da época, perseguidas na cadeia e proibidas de retornar livremente ao país.
Personagem de um tempo em que a virtude mais esperada de uma mulher era a obediência, Therezinha falava de seus vinte anos de luta contra a ditadura sem buscar o reconhecimento heróico mas ficava satisfeita ao lembrar que, em vários momentos, a história esteve ao alcance de sua mão. “Meu filho, eu acho que tive muita sorte, sabe?”, me disse, durante uma das prolongadas conversas que me permitiram escrever a reportagem “A Mulher que era o general da Casa. “

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