Ucrânia: “O acordo inútil que todos tanto queriam”

13/2/2015, The SakerThe Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

POSTADO POR CASTOR FILHO


The Saker
Devo dizer que estou simultaneamente assustado e às gargalhadas com a reação totalmente descabida de muitos comentaristas ao que se pode chamar de Acordo “Minsk-2” [ing. “Mink-2 Agreement” (M2A)]. Aparentemente todos esqueceram todos os instrumentos de análise e agora se armam de declarações hiperbólicas, vociferantes, mas vazias. Lendo alguns dos comentários registrados nesse blog, pode-se perdoar qualquer um que pense que, sabe-se lá como, a guerra na Ucrânia acabou e o Império Anglo-Sionista, ajudado por Putin, Surkov e um exército de anônimos, mas sinistros oligarcas gregos, acaba de infligir golpe terrível, mortal, contra o sonho novorrusso.

Mas... o que está acontecendo por aqui? Enlouqueceram todos?

O que está acontecendo explica-se, pelo menos em parte, porque se pode ler qualquer coisa, e também o contrário, nesse acordo (voltarei a isso, adiante) e também porque a imprensa-empresa ocidental existe para apresentar todos e quaisquer acordos como triunfo da potência, da diplomacia e das sanções do “ocidente”. Não passa de total, completo nonsense, é claro, mas é o que encontra quem se exponha à imprensa-empresa. Assim sendo, deixemos de lado as “declarações” e usemos o cérebro para realmente *pensar*.

Primeiro, devo relembrar aos presentes que a Junta golpista na Ucrânia até hoje rompeu todos os acordos que assinou. Todos, sem faltar um. E não há absolutamente motivo algum para acreditar que dessa vez será diferente.

Segundo, Poroshenko pode prometer o que bem entenda, mas o verdadeiro poder na “Ucrânia independente” é Tio Sam & a gangue de “Maidanitas” que Tio Sam sustenta.

Terceiro, por que, diabos, alguém imagina que Merkel e Hollande sentiram de repente uma poderosa pulsão para “coçar aquela coceira diplomática” lá deles, e decidiram intervir? Teria a aquela pulsão repentina algo a ver com um local chamado Debaltsevo? Se sim, o que dispõe o Acordo Minsk-2 sobre Debaltsevo? Acertou quem disse *NADA*.

Quarto, o acordo sequer foi assinado por Poroshenko. Quem assinou foi Kuchma, pela Ucrânia.

Quinto, releiam o item abaixo (11) do acordo:

(11) Restaurar o total controle pelo governo ucraniano sobre a fronteira do país em toda a zona de conflito, que tem de começar no primeiro dia depois da eleição local e terminar depois da plena regulação política (eleições políticas particularmente nos Oblasts de Donetsk e Luhansk baseadas na lei da Ucrânia e reforma Constitucional) ao final de 2015, como condição para o cumprimento do item 11 – em consultas e de acordo com representantes nos Oblasts de Donetsk e Lugansk, no quadro do Grupo de Contato Trilateral.

Putin, Hollande, Merkel e Porô; lunch em Minsk
Estão vendo o que eu vejo? Esqueçam que a fronteira só voltará ao controle de Kiev depois de “algo” acontecer. Concentrem-se no “algo” propriamente dito: além de eleições... uma reforma constitucional em consultas e de acordo com líderes novorrussos! Alguém aí acredita seriamente que o Parlamento Ucraniano participará em coisa alguma que se pareça, mesmo de longe, com o que aí se lê? Liashko? Farion? Tsiagnibok e Iarosh, todos trabalhando unidos com os “morenos subumanos” do Donbass, para mudar a Constituição da Ucrânia? Nunca acontecerá!

Até aqui, em resumo, já temos que o Acordo Minsk-2:

1) foi assinado por alguém sem autoridade;
2) em nome de uma Junta golpista que não tem poder algum;
3) nada diz sobre a principal razão que levou ao encontro em Minsk; e
4) contém “disposições” claramente impossíveis.

O que mais, então, contém o texto brilhantíssimo? Na verdade há uma pequena seção do documento que contém um elemento realista: o cessar-fogo seguido da retirada das armas pesadas. Aí está. É o que se aproveita. O resto é completo nonsense. Vejam, item a item:

#(5): eleições locais organizadas pela Junta e novorrussos juntos. Nonsense.
#(5): eleições, se tudo isso aí acontecer antes. Dado que nada disso jamais acontecerá, nunca haverá eleição alguma.
#(7): perdões e anistias. Anistia geral para todos os crimes de guerra (incluindo o ataque contra o avião malaio MH-17 e o “churrasco” de Odessa). Repugnante.
#(8): troca de “todos por todos”. Problema, só, que muitos prisioneiros foram mortos nas mãos da Junta, há muito tempo.
#(9): assistência humanitária. Item oco: a ajuda já está chegando.
#(10): pagamento de pensões: a Junta não tem dinheiro. Nunca acontecerá.
#(12): retirada de todas as forças estrangeiras. Nonsense: as forças dos países da OTAN que lá estão lá continuarão; os que não estão (cerca de 9 mil soldados russos) não podem “sair”, porque, para começar, nunca lá entraram.
#(13): reforma Constitucional. Nunca acontecerá.
#(13): reforma Constitucional incluindo a criação de unidades de Milícia Popular. \o/ \o/ [rindo muito!] – Aparentemente, esse será o novo nome das Forças Armadas da Novorrússia.
#(13): Criação de “grupos de trabalho”. ‘Tá bom. Certo. Vão sonhando.

Ukies (azul) cercados por novorrussos (vermelho) em Debaltsevo
(clique na imagem para aumentar)
Fato é que o mais interessante sobre Minsk-2 não é o que ele diz, mas o que NÃO diz:

1) nem uma palavra sobre Debaltsevo;
2) nem uma palavra sobre a junta realmente sentar, algum dia, para negociar com as autoridades novorrussas;
3) nem uma palavra sobre o futuro status da Ucrânia;
4) nem uma palavra sobre a economia da Ucrânia (que continua em queda livre);
5) nem uma palavra sobre forças de paz (indispensáveis para que qualquer cessar-fogo seja efetivo);
6) nem uma palavra sobre o fato de que os novorrussos não são “terroristas”, mas combatentes que lutam pela independência nacional. Poroshenko nunca falou diretamente com eles.

É possível que essas questões tenham sido de fato discutidas, mas essa parte das discussões não será divulgada para o grande público. Deve haver cláusulas secretas no Acordo Minsk-2.

Contudo, é perfeitamente provável, também que essas questões tenham sido discutidas, sem que se chegasse a qualquer tipo de acordo; por isso, foram deixadas de lado, sem que se fale delas.

Mas se nada de realmente importante foi decidido, por que tantos participaram tão ‘publicamente’ desse exercício? Fácil: porque todos os presentes arrancaram alguma coisinha desse acordo (assumindo-se que o que apareceu no Acordo Minsk-2 seja realmente implementado):

1) Os novorrussos:

a) uma pausa nos ataques de terroristas da Junta, contra cidades novorrussas;
b) o reconhecimento da linha de contato;
c) garantia de que o Voentorg permanece aberto (controle da fronteira);
d) tempo para mobilizar e treinar seus planejados 100 mil combatentes extras;
e) o reconhecimento por todas as partes (inclusive pelos europeus), de que merecem status especial.

2) Poroshenko:

a) apoio visível e simbólico a líderes mundiais;
b) suspensão no avanço das tropas novorrussas;
c) uma vaga esperança de que as forças da Junta, sitiadas em Debaltsevo, serão autorizadas a escapar de lá;
d) dinheiro do FMI (nem perto de suficiente, mas melhor que nada).

3) Merkel e Hollande:

a) a ilusão de que haveria política externa relevante, na União Europeia;
b) a esperança (que provavelmente dará em nada) de conseguir deter os norte-americanos pirados;
c) a esperança de aplacar a guerra econômica com a Rússia (Mistrals?)

4) Putin:

a) o direito de controlar a fronteira, até que se façam reformas constitucionais, quer dizer, ad aeternum
b) o reconhecimento de que, sem ele, nenhuma solução pode ser encontrada; 
c) esperança de algum suavizamento nas sanções.

Petro Poroshenko "pensa" que governa...
Todos obtiveram o que queriam e saíram de lá com um sorriso nos lábios. Bom para eles, mas nada disso muda coisa alguma na direção de resolver o conflito ou implica sequer o começo de alguma solução.

A realidade é que nada aconteceu em Minsk, nada, pelo menos, que tivesse qualquer importância. Os novorrussos venceram a mais recente batalha (outra vez), e podem sair de lá numa posição de força; e conseguiram que a Junta prometesse suspender o bombardeamento ensandecido. E dado que Debaltsevo sequer foi mencionada, parece-me que as forças da Junta que estão sitiadas naquela região serão autorizadas a sair de lá com o rabo entre as pernas, deixando para trás todas as armas. Significa que o caldeirão de Debaltsevo será controlado pela Novorrússia.

Putin obteve reconhecimento político e a esperança, pelo menos, de que não virão novas sanções (lembrem que, depois de Minsk-1, a União Europeia imediatamente impôs novas sanções contra a Rússia). Os europeus também arrancaram seu bocadinho, sobretudo melhoria no campo das Relações Públicas. O grande perdedor, definitivamente, é Poroshenko que, agora, tem a missão impossível de “vender” o acordo Minsk-2 a um Parlamento totalmente ensandecido (o qual, por falar dele, está atualmente apreciando um projeto de lei apresentado pelo partido de Poroshenko, que converte em crime qualquer desmentido da “agressão russa” contra a Ucrânia).

Conclusão:

Como num jogo de xadrez, o tempo é fator crítico. O acordo Minsk-2 deu a todos um pouco de tempo, mas o conflito voltará, e a única coisa que porá fim a esse conflito será o duplo colapso, da economia e das forças armadas da Ucrânia – que, me parece, acontecerá nesse verão. Até lá, o conflito permanecerá mais ou menos “congelado”, e só acreditarei que a Junta retirou seus armamentos pesados se/quando eu vir a coisa acontecer. Além do quê, lembrem, se pode combater muito bem com tanques, morteiros e infantaria.

O Banderastão nazista e a Novorrússia são projetos civilizacionais completamente diferentes, que não podem e jamais conviverão sob um mesmo teto. Sim, por razões táticas, pode ser necessário fingir que seja possível, mas a realidade é que não é e jamais será. O único modo de manter a Novorrússia dentro da Ucrânia é desnazificar a Ucrânia. E até que seja desnazificada, a Novorrússia não voltará a ser parte da Ucrânia.

Nazis do Banderastão (Ukies) desfilam em Kiev
Esse é fato muito duro, que ninguém no ocidente está disposto a aceitar. Em Kiev, eles entendem perfeitamente que é assim, mas a “solução” deles é esvaziar a Novorrússia, com “limpeza étnica” de todos os novorrussos, para entregar esse muito necessário Lebensraum à Raça Superior do oeste da Ucrânia. E, isso, a Rússia nunca admitirá que aconteça. Assim, só restam dois resultados possíveis: a União Europeia cede, e a Ucrânia é desnazificada; ou os EUA iniciam guerra total contra a Rússia, em tentativa alucinada para impedir que se confirme o outro resultado.

Mais duas coisas que quero mencionar aqui:

Em termos puramente militares, a retirada de armamento pesado é vantagem integral para a Novorrússia. Não esqueçam que Kiev usou esses sistemas para tentar aterrorizar a população de novorrussos, e os novorrussos usavam a própria artilharia para tentar desarmar a artilharia da Junta. Os novorrussos não poderiam nunca usar a própria artilharia para atacar, porque estão lutando para libertar o próprio país e não querem assassinar os próprios civis.

Assim sendo, em outras palavras, se os dois lados realmente retirarem seus armamentos pesados, a Junta golpista perderá uma capacidade crucial; e os novorrussos perderão uma capacidade praticamente sem qualquer serventia.

Resposta curta à turma do “Putin entregou o jogo”: pessoal, tenho ignorado até aqui a repetição hipnotizada de vocês, que só fazem repetir slogans de “Putin afinou”, “Putin apunhalou a Novorrússia pelas costas” etc.. Um fato é incontestável: ninguém aí jamais encontrou um dado, uma evidência, um argumento, um, que fosse, baseado em pensamento racional, lógico, e análise coerente, que comprovasse o que vocês pensam que sabem. Repetir mantras é ótimo para os yoguis, mas, cá no meu blog, não faz vocês parecerem nem um pouco mais espertos. Deixo que postem as bobagens de vocês aqui, porque “por que não?”, mas, por favor, não tomem minha atitude como sinal de qualquer respeito pelo nonsense que vocês cospem.

A principal razão pela qual não respondo e desmonto os “argumentos” de vocês é que o tempo, que nunca falha, acabará com vocês mais completa e irremissivelmente do que eu jamais conseguiria. E será mais duro de engolir, para vocês, se forem desmoralizados não por argumentos meus, mas por fatos em campo (como aconteceu com os que viviam a cacarejar que Putin traíra Assad e a Síria quando, como vocês diziam, “tirou-lhes a única arma de contenção contra as armas nucleares israelenses”).

Seja como for, se precisam manter ativado o mantra de hipnotizar que tanto apreciam, saibam que, aqui, o mantra só os faz parecer mais idiotas a cada dia. E, considerando que há por aí alguns blogs, embora menos, a cada dia, que “pensam” (digamos), como vocês, considerem a possibilidade de “comentar” naqueles blogs, não no meu. São blogs nos quais vocês serão aplaudidos de pé a qualquer slogan de repetição que repitam, sobretudo se vocês os enunciarem em tom muito-macho, absolutamente sem nuances, chapados. Por que vocês insistem em sofrer aqui, quando há esses “paraísos de consenso” por aí? Pensem, pelo menos, em mudarem-se para lá, OK? :-)

Por agora, é isso. Estarei na estrada amanhã até o fim do dia. Recebam esse postado como um “open thread” e um “até logo”, até sábado, se Deus quiser. Saudações.

The Saker 
PS: charge enviada por um amigo (coragem, pessoal, venceremos!)


Comentários