Ucrânia: O “acordo” de Minsk

12/2/2015, [*] Alexander MercourisThe Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHo
Os 13 pontos do "Acordo de Minsk" (em espanhol)
Já há debates sobre quem “ganhou” e quem “perdeu” nas conversações de Minsk.

Resposta mais curta é, como disse corretamente o Ministro Steinmeier, de Relações Exteriores da Alemanha, que não houve nenhuma grande novidade, mas os russos e as Forças Armadas da Novorrússia fizeram progressos.

É preciso explicar um ponto, ou reiterá-lo, porque já expliquei várias vezes.

O acordo nada diz a favor da federalização ou da autonomia do Donbass, e mais uma vez apenas faz referência a uma lei que reconheça status temporário especial para o Donbass dentro da Ucrânia.

Não pode sair das negociações de Minsk qualquer acordo para a federalização, porque ali acontece basicamente uma reunião de cinco potências – Rússia, Bielorrússia, Ucrânia, Alemanha e França. Os russos sempre disseram que se trata de um conflito interno e guerra civil dentro da Ucrânia e entre ucranianos, e cabe aos ucranianos e só a eles resolver suas diferenças internas mediante negociações, é claro, internas.

Dado que essa é a posição dos russos, a Rússia e demais potências não podem impor esquema de federalização aos ucranianos e nunca – pelo menos abertamente – tentaram fazê-lo. O objetivo declarado das conversações de Minsk é – pelo menos do ponto de vista dos russos – estabelecer condições e um processo para as negociações constitucionais que os russos vêm buscando (e que parece que já haviam ficado decididas, em 21/2/2014, em 17/4/2014 e em 5/9/2014).

Os russos insistem nessas negociações desde o golpe de fevereiro/2014. Os russos não estão predeterminando publicamente o resultado dessas negociações, porque, se fizessem tal coisa, não haveria nenhuma negociação. Seja o que for uma “negociação”, em nenhum caso será, por definição, algo cujo resultado seja predeterminado.

Se os russos buscassem predeterminar o resultado das negociações insistindo na federalização como resultado, estariam impondo seu pensamento sobre as partes e admitindo que eles, russos, seriam parte no conflito, o que sempre disseram, consistentemente, que não são. Estariam fazendo, afinal, o que os EUA tentaram fazer no conflito sírio: insistir num determinado resultado (“Assad tem de sair”), não importa quais e quantas “negociações” aconteçam e até antes de qualquer negociação. Os russos sempre se opuseram a esse tipo de comportamento, e estão sendo perfeitamente coerentes ao não adotá-lo abertamente agora.

Putin, Hollande, Poroshenko e Merkel em Minsk
Dependendo de o que as partes decidam entre elas, as negociações podem, teoricamente, resultar em descentralização, federalização, confederação ou, até, total independência para o Donbass (no verão, os russos fizeram circular essa ideia como séria possibilidade). Essa ideia, por falar dela, não é contrária a reafirmar todo o respeito e até o apoio à soberania e à integridade territorial da Ucrânia que se lê na declaração distribuída hoje. Se as partes de dentro do conflito optassem por partição formal como solução para o conflito na Ucrânia, os atores internacionais que partilham a opinião dos russos reconheceriam a partição sem ter de rediscutir o apoio declarado, antes, à integridade territorial da Ucrânia, como fizeram quando a Tchecoslováquia dividiu-se.

Na realidade, todos sabem que a opção preferida dos russos é a federalização, e os europeus começam a tender na direção da mesma solução. Se é solução viável ou não, já é outro assunto.

Entendido esse ponto chave, tudo começa a encaixar-se no lugar certo.

Na primavera e no verão passados, os russos buscaram um cessar-fogo para que pudessem ser iniciadas negociações constitucionais. Os europeus estão agora pedindo um cessar-fogo (na primavera e no verão o cessar-fogo lhes parecia menos sedutor). Há agora um acordo para o cessar-fogo.

Em agosto passado, os russos pediram que se retirasse do território do Donbass todo o armamento pesado. Há agora um acordo para a retirada de armamento pesado do território do Donbass.

Mapa de situação no Donbass (Novorrússia)

Se acontecer, implicará significativo enfraquecimento da posição da Junta no Donbass, porque é a Junta que está de posse de maior quantidade de armamento pesado. Se os lados em guerra ficarem reduzidos a forças leves de infantaria, a vantagem em campo passará decisivamente para as Forças Armadas da Novorrússia.

O mecanismo político que se supunha que tivesse sido acordado em Minsk dia 5/9/2014 para criar as condições para as eleições está sendo revivido. Assim, deve haver uma lei de status especial para o Donbass pendente de negociações constitucionais, para esclarecer seu corrente status legal e prover mecanismos legais para que seja internamente administrado pelas Forças Armadas da Novorrússia (a Ucrânia aprovara uma lei desse tipo, e depois a cancelou), mais eleições, etc..

Há uma nova provisão, que são as primeiras indicações de alguma espécie de cronograma para esse processo, prevendo-se que as negociações constitucionais devam estar concluídas à altura do final do ano.

Há também algumas ideias para um processo aprimorado de monitoramento mediante a OSCE.

Tudo isso realmente acontecerá? Eu diria que é muito altamente duvidoso. Considerem o que aconteceu depois do processo de Minsk dia 5/9/2014. A Junta não depôs seu armamento pesado. Não se retirou para a linha limítrofe combinada. Impôs bloqueio econômico contra o Donbass (agora, está obrigada a levantar esse bloqueio). Rescindiu a lei sobre o status especial para o Donbass. Reforçou o próprio exército e, em janeiro, tentou reiniciar a ofensiva.

Há qualquer maior probabilidade hoje de esse processo ser mais bem-sucedido do que quando foi “acordado” em Minsk em setembro?

A grande diferença entre o processo corrente e o anterior é que, agora, os europeus estão formalmente envolvidos. O sucesso ou fracasso depende, em última instância, de se os europeus insistirão para que a Junta cumpra suas obrigações. Antes, já fracassaram espetacularmente nessa “tarefa”, e devo dizer que é muito pouco provável que façam agora o que antes não fizeram. Se os Europeus não insistirem para que a Junta compra suas obrigações, nesse caso o processo fracassará como o primeiro processo de Minsk fracassou. E, com a vantagem continuando a tender cada dia mais a favor das Forças Armadas da Novorrússia, logo veremos novo aquecimento nos combates, e novos avanços das Forças Armadas da Novorrússia na primavera.

Alexander Zakharchenko, Comandante da Novorrússia
Ao mesmo tempo, o controle da fronteira, o desarmamento de “grupos ilegais armados” etc. estão agora abertamente ligados à conclusão bem-sucedida das conversações constitucionais, o que se espera que aconteça antes do final do ano. Claro que, se as conversações constitucionais forem bem-sucedidas, nesse caso, quando todas essas coisas acontecerem, teremos uma Ucrânia diferente da que temos hoje. Então, o controle dos postos de fronteira etc. estará em mãos de autoridades constituídas diferentes das que hoje existem.

Essas negociações constitucionais algum dia acontecerão? Se se realizarem, serão bem-sucedidas? Duvido muito. A Junta resistirá contra elas com unhas e dentes, se por mais não for, porque essas negociações ameaçam todo o “projeto Maidan” e, pelo simples fato de existirem, as negociações declaram a Junta ilegítima.

Depende, afinal, do que os europeus façam. É assim hoje, como assim foi, naquele conflito, desde o início.

A simples evidência de que depende do que façam os europeus já é boa razão para duvidar de que todo o processo chegue a bom termo. O mais provável é mais e mais conflito pela frente. Mas, entrementes, Poroshenko admitir que “não há boas notícias para a Ucrânia” desse processo já diz claramente quem está vencendo.

Nota dos tradutores
[1] Os 13 pontos do acordo (em espanhol) em RT
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[*] Alexander Mercouri é especialista em Direito Internacional e Relações Internacionais. Autor de vários ensaios e artigos sobre esses assuntos com interesse especial na Rússia e na lei. Tem escrito extensivamente sobre os aspectos legais de espionagem da NSA (National Security Agency) e eventos na Ucrânia, em termos de direitos humanos, a constitucionalidade e do direito internacional. Trabalhou como advogado por 12 anos na Royal Courts of Justice, em Londres, especializado em direitos humanos e direito constitucional.

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